Cultura

Siré Obá - A Festa do Rei na Casa Preta em Março

Espetáculo é uma produção do NATA – Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas
RB , da redação em Salvador | 06/03/2018 às 10:19
A festa do rei
Foto: Andrea Magnoni


Depois de cinco anos fora dos palcos, o espetáculo Siré Obá – A Festa do Rei, do Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas (NATA), com direção de Fernanda Júlia Onisajé, fará curta temporada de 22 a 25 de março, às 20h, na Casa Preta, localizada na Rua do Areal de Cima, no bairro Dois de Julho, em Salvador.

As apresentações fazem parte do projeto OROAFROBUMERANGUE, que conta com o apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura da Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, aprovado no Edital de Apoio a Grupos e Coletivos Culturais da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb).

O espetáculo inspira-se nos orikis (poesia em exaltação aos Orixás) para mostrar a beleza e a filosofia do culto às divindades africanas, tendo como objetivo desmitificar preconceitos e combater a intolerância religiosa. Unindo religião e arte, a peça é uma grande festa/Siré e segue a sequência das músicas cantadas e tocadas para os Orixás nos rituais do Candomblé, celebrando junto com o espectador os feitos dessas divindades.

No ano de sua estreia (2009), Siré Obá recebe três indicações ao Prêmio Braskem de Teatro: Melhor Espetáculo, Revelação (para a então estreante diretora Fernanda Júlia) e Especial (pela direção musical de Jarbas Biittencourt), categoria da qual saiu vencedor.

 

Orikis

Inicialmente, o Siré Obá nasce para ser um sarau poético, em que seriam utilizados textos de poetas e poetisas negras. No processo de concepção, um conhecido sugere que o grupo investigue os Orikis, poesias sagradas em exaltação aos Orixás, que apresentam elementos mais profundos que os itans, que narram as histórias dessas divindades.

“Os orikis nos falam da personalidade, da essência primordial do Orixá, além de serem elementos da narrativa mito poética ioruba. Depois de muito estudo, fiz a proposta para os integrantes e decidimos produzir um espetáculo chamado Siré Obá”, explica Onisajé.

Uma das fontes de pesquisa é a yalorixá Roselina Barborsa, do Ilê Axê Oyá L’adê Inan, Terreiro de Candomblé sede do grupo na cidade de Alagoinhas. No processo de investigação, consulta ao babalorixá L’adê Inan e este sugere que não utilizassem os orikis originais, pois seria uma exposição dos fundamentos do Candomblé.

Onisajé recorda que ele pediu para que ela lesse e compreendesse o universo do Orixá e a partir daí utilizasse os ensinamentos para escrever os seus próprios orikis. “É neste momento que nasce o primeiro princípio do teatro do Nata: não trabalhamos com a transposição literal da liturgia para cena. Mas, sim, nos inspiramos nessa liturgia”, pontua.

O livro chamado Oriki Orixá, do Antônio Risério, é uma das fontes de pesquisa. “O Oriki é tão potente que presentifica o Orixá, pelo tamanho da força da palavra no candomblé. Entendemos que voz tem ancestralidade”, esclarece Onisajé, ao acrescentar que o espetáculo é um agradecimento do grupo aos Orixás.

“Eu e minha família passamos por um processo de falência espiritual e material, e o Candomblé fortaleceu nossos laços. O Candomblé empodera o indivíduo quando diz para ele de onde veio e quais são as possibilidades para onde ele deve ir ou pelo menos que ele tem opções de escolha. Agradeço a Iansã por ela ter me tirado da indigência intelectual e financeira”, recorda a diretora.

 

Princípios

Siré Obá nasce também da necessidade dos integrantes do NATA assumirem a identidade de artistas negros, apesar de que, desde o espetáculo Senzala, já produzirem trabalhos que tinham como tema a questão racial e o Candomblé. “Mas, não tínhamos nos tocado que era um grupo de artistas negros. Todo mundo era preto. Quem abriu nossos olhos foi o espetáculo Cabaré da Rrrrraça, do Bando de Teatro Olodum”, pondera.

Em 2008, o grupo já tinha quatro anos sem conceber um novo espetáculo. Nesse período, Fernanda Júlia Onisajé cursava direção na Escola de Teatro da UFBA. Provocada pelo professor Érico José, que questionou o porquê de as manifestações culturais populares brasileiras não serem utilizadas como material de formação e criação cênica, inicia uma pesquisa cênica intitulada Ativação do Movimento Ancestral.

Ela conta que pegou a última cena de Medeia e utilizou como técnica de preparação dos atores e instauração da atmosfera da cena o Maculelê. Percebendo que não dava para colocar os atores em cena apenas colocando-os para jogar Maculelê, realiza um mergulho na ancestralidade de uma manifestação cultural para ativar nos atores uma memória ancestral.

