Colunistas / Política
Tasso Franco

A NEGRITUDE BAIANA E A CANDIDATURA DE JOÃO JORGE A GOVERNADOR

A negritude teria fôlego para encarar essa candidatura?
17/04/2009 às 12:06
Foto: Paiting
Negritude Paiting "La Jungla" by Cuban-born-afro chinese painter, Wilfredo Lan
    Teve destaque limitadíssimo na midia local o lançamento da candidatura a governador da Bahia de João Jorge, presidente do Olodum,  feito pelo timbaleiro Carlinhos Brown durante a premiação Dodô & Osmar, promoção de A Tarde. Diferente, aliás, do que aconteceu no Rio de Janeiro quando Caetano Veloso, logo após o Carnaval, na festa de aniversário da cidade do Rio, fez lançamento assemelhado de MV Bill, para governador daquele estado. A imprensa cariosa, ao contrário da baiana, deu bastante ênfase a uma provável candidatura de Bill.                
     Ora, são momentos bastante parecidos, pois, ambos os nomes - João Jorge e Bill - têm limitadas chances de se elegerem governador dos seus estados diante dos próprios mecanismos da política - filiação partidária, alianças, recursos financeiros e outros. Agora, do ponto de vista emblemático das relações do poder nacional, quase sempre alinhadas com forças dominantes de etnia branca e/ou no máximo mestiça com matrilínea euro, são candidaturas que se levadas adiante ensejariam discursos distintos dos praticados normalmente.

                
      Bill já disse, até pela repercussão do lançamento do seu nome por Caetano e a exposição subequente na midia, nas colunas políticas e outras, que se organizará para uma candidatura ao Senado, entendendo que teria mais chances de chegar lá. Semana passada conversei com João Jorge e ele me disse que, gostou da lembrança de Carlinhos Brown, e sua presença na política partidária e uma provável candidatura a governador é para se pensar, analisar e tomar uma decisão com chances de encarar o desafio, obviamente, desde que sinta que há, nos movimentos negros da Bahia, uma vontade real nessa direção.

               
       Esse, aliás, é um aspecto muito comentado na Bahia, de que um negro deveria assumir o poder na Prefeitura de Salvador e/ou no Governo do Estado, mas, de fato, e aí mais uma vez ao contrário do Rio de Janeiro, essa conversa não ultrapassa os guetos onde os negro-mestiços se reúnem, e algumas mesas de bares e restaurantes do Pelourinho, da Liberdade, do Garcia e do Engenho Velho da Federação. A rigor, os movimentos negros da Bahia nunca se organizaram pra valer com esse objetivo e o discurso de que a negritude tem que chegar ao poder, se esvaie nas cinzas do Carnaval.

               
      A candidatura de Barack Obama e sua eleição para presidente dos Estados Unidos trouxe esse novo ânimo aos negros de todo o mundo, embora Obama não tenha centralizado sua atitude política na étnia e sim na complexa política interna e externa dos Estados Unidos, com uma crise financeira de proporções gigantescas batendo à porta no período final da eleição americana. Mas, de todo modo, a presença de um negro disputando o cargo máximo do poder na Nação mais poderosa do mundo, e vencendo o jogo, levou a componente étnica a ser um fator decisivo em sua vitória.

               
    Teria então que acontecer nos Estados Unidos, um país com tradição racista exposta em diversos episódios, em Estados, escolas, clubes e organizações, para só então acontecer no Brasil, um país onde o racismo é disfarçado em diversas plumagens? Essa é a questão. Agora, então, se transformou num fato real porque Obama está no poder e não se pode voltar os ponteiros da história, nem se passar por cima da vontade popular, colocando em seu lugar John McCain.

               
      Com enorme atraso, alvíssaras as candidaturas de João Jorge e MV Bill, ainda que, tanto em Salvador; quanto no Rio existam na militância política partidária negros que têm lutado por essa afirmação e vontade, no caso baiano, sendo os mais notórios o deputado federal Luis Alberto, do PT; e a vereadora Olívia Santana, do PcdoB, os quais, já ensairam candidaturas a prefeito (a) de Salvador, pelo menos. Ainda assim, casos isolados que não conseguiram convencer nem seus respectivos partidos, quanto mais ensejar um movimento local (caso de Salvador) ou regional (caso da Bahia) por uma candidatura de um negro aos poderes da capital e do estado. João Jorge, então faria essa diferença, pois, não tem esse compromisso formal com partidos ainda que, necessariamente, teria que se filiar a um partido político.

               
     A tese inicial defendida por João Jorge, já revelada em algumas entrevistas, situa que o negro tem que avançar além da cultura e do tocar tambor. Ou seja, deve ampliar essa exposição, hoje, muito centralizada nas artes cênicas, na música, na dança e nas manifestações da cultural popular, com maior performance no Carnaval, para ocupar espaços na economia, no direito, nas universidades e na política. Sem essas componentes de forma organizada, num movimento integral da comunidade negra, teme que os avanços sejam sempre limitados e distantes do poder.

               
      Uma outra questão é tratar os assuntos dentro do contexto da economia, do social, da política interna e suas relações com o mundo contemporâneo, desligando-se do gueto ainda que este seja mantido como núcleo básico da família e ser beneficado em sua ascenção. Mais ou menos como fez Obama, preocupando-se primeiro com os seus, os Estados Unidos como um todo, observando o que acontece no mundo e organizando a sociedade de forma a beneficiar, no retorno do vigor econômico, a beneficar os que mais precisam. 

               
     A candidatura João Jorge, portanto, se levada a sério, ainda que não seja possível obter uma vitória, seria uma utopia se assim pensar, representa um movimento novo na política baiana e traria à mesa dos debates, à midia, uma componente interessante, contemporânea, com visão de mundo, diferenciada do feijão com arroz das disputas tradicionais, há algum tempo centralizada no lulismo e anti-Lula.