Ser mulher em Salvador: força e resistência

Marta Rodrigues
15/03/2017 às 11:17

Ser mulher não tem sido tarefa fácil em lugar nenhum. Mas em Salvador, quarta capital do país, esta realidade tem se tornado cada vez mais dura. Apesar de termos mais mulheres do que homens na cidade – conforme o censo do IBGE de 2010 são 1.426.759 mulheres e 1.248.897 homens – as políticas e assistências públicas voltadas para o sexo biológico feminino estão muito aquém do ideal.

A começar pela inexistência de uma política municipal de geração de trabalho, emprego e renda que tem afetado muito as mulheres. Em Salvador, capital que ocupa o ranking nacional do desemprego, elas representam a maioria. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região metropolitana do Salvador, realizada pelo Dieese em 2017, o patamar do desemprego feminino é de 51,8% do total de 456 mil desempregados, o que corresponde a 236 mil mulheres. Deste total de mulheres, 54% são negras, cujas oportunidades, quando surgem, são as mais precarizadas.

Já aquelas que trabalham precisam enfrentar, além do machismo no ambiente de trabalho, maior carga horária do que os homens, segundo a pesquisa do Dieese. Enquanto a jornada semanal das mulheres é, em média, de 55,1 horas, a dos homens fica em torno de 50,5 horas. Além de trabalhar mais, as mulheres também ganham menos. O Dieese apontou rendimento médio real de R$ 1,207 para o sexo feminino e de R$ 1.476 para o masculino.

Esses dados refletem o quanto o debate acerca da divisão sexual do trabalho ainda é norteador do processo de inserção das mulheres no mercado do trabalho. Essa divisão posiciona-as nos postos menos prestigiados principalmente pela insurgência de políticas públicas de assistência que permitam a ambiência relativa para garantia dessas atividades.

Como se não bastasse, estamos diante de uma possível Reforma da Previdência que ameaça nossos direitos em diversos aspectos, principalmente na medida em que tenta igualar a idade da aposentaria entre homens e mulheres, desconsiderando as múltiplas funções que exercemos e toda essa divisão sexual do trabalho. Mas também o que esperar de um presidente ilegítimo, que afirma, no dia 8 de Março, que o papel das mulheres na economia é serem astutas seguidoras do orçamento doméstico, capazes de notar as flutuações de preços?

Também é um fato consumado que as mulheres precisam ser fortes, pois além de todos esses problemas, têm lidar com múltiplas funções diariamente. E não por vontade própria, mas porque são obrigadas a isso. Dedicam a vida à família, ao trabalho – quando encontram, aos maridos, aos filhos e aos estudos. Precisam acordar cedo, preparar o café, arrumar os filhos para as escolas, ir para o trabalho, preparar o jantar, ajudar os filhos nos deveres de casa. Para as mães, cujas condições financeiras não permitem pagar creches particulares, a realidade em Salvador é preocupante: há um déficit de 145 mil vagas para crianças de 0 a 5 anos em creches do município.

Quando se trata de violência contra a mulher, a cidade também fica para trás no quesito assistência. As casas de apoio para mulheres vítimas da violência do município estão praticamente fechadas. A demanda é constantemente enviada para o Estado. No início deste mês apresentei o projeto de indicação para criação do Fundo Municipal de Enfrentamento à Violência. Este fundo proporcionaria a reunião da arrecadação e alocação de recursos voltados especificamente para a garantia dos direitos da mulher e para a aplicabilidade da Lei Maria da Penha.

Neste ínterim, podemos dizer que as mulheres de nosso país, e de nossa cidade, são verdadeiras guerreiras que encontram no meio do caminho uma série de dificuldades impostas pelo sistema patriarcal e machista de nossa sociedade, mas ainda assim lutam para superá-las e conquistar equidade, representatividade e o fim da divisão sexual do trabalho.

Volto a dizer que ser mulher não é para qualquer um. Ser mulher é para os fortes. E parafreaseando Simone de Beauvoir “Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher”.