NO MEU TEMPO DE MENINO a terra era plana e o sol porta do inferno

Tasso Franco
11/03/2018 às 10:28
    Nos dias atuais, a maioria das crianças sabe que a Terra é redonda, o Sol é a estrela central do Sistema Solar e a Lua um satélite natural da Terra que brilha em função da luz do Sol. Tem esse saber graças as novas tecnologias, as viagens dos astronautas ao espaço, a fotografias e imagens da Terra (o planeta azul) do espaço e imagens fornecidas pelos satélites artificiais de comunicações.
   
   No meu tempo de menino na pequenina Serrinha, um ponto minúsculo da Terra, uma cabeça de alfinete no Continente Sul Americano, nos anos 1940/1950, a gente não tinha certeza se a Terra era redonda como falavam nossos pais e professores, não tínhamos a menor idéia da dimensão do Sol, salvo que era um astro poderoso difusor da seca e da morte, e as formas e a iluminação da Lua eram mistérios.
   
   Tínhamos, também, já maiorzinhos, informações dos 8 planetas do Sistema Solar -  Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão - quando chegávamos ao ginásio lá pela quarta série na sala da professora de Ciências, Evoá Ferreira, que nos ensinava essa lição e mostrava uma gravura em livro. O ginásio, no entanto, não possuía sequer um binóculo e a gente ficava na dúvida se o que a professora estava dizendo era verdade. 
   
   O que a gente conhecia mesmo era a Terra, que pisávamos diariamente, o Céu onde ficavam as estrelas, a Lua e o Sol. Até quando ingressamos no ginásio e fomos conhecer um globo terrestre de mais ou menos uns 40 centímetros e que girava numa haste metálica, a Terra, para nós, era plana. 

   A gente podia comprovar isso na semana santa quando subíamos no Morro do Cruzeiro, o local mais alto da cidade, e podíamos ver que o Tanque da Bomba era plano, o vale onde ficavam as residências era plano, a avenida até onde as vistas da gente alcançavam na direção da estrada Transnordestina que dava em Santa Bárbara era plana, a linha do trem era plana, o campo de futebol era plano, e a praça Luis Nogueira, a principal da cidade, era plana.
   
   Serrinha não tinha mar. Portanto, aquela lição mostrando um navio desaparecendo no oceano quando se afastava da costa atlântica, o que comprovava que a terra era redonda, a gente desconhecia. Fotos do espaço não existiam. E a primeira viagem do homem a lua deu-se com a Apolo XI, em 20 de julho de 1969, quando eu já era adulto, e os astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin pisaram no solo lunar e calcula-se que 1 bilhão de pessoas viram esse evento pela TV. Já morava em Salvador e vi. 
   
   Mas, em Serrinha, embora o prefeito Carlos Mota tenha decretado feriado, mesmo sendo um domingo, não consegui-se ver quase nada porque as TVs existentes na cidade transmitiam chiados e riscados. Muita gente dizia na praça que era mentira.
   
   Quando do nosso tempo de menino, a Lua, para nós, era um mistério, uma coisa divina, especialmente as suas diferentes formas - nova, cheia, minguante, crescente, etc - e ninguém sabia explicar esses fenômenos de forma científica. Hoje, qualquer criança indo ao wikipédia sabe que a formação da Lua ocorreu há cerca de 4,51 mil milhões de anos, relativamente pouco tempo após a formação da Terra. 
    
   Embora no passado tenham sido propostas várias hipóteses para a sua origem, a explicação mais consensual atualmente é a de que a Lua tenha sido formada a partir dos detritos de um impacto de proporções gigantescas entre a Terra e um outro corpo do tamanho de Marte. E suas formas diferentes, inclusive a Lua gigante são em função das rotações deste planeta e da Terra.
    
   O sol era ainda mais misterioso do que a Lua, este um satélite folclorizado onde morava São Jorge. A gente menino ficava de olho na Lua Cheia para tentar ver a silhueta de São Jorge matando o dragão. 

   O Sol a gente só sabia que emitia labaredas de calor, uma espécie de inferno astral, que era o terror dos produtores rurais da Serra porque provocava a seca e matava as plantações e o gado. Meu pai dizia que o sol era a fonte da vida, sem ele a Terra seria sempre escura, como nas noites, mas não sabia explicar isso cientificamente, nem que todos os corpos celestes - planetas, asteroides, cometas, etc - giravam em torno dele.
   
   Hoje, as crianças vão no Google e sabem todos detalhes sobre o Sol e sua importância para o sistema planetária. 
   
   Sobre o Céu a gente conhecia por olhar para o alto, de dia azul e de noite escuro com estrelas. Eram coisas divinas e pronto. O oposto do Céu, no conceito religioso católico, era o Inferno, que a gente não via. Se o Céu era a morada de Deus; o Inferno, a morada do Demo. Opostos. 
   
   A bondade representada pelo azul, as nuvens, as chuvas, as estrelas, onde ficava Deus - um ser barbudo, velho, sábio; e a maldade, o Demônio - vermelho, de chifres e portando um ferrão. Esse ferrão seria para cutucar as almas pecadoras. Como almas são etéreas não se sabe como eles as cutucam.
   
   Isso era o que contavam para a gente no meu tempo de menino. 
   
   Dos planetas, o que a gente tinha mais intimidade, mesmo sem conhecer nada dele, era Marte. Isso porque, diziam para nós que que os marcianos - seres pequenos e orelhudos, superinteligentes e dotados de armas especiais - iriam invadir a Terra e dominar os povos, todos os sapiens. Mesmo os EUA, que já tinham a bomba atômica quando eu nasci, em 1945, seriam também dominados.
   
   A gente não levava a sério sobre os marcianos e até curtia com isso, mas, ficava com medo de noite quando ia dormir e não saberia se acordava com os marcianos em sua casa. Dos outros planetas a gente não sabia nada, salvo Mercúrio que seria vermelho como o remédio mercúrio cromo que a gente colocava no dedão quando tomava uma topada e ardia bastante.

   O maior mistério de todos era sobre as estrelas. Havia muitas no céu e às noite dava para ver inúmeras delas. Quando a gente observava uma estrela cadente, na verdade um fenômeno luminoso provocado pela passagem de um meteoroide pela atmosfera da terra, a gente dizia oH! que lindo. E era assunto pra uma semana de conversa. 

   A gente também era ensinado não contar as estrelas do céu para não nascer verrugas nos dedos.
   
   Era assim a nossa relação aos astros celestiais no meu tempo de menino.