PERDEMOS A IRREVERÊNCIA DE TYRONE PERRUCHO, por WALMIR ROSÁRIO

Walmir Rosário
11/01/2021 às 14:47
Véspera de Natal – pelos meus cálculos, o menino Jesus nasceu à meia-noite – e nesta quinta-feira (24) teríamos uma série de atividades a cumprir antes das obrigações com os familiares, em casa. Mas nada deu certo. Nem mesmo nos preocupamos de marcar o encontro num dos muitos bares de Canavieiras que abrigam, semanalmente, a costumeira reunião do Clube dos Rolas Cansadas e da Confraria d’O Berimbau.

  É que ainda nos sentimos desorientados, desde o dia 16 de dezembro, com o sumiço do nosso coordenador mor, o jornalista aposentado Tyrone Perrucho, que se encontra lá pras bandas de Ilhéus numa missão deveras importante e ainda sem data aprazada para o retorno nesta foz do rio Pardo. De uma hora pra outra ele resolveu cumprir uma missão importante, desmoralizar – de vez – este tal de Coronavírus, mais conhecido como Covid-19.

  Enquanto trava por lá sua guerra particular, aqui andamos torcendo para que ele vença logo mais uma batalha e dê por encerrada essa contenda, digna de um Hércules ou outros mitos que o valham. Destemido, aproveitou os momentos possíveis e imaginários no planejamento da contenda, assim como fez recentemente a pelejar com outro desses males que campeiam o mundo, o câncer: e venceu.

  Dono de um currículo invejável, desde menino Tyrone Perrucho se revelou um ser diferente, tipo aquele “Capeta em forma de guri” descrito na música do mesmo nome, cantada pela banda Os Incríveis. Em certos momentos fico em dúvida se a letra da música foi feita exatamente para ele ou se o dito cujo se apoderou dos termos descritos para fazer uma espécie de breviário, uma bíblia...sei lá.

  Peraltices tantas que se destacou no colégio e nas aulas de saxofone, tornando-se um dos músicos da briosa Philarmonica Lyra do Commercio, abandonando o quadro musical da vetusta em troca de incursões nas casas mal-afamadas da rua da Jaqueira. Perdemos um saxofonista, embora ainda poderemos recuperar o instrumento no qual está cravado o seu nome, na cidade de Feira de Santana, inativo como o ex-dono.

  Embora tivéssemos perdido um músico, ganhamos um jornalista, fundador – com amigos – da revistinha Tabu, posteriormente transformada o jornal. E o nome Tabu foi dado para quebrar o tabu das publicações – todas de vida efêmera –, vivendo altaneira até os 50 anos e morta de morte matada, pois o jornalista aposentado da Ceplac desejava ardentemente se tornar um vagabundo, na essência da boa palavra. Parar de vez.

  Se irreverente na escrita, gozando das benesses da aposentadoria sua verve precisava de mais agitação. Não satisfeito de ser um dos fundadores da Confraria d’O Berimbau e do Troféu Galeota de Ouro, fez valer sua inatividade ao criar o Clube do Rola Cansada, com a finalidade de aumentar e justificar as farras das quintas-feiras com os colegas que nada têm o que fazer.

  Astucioso como só ele, marcou pelo Tabu a data e horário conclamando os “velhinhos” para a assembleia de fundação do Clube dos Rolas Cansadas, a ser realizada pela manhã, no bar Sombra da Tarde. Pelos meus afazeres profissionais não pude estar presente, embora soubesse posteriormente pelas páginas de o Tabu que teria manifestado meu voto pela internet, através de um orelhão da OI, há muito desativado.

  Como acreditava ser Canavieiras uma cidade de vida bucólica, chegando às vias de pachorrenta, passou a realizar encontro etílicos sociais nos bares do centro e da periferia, em locais desconhecidos pelos turistas. Aliás, ocupar seu tempo diariamente em mesa de bar foi uma determinação que tomou assim que foi agraciado com a merecida aposentadoria, após 30 anos de batente na Ceplac.

  E cumpriu à risca. Nem mesmo quando um câncer resolveu tentar derrubá-lo cedeu um só milímetro de sua determinação, suspendendo o consumo de cerveja por apenas 20 dias no pós-operatório. Para evitar mais delongas, refutou o tratamento com quimioterapia ou radioterapia, preferindo as rodas de bar com os amigos, o que lhe deixava mais satisfeito e feliz da vida.

  Nesses tempos de pandemia – quando parou mais em casa – resolveu escrever um livro sobre fatos históricos e pitorescos importantes que noticiou nos 50 anos de existência de o Tabu. Antes mesmo que o livro chegasse aos finalmente, foi acamado com uma gripe, combatida com medicamentos populares encontrados em farmácias, chás e outras beberagens da cultura canavieirense.

  Ao lembrar de uma crônica que escrevera em o Tabu, noticiando a própria morte, narrada com todos os pormenores e que promoveu uma comoção entre amigos e conhecidos, que, sabedores de suas “safadezas”, resolveram acreditar, resolveu ir em busca de conselhos médicos. Cientes da gravidade da infecção e da idade do ancião, nem mesmo o deixaram sair do hospital.

  Nos dois primeiros dias de internamento, por meio do whatsapp, caçoava do tratamento por só ter tomado uma injeção, até ser recolhido a uma unidade de tratamento intensivo, conhecida popularmente como UTI. Nesse tempo em que passou sedado, não sei o que passou por sua cabeça, mas soubemos da corrente de oração encabeçada por sua mulher Yolanda com amigos tantos.

  Próximo a completar 15 dias de entubado, os médicos tentaram acordá-lo, em vão, e resolveram tirar o tudo e realizar uma traqueostomia. Pouco lhe incomodou, pois continuou a dormir o sono dos anjos. Sinceramente, não quero nem saber o que ele pensou sobre o que seus amigos fizeram aqui na torcida por sua volta, uma grande corrente de orações, expressas num grupo de whatsapp, por se considerar ateu.

  Infelizmente, nesta terça-feira (12), após quase um mês de internado, nosso amigo Tyrone Carlos de Carvalho Perrucho deixa órfãos todos os seus amigos. Desta vez, para sempre e sem direito a manchete de sua morte em o Tabu, feita por ele mesmo, como outrora. Sei que ele deixou todo o roteiro de seu sepultamento escrito – como um testamento –, mas na verdade impossível de ser cumprido pelo protocolo da Covid-19.

  Choramos muito, mas devemos homenageá-lo com alegria, como costume na sua vida.