Colunistas / Filosofia Popular
Rasta do Pelô

MULHER DO RASTA toma banho de descarrego e reza por bonança em 2017

Compadre do Rasta zomba de dona Céu e diz que ela só vai ganhar na loteria em 2023
17/01/2017 às 15:41
Tenho visto e lido muita gente dizer e escrever que o ano de 2016 foi de forte crise no Brasil, desemprego assustador, recessão como nunca visto e outros termos que sequer conheço, mas, quero dizer a vocês que, nós da classe C Emergente, vivemos em eterna crise e mais uma 'marolinha' como diz nosso rei Sol; menos uma marolinha, como diria nossa ex-rainha romena não faz a menor diferença.

   Tanto que eu e dona Céu passamos o ano numa boa, como sempre passamos, comendo nosso cuscuz com ovos e café com leite, pelas manhãs; e nossa carne moida e ensopado de carneiro ao meio dia, na marmita, porque é a hora em que estamos labutando no Pelourinho; e ceiamos nossa broa com café preto às noites e estamos bem de saúde graças a Deus e todos os santos e orixás dessa terra maravilhosa. 

   Dona Céu, que não é boba, ainda assim, tomou um banho de folhas de descarrego no último dia 31, de dar inveja a qualquer macumbeira. 

   Primeiro foi ao Mercado da Sete Portas com um bocapio de tampa larga e de lá trouxe dente de elefante, arruda, sal grosso, incenso, picão do mato (picão de outro local não iria deixar entrar aqui em casa), arnica da horta, unha de vaca, guiné, manjerição, camomila (pra se acalmar depois) e mais 3 romãs, um charuto, um pequeno frasco de alfazema e duas mãos de carvão para colocar no incensador.

   E eu tô lá no meu canto tomando minha gelada acompanhada de meu compadre Lapão e dona Abud, sua esposa árabe, e mais a senhora mãe da dita, dona Antonha, que vieram virar o ano conosco, ouvindo um samba cantado por Maria Bethânia no sítio musical de Zeca Pagodinho, quando a mulher se levantou perto do ano virar e começou a macerar as folhas, a misturar tudo num balde de 20 litros que conseguiu numa loja de materiais de construção aqui na Caixa D'Água, colocando folha por folha e se benzendo.

   A essa altura já com um charuto na boca dando baforadas para espantar o pé-de-Botelho, eu suponho, ficou foi reclamando comigo porque não me mexia, não ajudava, não dava uma mãozinha e só ficava bebericando a fria ante do ano virar, mas, eu também ajudei, pelo menos coloquei o incenso no incensador e sai baforando os cantos da casa.

   E dona Antonha deu a rezar, a se benzer, a chamar por tudo que era santo, e minutos antes de 2016 partir, dona Céu virou a beberagem na cabeça (lembram daquela mania de jogar um balde de água gelada na cabeça) e chamou pelos orixás lá dela e se tremeu toda, se 'arrupiou' toda, e eu só não dei risadas porque também sou homem de fé, filho de São Jorge, e sei que quando o santo pega não é brincadeira, ainda mais se for caboclo mamador.
   
   E ela mandou o ano de 2016 para os quintos do purgatório e pediu aos céus que 2017 fosse melhor, que ela pudesse concretizar seu sonho de dar um passeio em Buenos Aires, porque já disse que não vai morrer sem conhecer a terra de los hermanos, ela que gosta de imitar em trajes Evita Perón e que acha Maradona o melhor jogador de todos os tempos, e também pediu que entrasse mais capilé na sua bolsa (e também na minha), inclusive olhou pra mim e disse que estava pedindo também pra que eu tivesse saúde, dinheiro no bolsa (tú misera que só anda teso), e mais alegria no 'lindo' na hora de fazer amor,.

   E meu compadre caiu foi na gargalhada e disse que se macumba resolvesse alguma coisa o Bahia era todo ano campeão, o Vitória já tinha deixado de ser vice histórico há muito tempo, não tinha mais mulher feia e pobre solteira, e ele já teria ganho na loteria.