 

Poética

“Daí nasce a poética cênica do NATA, que tem o Candomblé como fonte matriz. Somos pretos, então por que não trabalhamos como preto? Pautados na cultura negra? Compreendi que o candomblé pode e deve ser um espaço de imersão profunda, de inspiração, de nutrição para criação artística negra. Desta forma, nasce esse teatro físico ritual do grupo”, explica.

O processo de criação do espetáculo inicia com uma imersão no Terreiro de candomblé, estudo da história e antropologia dessa manifestação cultural e também um mergulho na liturgia pública, “que começou sob minha responsabilidade por ser iniciada, depois com o passar do tempo foi dividido, pois alguns componentes do grupo iniciaram-se ou começaram a fazer parte do Candomblé como abians (pessoa não iniciada, mas que frequenta um Terreiro de Candomblé)”.

Siré Obá é o próprio encontro do indivíduo com o Orixá por parte de cada integrante do NATA. Foi o encontro de Nando Zâmbia com Oxum, de Fabiola Nansurê com Nanã, de Antônio Marcelo com Xangô, de Daniel Arcades com Logunedé e de Thiago Romero com Oxumaré. No entanto que, um ano depois de estrear Siré Obá, Romero se inicia no Ilê Axê Oyá L’adê Inan como yawô.

 

Sinestesia

Quando a diretora Onisajé fala do teatro físico ritual ela compreende que o indivíduo é um ser integral, não há separação entre corpo e alma. “É uma concepção trazida do candomblé, de corpo integrado. Além disso, o teatro físico ultrapassa a exaustão e a loucura, tem relação com o princípio de dilatação energética. O transe é uma irradiação profunda de energia, de dentro para fora. Você entra numa simbiose tão profunda entre você mesmo, que se torna visível a expressividade do invisível. O candomblé é sinestésico”.

O processo de criação das cenas inicia no final do ano de 2008, mas o grupo percebe que não dava para fazer o espetáculo sem dinheiro. “Resolvemos inscrever o Siré Obá no edital Manoel Lopes Pontes de Estímulo a Montagem Teatral. Foi o primeiro edital público que o NATA passou. Em janeiro de 2009, depois de quatro anos sem montar um novo espetáculo, voltamos para a sala de ensaio, que era o barracão do Ilê Axé Oyá L´adê Inan, onde montamos e estreamos o Siré Obá”, rememora.

Nesse processo, o grupo ganha dois novos integrantes, Thiago Romero, que entra como co-autor da dramaturgia e assume a direção de arte, assinando cenário, figurino e maquiagem, e Sanara Rocha que fez a assistência de direção da peça e torna-se instrumentista do grupo. Siré Obá marca também a reativação da sigla (NATA) e se torna Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas.

 

Intolerância

Siré Obá é um espetáculo potente, pois existe nele uma verdade muito profunda, que causou conflito nas pessoas. “Uma coisa é você dizer que é preto, outra coisa é ser confrontado com o universo cosmogônico dessa herança cultural africana, presente no candomblé, que é um patrimônio cultural brasileiro”, provoca a diretora.

O conflito está justamente no desconhecimento desse universo e demonizá-lo. “Compreendemos que todo intolerante desconhece o que ignora. O NATA entende que deve contribuir na luta contra a intolerância religiosa pelo viés revolucionário da arte, da beleza e da poesia. O Candomblé é uma expressão religiosa de uma beleza e contribuições profundas para a construção do Brasil. Um dos responsáveis por salvaguardar a herança ancestral africana e, por isso, urge ser divulgado, valorizado e legitimado”.

Para Onisajé, Siré Obá combate a intolerância por que atravessa, toca o sensorial, revela a beleza do Candomblé e convoca as pessoas para uma reflexão sinestésica, sinergética da grandiosidade da cultura negra no Brasil.

 

Ficha Técnica

Texto: Onisajé (Fernanda Júlia)

Co-autoria: Thiago Romero

Direção: Onisajé (Fernanda Júlia)

Assistência de direção: Sanara Rocha

Co-direção: Thiago Romero

Elenco: Daniel Arcades, Fabíola Nansurê, Antonio Marcelo, Nando Zâmbia

Atriz convidada: YalOrixá Roselina Barbosa

Instrumentistas: Sanara Rocha, Onisajé (Fernanda Júlia) e Yan Bonfim

Direção Musical: Jarbas Bittencourt

Iluminação: Nando Zâmbia

Cenografia figurino e maquiagem: Thiago Romero

Coreografia: Marilza Oliveira

Preparação vocal: Marcelo Jardim

Direção de Produção: Susan Kalik

Produção Executiva: Francisco Xavier

Realização: NATA e Modupé Produtora.