FARUK KALID, NOS BRAÇOS DE DEUS E DE ALLÁ, por WALMIR ROSÁRIO

Walmir Rosário
09/08/2020 às 19:54
Nos deixou na manhã da última quarta-feira (4) o gringo Faruk Atallah Kalid. Uma figura humana das mais afáveis, apesar de sempre querer mostrar sua cara de mau, o que nem sempre conseguia. Faruk, Turquinho, Bacalhau, cresceu no Beco do Fuxico, onde o pai era comerciante e aprendeu a amar o local, onde era presença assegurada no Bar de Batutinha ou em Ithiel.

  Libanês de descendência, não sei para quem encomendar sua alma, se para Deus ou Alláh, mesmo sabendo da grande maioria cristã no sul da Bahia, o que pouco importa, pois é certa a sua presença entre Eles. Faz algum tempo – 7 anos – que não encontro o amigo Faruk, para com humor saber das notícias, principalmente sobre os amigos, chegados ou não, ou até pelos que ele não cultivava, isso da boca pra fora.

   Faruk era um encrenqueiro no bom sentido, ou como Iram Marques (Cacifão) gostava de chamar: um “ingrisilhento”. E o Turquinho criava esses problemas somente para ver o desespero do amigo, quem sabe, o próximo ex-amigo. Pouco se importava e ainda contava esses casos dando risadas. Mesmo assim colecionava uma legião de amigos, sejam os de mesas de bar como do bate-papo nas ruas.

   Conheci Faruk ainda na minha juventude, nos meus 14, 15 anos e ele já um ilustre bancário, operador de caixa do Banco da Bahia. Junto com ele, Messias Pires Maciel, José Haick e Aldo compunham a bateria de caixas da agência. Às segundas-feiras, as conversas não paravam, principalmente sobre o futebol, os comentários sobre quais times perderam ou ganharam, quais os melhores jogadores…

  E todos esses comentários eram feitos diante de uma imensa fila, formada por pessoas que efetuariam depósitos, sacariam cheques, pagar duplicatas, pegar talões de cheques, enfim, tudo que se fazia nos bancos. Todos os quatro gozadores, mas que não gostavam de serem objetos de brincadeiras, e nem por isso chegavam às vias de fato com os debochados clientes.

  Os clientes conversando e a fila aumentando. Lá pras tantas, um reclamava da demora, outros começavam a se impacientar e resolviam cortar a conversa para serem atendidos com mais rapidez. Para tanto, bastavam pegar as fichas – uns bolachões de metal – e rodá-las em cima do balcão para que caíssem no chão. Aquele barulho era o suficiente para deixar Messias e Faruk irritados e a conversa parava por ai. 

  No Alto Beco do Fuxico – no Bar de Ithiel – Faruk Kalid era conhecido pela sua verve zombeteira, além de ser um excelente encrenqueiro. Como tinha lá suas diferenças com Alberto Menezes, conhecido carinhosamente como Alberto Barrão, um dos mais conceituados caixeiros viajantes de Itabuna, andavam às turras. Num dia qualquer romperam as relações de amizade e, embora não se falassem, cada qual ficava no seu canto.

  Durante a comemoração de um dos tantos aniversários, após a décima cerveja, Faruk resolve fazer as pazes com Alberto Barrão e selam uma nova amizade. Para não perder a embocadura, imediatamente inicia uma quizumba com Carlos Ulisses Dória (Carlucha), cortando os laços de relações e amizades entre eles. E aí, gozava Faruk: “Será que tive algum lucro fazendo as pazes com Barrão e brigando com Carlucha?”, perguntava.

  Mas Faruk era do tempo em que Itabuna era uma cidade pacata, sem muitas confusões, apenas aquelas brigas de ruas, bares e demarido e mulher, além dos pequenos furtos, tudo resolvido pelo delegado (calça curta), com o auxílio do inspetor. A depender do crime praticado, o meliante, pra começo de conversa, tinha que respeitar a autoridade e era submetido a uma sova, que podia ser na “mão grande” ou outros apetrechos mais apropriados, como a uma palmatória, bainha de facão, ou o próprio, batido com a banda ou folha, para que aprendesse a se comportar.

  Ser delegado não era uma profissão – se é que assim poderia ser chamada essa obrigação – não muito segura, pois tinha lá os seus percalços. Que o diga Faruk ao assumir o posto máximo de segurança em Ferradas. Ao receber a voz de prisão do delegado, um bandido que ceifou a vida de um irmão de sangue ameaçou, dizendo de pronto: “Seu delegado, o senhor está vendo o que fiz com ele, que é meu irmão, pode imaginar o que farei com o senhor quando for solto”. Imediatamente, a voz de prisão se transformou em “esteja solto”. E até pouco tempo meu amigo Faruk desfrutava de sua proveitosa aposentadoria.

   Agora que o “brimo” se foi, nunca mais uma conversinha sentado ao passeio do Alto Beco do Fuxico, quando ele puxava um cigarrinho de palha e passava a fumar somente para incomodar os ex-fumantes. Era esse o Turquinho, ou Bacalhau, que do alto dos seus mais 70 anos – àquela época – criava uma ingrisilha, e tranquilamente entrava em seu carro – uma de suas grandes paixões – e ia embora como se nada tivesse acontecido.