   No que dona Céu retrucou: - Não tô fazendo macumba nenhuma. Estou apenas purificando meu corpo para entrar 2017 com pé direito e alto astral e almejando melhores dias com as graças aos orixás que são das folhas e de Senhora Sant'Anna visto que minha mãe é sua devota.

   - Amém minha filha - você está certa. Nossa Senhora vai lhe guiar para sempre, eternamente.
Como não sou nenhum Mané também louvei aos ceús, a Sant'Anna e aos orixás, dei uma baforada no charuto e passamos a comemorar o bendito 2017.

   - Solta um rojão aí compadre para despertar a chegada do ano - comentou Lapão também pedindo uma barofada no fumo e alertando sua esposa que o ano havia chegado.

   - Só tenho aqui uns adrianinos do ano passado, dois tubos de 6 pipocos, e quem sabe ainda sirvam - avisei.

   Corri até a cozinha e peguei a velha e encardida caixa de adrianinos, salvo engano da marca Caramuru, aquela marca de fogos que não dá chabu, enfiei um deles num cabo de vassoura, o compadre baforou o charuto, a brasa ficou viva na ponta do fumo, e levou-a até o pavio para acionar o tal. Tapamos os ouvidos com os dedos, dona Céu se encolheu num canto esperando os papocos abraçada a sua mãe, dona Abud árabe, se balançava numa rede, e não é que o adriano falhou. 

   - Deu chabú - compadre - bem que avisei antes.

   - Não pegue na ponta que pode estourar - comentou para que eu lançasse o adriano ao chão virando o cabo da vassoura.

   - Acho que ainda tem outro na caixa. 

   - Dona Céu advertiu: - O que tinha aqui toquei no dia de São Roque.

   - E agora? - inquiri. Vamos ficar sem foguetes e sem fogos, mas, o importante é a alegria, a saudação ao novo ano. 

   - Mulher - solicitei - pipoque a Cidra. Vamos comemoarar.

   A Cidra, das melhores, comprada no H.Barbosa, estava geladona. Dona Céu pegou as taças de plástico, nos enfileiramos atrás da mesa, enchemos as taças e brindamos 2017 com vivas, saúde e paz. 
E o que mais? Claro. Dinheiro no bolso porque pobre e emergente da classe C só quer isso, e mais correntão de marcacita no pescoço e sambar na terça da Benção do Pelô.

   - Aos orixás - gritou dona Céu.

   Erguemos as taças e brindamos.

   - A nossa senhora seus desalmados, comentou dona Dona Antonha.

    Também brindamos a santa mãe de Deus.

   Aos rabos de tatu e as empanadas - falei eu ao compadre- abrindo também um superlatão da fria.
Caimos de boca no emp​adão, nos rabos de tatu, nas esphias árabes traziadas pela comadre Abud e quando demos conta já passava da 1 da manhã, o ano novo tinha entrada e estavamos todos felizes.
De repente, dona Céu colcou a mão na cabeça e exclamou: - Vix vou conferir a mega-sena da virada, de repente já estou milionária e sem saber.

   Correu no quarto, pegou os dois bilhetes que havia jogado, 7 reais, conferiu, reconferiu, triconferiu e exclamou: - Chi, só fiz um pontinho, o número 5.

   - Não há de ser nada - exaltei. Vamos ao vinho presente de Dr Zéu, que finalmente chegou da Espanha, e as esphias que a mega da vira de 2018 será sua, com certeza.

   - De ponto em ponto, quem sabe, minha comadre pode ganhar em 2023, no ano do bicentenário da Independência da Bahia, porque a mega de 2018, está escrito nas estrelas, essa é minha.

   Só ouvi foi o pipoco da rolha da garrafa do vinho e dona Antonha se benzendo pedindo a filha para beber com moderação porque o ano era longo.