VALDIR BARBOSA lembra dos tempos de Zé Escrivaão e do soldado Cosme

Valdir Bstbosa
08/07/2017 às 11:03
Pus-me, no inicio da semana que vai findando, para as bandas do extremo sul de nossa terra. Compromisso profissional impunha reunisse com cliente, a quem presto consultoria pontual naquelas bandas e assim pude chegar, nas asas de companhia aérea, a Porto Seguro seguindo dali a
té Eunápolis, onde efetivamente se deu o encontro. Mal sabia que por conta disto, o destino reservava a este calejado homem de polícia, surpresa alentadora, responsável por emocionar e alegrar meu espírito, fazendo bater mais forte o coração dentro do velho peito e marearem os olhos que tantas coisas já viram, neste mundão de meu Deus.

Findo um período longo de licença premio ao qual tenho direito e buscarei, logo após esta benesse deixar a vida pública, desde quando é chegado o tempo de fazê-lo, destarte, aproveito o conhecimento adquirido, ao longo de mais de quatro décadas, no sentido de atender as consultorias que presto, junto aos clientes que confiam na minha expertise.

Concluídas as obrigações, naquele que já foi o maior distrito do país retornei com destino a Vitória da Conquista, onde tenho raízes profundas fincadas, na companhia do causídico radicado naquele rincão, Aderbaldo Avelar, que fora por via terrestre até onde me achava, desde quando mereço sua assessoria neste mister sobre o qual estamos debruçados, da forma como recorro a profissionais diversos, Brasil afora, os quais, dependendo de seus perfis ou das tarefas que hoje me são confiadas, na seara privada, cuidam de fazer meus labores mais suaves e definitivamente exitosos.

A alma já exultava, desde quando decidira passar o dia ao lado de minha filha e netos, esposa de oficial da Polícia Militar, hoje radicados em Itapetinga, onde ela nasceu, justo no tempo em que era eu iniciante na carreira policial. Quem conhece minha história e leu a obra que escrevi, Saques e Tiros na Noite, sabe que a primeira delegacia que ocupei, nomeado pelo Governador Roberto Santos, assumindo o cargo aos 23 anos de idade, nos idos de 1975, início de 1976, indicado pelo saudoso Deputado Henrique Brito, com o referendo de Evandro Andrade, prefeito da cidade na ocasião foi na terra firme de gado forte, capital da pecuária baiana, ao menos no tempo longínquo que não volta mais.

Realmente, Gabriela, com Gabriel e Gustavo fizeram meu dia ser pleno de prazeres - o pai dos  meninos estava fora, participando de curso. Convivemos horas, ao lado de pessoas do seu círculo, pois fomos recepcionados por Joanita, a mãe e filha, responsáveis por nos acolher abrindo as portas da casa onde vivem e preparando iguarias das mais deliciosas, feitas com amor e esmero, sorvidas entre generosas dose de scotch que fizeram o dia voar.

A tarde ficou mais aprazível, com a chegada de velhos amigos que pude fazer naquele rincão, Jeremias Lima - Jeré do INSS que no passado militou com Florisvaldo Brito no Cerin - e Benjamim Matos. Então, historias de uma época que não volta mais foram a tônica, até a hora que deixamos suas agradáveis companhias, no intento de chegar à terra do frio, nestes derradeiros tempos fazendo jus ao nome. Quando fui deixado no alto da serra, na pousada onde me ponho habitualmente, a temperatura beirava os dez graus.

Porém, hoje, depois que completo mais um périplo e finalmente retorno ao aconchego de meu lar, nesta tarde fria de inverno soteropolitano, para me entregar as teclas do meu companheiro, através de quem tenho registrado episódios e memórias, frente à varanda do esconderijo onde repouso e recarrego baterias, recebendo vento frio vindo do Vale dos Barris desaguando aos fundos, nas janelas que miram o Vale do Canela, faço-o, não para falar sobre os êxitos e prazeres desta viajem, da forma como dito, mas, para descrever aquela emoção inusitada que abordei aos abrir estas linhas.  

Saindo de Eunápolis seguimos pela BR 101, até o entroncamento da rodovia estadual que conduz a Potiraguá, para dali alcançar Itapetinga, consoante visto, antes de seguir ao rumo final. Optamos por fazer parada rápida, na localidade intermediária da viagem e assim nos quedamos em estabelecimento onde funcionam pousada e restaurante. Enquanto matávamos a sede, funcionário do negócio me reconheceu, apesar de jovem, por isto, algumas estórias e historias que o homem de policia pode viver enquanto atuou por ali foram reprisadas e um soldado a paisana que curtia sua folga apresentou cumprimentos.

As viagens nas lembranças conduziram meu pensar, ao tempo em que tudo era novidade para mim, posto aprendi ser polícia, fazendo polícia. Meus verdadeiros mestres foram policiais militares, postos à disposição do delegado ainda calças curtas, na medida em que fiz o concurso que me habilitou a seguir carreira na instituição, depois da primeira investidura, como funcionário comissionado, assim, aqueles homens substituíam agentes civis, inexistentes na maioria das delegacias interioranas. 

Volvi minhas reminiscências à figura que me ensinou Inquérito Policial, José Moreira Matos, Zé Escrivão, e lembrei que muitos daqueles, como o velho escriba poderiam já haver mudado de plano, partindo para a outra esfera.

Assim recordei os soldados Miranda, Raimundo, Custódio, Cosme, todos militares que comigo labutaram nos idos de quatro décadas sumidas. Preparavam-nos para sair quando entra um senhor e o militar a quem houvera conhecido naquela hora, se dirige a ele e o saúda. Sargento Cosme! Volvo incontinenti a atenção para o recém-chegado no recinto e somos ambos tomados de grande emoção. Estavam ali, frente a frente, subordinado e superior de uma era fugida, mas, para mim, mestre e aluno, eu, o aprendiz do passado.

A mesma deferência, o mesmo respeito, a mesma consideração recíproca que nos uniu ontem, reacendeu suas luzes no presente. Parecia que estávamos nos encontrando, para partir no rumo de alguma das tantas diligencias que fizemos juntos e muitas delas foram rememoradas enfaticamente. Cosme, tomado de sentimentos arrepiou-se literalmente e não resistiu às lagrimas que rolaram na sua face, contagiando-me, de certa forma, a todos que assistiram a cena. 

Disse-me da passagem dos outros colegas referidos e novamente nos deixamos tomar pelas sensações de nostalgia, vivendo juntos as dores da saudade.
Após as despedidas, com promessas de reencontro vi o velho polícia subir a rua em frente ao bar, no rumo de casa, com aquelas mesmas passadas calmas que o caracterizaram sempre, todavia, na medida que ele foi sumindo pela estrada senti a força inexorável do tempo que não perdoa, mas, em contrapartida, o orgulho de saber que fizemos nossa história, com coragem e dignidade.