Cultura

O CRAQUE BORRACHUDO E A BRONCA DA MAMÃE por WALMIR ROSÁRIO

*Radialista, jornalista e advogado.
Walmir Rosário , Bahia | 08/11/2020 às 18:52
Ramiro Aquino e Geraldo Santos
Foto: DIV
   O futebol é pródigo em tudo! E por isso mesmo – acredito eu – a razão de tanto sucesso. No futebol, as coisas erradas acabam dando certo e nem mesmo o politicamente correto consegue sobreviver. Ainda bem! É o futebol que faz muitos jogadores famosos – alguns conceituados –, embora efêmeros, não importa, embora também seja perverso com outros tantos que vão do céu ao inferno em bem pouco tempo.

  Se todo o jogador que se preze pudesse jogar como atacante, marcando gols, por certo estaria em alta constante com a torcida, endeusado pelos feitos, um drible desconcertante ali, um gol de placa para ganhar o jogo, quem sabe o campeonato. É a glória. Já outras posições, principalmente as defensivas, já não conseguem sempre conviver com esse clímax, que digam os goleiros.

  Pra não ter que encompridar esse “nariz de cera”, vamos ao que interessa: os apelidos dos jogadores. Sejam eles oriundo da infância – de casa ou da rua – ou os recebidos nos campos de futebol. Não causa espanto que uma grande parte dos apelidos tenha sido dados pelos cronistas esportivos – notadamente os repórteres de campo e narradores de partidas inconformados com a pronúncia ou bizarria.

  No nosso futebol paroquiano – seja Itabuna, Ilhéus ou Salvador – os jogadores conhecidos por apelidos não são poucos e muitos fizeram história sem se importar de como passaram a ser conhecidos. O importante era jogar bola, e bem, seja em que posição atuasse. Há também casos em que os nossos cronistas esportivos simplesmente não gostaram do apelido e passaram a chamá-lo pelo nome, o que nem sempre deu certo.
 
  Alguns apelidos são inesquecíveis e se encaixam perfeitamente nas pessoas – no caso os jogadores em questão – e o exemplo mais límpido é o de Pelé (Edson Arantes do Nascimento soa estranho); Garrincha, Mané Garrincha, tanto faz; Didi, o Folha Seca, o Príncipe Etíope, o Senhor Futebol, todos conhecem, mas se perguntarmos por Waldir Pereira...dará um trabalho danado para sabermos de quem se trata.

  O Furacão da Copa também atende por Jair Ventura Filho, ou Jairzinho, sem qualquer problema, já o também botafoguense Heleno de Freitas era chamado de Príncipe Maldito, o que, convenhamos, não pega bem. Artur Antunes Coimbra ainda é chamado de Zico, um diminutivo dado pela família, mas os narradores da época gostavam de chamá-lo pela alcunha de Galinho de Quintino, sem qualquer problema.

   Agora imaginem a mãe de um jogador de futebol ter que aturar a crônica esportiva chamar o seu mimoso filhote de Leandro Banana, Flávio Caça-Rato, Pinga (o herói do Hexa da Seleção de Itabuna). Cláudio Caçapa? Melhor a morte! Pior, ainda, é Cascata, Ruy Cabeção (ex-Botafogo), Yago Pikachu, Boquita, Rafael Ratão, embora pouco importassem que nomes os chamassem e sim o que futebol que jogavam.

  Em certos casos os nomes de batismo e registro civil não pegam bem para um jogador de futebol. Imagine o narrador ter falar com rapidez que Parmênides passou a pela para Ariclenes, que driblou Pelópidas Guimarães. Esses nomes não deram certo nem no cinema e televisão, tanto que Ariclenes se transformou em Lima Duarte e Pelópidas passou a ser conhecido e chamado por Paulo Gracindo.

  E assim é por esse mundo afora. Não foi diferente com um lateral-esquerdo do meu Botafogo do bairro Conceição, conhecido por Borrachudo. Para não perder a embocadura, nesta época o Botafogo de Rodrigo tinha o jovem Iaiá como um promissor goleiro e mecânico da empresa de ônibus Sulba. Ao ser convocado para Seleção de Itabuna não quis saber do apelido e só aceitava ser chamado por Aderlando, conforme lembra outro não menos famoso goleiro Raul Vilas Boas, também conhecido no futebol por Marcial (goleiro do Flamengo) pelas pontes que cometia para pegar as bolas altas.

  Como sempre, a mídia acredita que sempre sabe das coisas e o grande narrador da época, Geraldo Santos (hoje Borges), e o repórter e comentarista Ramiro Aquino resolveram dar uma forcinha para Borrachudo. Apesar de experientes, a dupla nunca tinha visto um apelido desse, e logo no jovem reserva do Botafogo que assumiria a titularidade o apelido poderia ser um fator negativo.

  Tudo combinado na emissora e no dia seguinte começa o jogo no velho campo da desportiva entre o Botafogo e Fluminense. E o nosso lateral-esquerdo fez valer sua ascensão e foi um dos destaques do jogo. Só que em vez de Borrachudo, os radialistas Geraldo Santos e Ramiro Aquino se esmeraram em chamar o jovem pelo seu nome de batismo: José Carlos, como tinham prometido.

   No dia seguinte, ao chegarem à emissora para apresentarem a resenha esportiva, o jovem Borrachudo, destaque no jogo, esperava os radialistas para que consertassem um mal-entendido que lhe causou dissabores em casa. É que a senhora mãe de Borrachudo – agora José Carlos – passou-lhe o maior sabão por ele ter dito que jogaria naquela tarde e seu nome sequer apareceu no rádio. Ela não tinha ouvido uma vez sequer na transmissão.

Desse dia em diante a dupla Geraldo Santos e Ramiro Aquino desistiu do intento de mudar os nomes dos jogadores, se esmerando para tornar as transmissões mais humanizadas. José Carlos voltou a ser chamado de Borrachudo e o seu colega goleiro Aderlando, que não teve grande êxito na seleção itabunense, voltou a ser chamado pela crônica esportiva de Iaiá. Sem traumas!