Cultura

CHURRASCARIA RODÍZIO, lugar onde o gordo é mais feliz. P/OTTO FREITAS

Vida de Gordo é a especialidade do nosso colunista Otto Freitas
Otto Freitas , da redação em Salvador | 09/11/2014 às 19:59
Vida de Gordo é a especialidade de Otto Freitas
Foto: DIV
Se há um lugar onde gordo fica feliz da vida é a churrascaria de rodízio, templo sagrado do colesterol, monumento ao politicamente incorreto, nesses tempos neuróticos em que alface é praticamente o Santo Graal. Quando os espetos vão passando, com aqueles belíssimos cortes de carne macia e suculenta, os gordinhos ficam inquietos, se bulindo na cadeira, com os zoinhos brilhando e a boca cheia d’água. 

Churrascaria é lugar para profissional, gordo de raiz, que sabe comer bem e não se engana com aqueles riquíssimos e variados buffets que, tirando as saladas, na verdade não passam de entupitivos para levar os incautos a consumir menos carne e gerar mais lucro. 

Até o começo dos anos 1970, comer uma boa carne vermelha em Salvador só nas churrascarias Alex, em Pituaçu, e Alah, no Costa Azul, as duas na orla marítima. Mas o churrasco era aquele bifão grosso, servido em travessas de alumínio, acompanhados de arroz, feijão tropeiro, batata frita e salada de alface e tomate. 

Só havia sistema de rodízio em churrascarias instaladas na BR-324, entre o bairro do Retiro e a cidade de Feira de Santana. Mas era um rodízio muito básico, com pobres espetos de linguiça, frango e um só tipo de carne. Os acompanhamentos eram servidos em pequenas e numerosas travessas de inox, com macarrão, farofa, batata frita, arroz, feijão tropeiro, berinjela e a tradicionalíssima maionese de batata com batata. 

Somente no final da década de 70, o Rincão Gaúcho trouxe para a cidade (Armação, na orla marítima) a primeira churrascaria com o sistema de rodízio (boi, porco, frango e linguiça) e acompanhamentos semelhantes aos da estrada. Com o tempo, o Rincão foi se modernizando e hoje serve, com simplicidade e tradição, uma das melhores carnes de Salvador.

Mais ou menos na mesma época, a Estrela do Sul (esse era o nome, salvo engano) se instalou no Jardim dos Namorados, também na orla marítima. Chegou com tudo, desde o grande salão, o buffet, variados cortes de carnes e até mesmo o palco onde se apresentavam os famosos cantores de churrascaria. Nos anos 80, com uma nova reforma da praça, no seu lugar instalou-se a Rodeio (hoje Villa’s).  

Atualmente Salvador conta com uma boa variedade de churrascarias, para todos os gostos e bolsos - de casas populares (só no Caminho de Areia, na Cidade Baixa, tem umas quatro) a franquias nacionais famosas como Boi Preto e Fogo de Chão (a carioca Porcão também esteve por aqui, mas quebrou e nunca mais reabriu). 

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É preciso saber aproveitar a fartura do rodízio. A carne deve ser escolhida com rigor e consumida em nacos grossos (fatias finas perdem o suco) e pequenos, um de cada vez, para não esfriar, e sempre do primeiro corte de cada espeto.  

É bom experimentar de todas as variedades servidas (picanha tem mais fama do que sabor), menos aquelas invenções cheias de queijos e outros aditivos. Churrasco gostoso é carne boa na origem, sal, fogo certo e nada mais. 

Fuja de garçons espertos, que ficam empurrando carne fria, restos de espeto, ou jogando pedaços enormes no seu prato, que é para você morrer mais cedo e liberar logo a mesa. Jamais faça aqueles gigantescos pratos de pedreiro, abarrotados de acompanhamentos. 

Para beber, um bom tinto bem encorpado ou doses de destilados, que ajudam na digestão. Cerveja não é a bebida adequada, pois rapidamente empanturra o desavisado. No final, um sorvete, a insubstituível Coca-Cola e uns licores vão muito bem.

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Jeffinho, que sempre deixa os gerentes assustados logo quando chega, lava a jega no rodízio, mas só come carne e salada. Quando muito, um arroz de carreteiro e um feijão tropeiro, para fechar a peleja, que é sempre longa e calma, feita de muitas e continuadas rodadas. Essa brincadeira pode levar até 8 horas seguidas e requer bons parceiros, gente chegada a uma boa carne, papo firme e muito assunto.

O amigo Marcão, por exemplo, não dispensa o vinho, a carne, a salada, farofinha de manteiga no capricho e muita risada à mesa cheia de amigos. Xande Junior é outro parceiro de fé. Ele e Jeffinho já chegaram a transformar certa churrascaria em escritório: batiam ponto uma vez por semana, litro de uísque e bastante água com gás sobre a mesa.
 
E assim a carne sempre passará, até o fim dos dias, desafiando o apetite e todos os olhos gordos e bêbados desse mundo de Deus.