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Lobisomem de Serrinha

LOBISOMEM SERRINHA TERIA SIDO SONDADO PARA EMBAIXADOR DE PORTUGAL

Conselho Político aprova possível indicação em reunião no Buteco do Teco com testemunhas e ata
15/08/2019 às 18:29

O final de tarde abafado do céu da Serrinha pedia uma holandesa fabricada em Pindoraba bem gelada tipo bunda de foca. Dirigi-me ao Baratão de Sêo Marcel dos Queirozes para brindar uma delas, ou duas que fossem; ou outras mais se caíssem bem agradáveis e estava a prosar com o propreitário do estabelecimento bebendo-as pelo gargalo quando chegam ao local Toinho Caminhoneiro, suponho com o mesmo objetivo, e o cabo Tadeu, dos Fiúza, militar apenas de apelido herança do TG 141 quando serviu com o capitão Bispo e comandou um pelotão em busca do inimigo vermelho na época da ditadura, outro cervejeiro de escol. Cumprimentaram-me com galhardia, com estimaa e admiração, um deles chamando-me de 'embaixador'. 

Sem entender a provável gozação porque essa turma pega no pé de qualquer vivente, tira sarro, esculacha e assim por diante, inquiri ao nobre chofer porque o epiteto de 'embaixador'!, eu que, até o momento, embora sendo político não galgei sequer assento na gloriosa Câmara Municipal.

Reagiu um sério e empostado Toinho respondendo que ouvira na Rádio local na voz da locutora de furos notáveis Mariana Berraro que o Lobi da Serra seria o embaixador de Pindorama em Portugal, na capital da velha cidade cheia de encantos e belezas, a Lisboa de Amália Rodriges.

- Ora, preclaro Toinho, estamos a viver com as redes sociais uma onda de 'fake-news', de mentirosas noticias, justo para confundir a opínião público, para baratinar a cabeça das pessoas, e isso tem chegado a imprensa formal, as rádios, jornais e televisões, mas, posso lhe assegurar que, até o momento, não recebi nenhum sinal da autoridade máxima do país nessa direção, frisei.

O cabo Tadeu obtemperou de bate-pronto: - Mas, se receber, aceite pois será uma honra para a Serrinha, um feito notável nunca antes conseguido por ninguém de nossa terra, do nosso chão.

- A pensar - retroagi. - Antes de qualquer coisa se isso acontecer tenho que consultar nosso Conselho Político, minha esposa Ester Loura e até minha neta Sol, pois, são por demais apegadas a Serra e não sei se iriam morar em Portugal, completei.

- Diz o ditado popular - emendou Toinho - que cavalo selado só passa à frente de uma pessoa uma vez na vida. Se passou e o camarada não monta, não esquipa, não espora o baio, adeus, só na outra encarnação, advertiu-me.

- Tudo tem sua hora meu insígne chofer. Se esta for a vontade da Nação estarei pronto para servi-la. Ainda hoje consultarei Ester sobre essa possibilidade, aquiesci.

Quando os sinos da matriz entoaram a hora da Ave Maria e passado mais um quarto de hora, o Baratão já meia porta arreada para fechar subi a Manoel Novaes até minha toca. Ester me esperava com uma canja de galinha, sopa das melhores já à mesa, enquanto Sol, minha neta, estudiosa como é, cuidava dos deveres escolares com zelo.

Cheguei meio taciturno, pensativo. Sol, de chofre, cochichou no ouvido de Ester: - Meu vô parece preocupado.

- Hum! pelo que conheço dele é alguma ação política, respondeu à neta, e depois inquiriu-me: - Tá de zambo, desembucha o que tens a revelar.

Então contei a boataria, o 'fake-news' sobre a possibilidade de eu ser embaixador em Portugal e o papo havido com os moços Toinho e Tadeu.

Minha neta interagiu: - Se fosse verdade seria uma boa. Minha mãe adora fados, chora bombas de lágrimas, e eu gostei muito de Lisboa.

- Havendo um convite, aceite. Todo boato tem um fundo de verdade. Seria uma ótima oportunidade deixar essa Serrinha marrenta por um tempo, respirar ares europeus, apreciar os tintos da região do Douro, trabalhar em prol do país, aconselhou Ester.

- Você sabe que não faço nada sem ouvir o nosso Conselho Político. Vou convocá-lo para uma reunião na Távola Redonda do Buteco do Teco, prometi. 

E fí-lo no dia seguinte, todos a postos para mais um convescoque, Pinguinha todo de branco pois estávamos numa sexta-feira de Oxalá; Tolentino Caneco entusiasmado com sua nova residência; o edil Reisinho, de boina; o empresário Alírio Vermelho rindo às paredes pois fechara um bom contrato de terraplanagem, e o botequier Teco, o único triste porque seu Vitória está à beira do abismo. 

Na escrituração da ata, a pena de dona Ó Santa, uma vez que Ester havia cortado o dedo com uma faca ao pinicar uma cebola e não poderia usar a bic.

Aberta a sessão expliquei aos convivas o acontecido, a possiblidade de ser embaixador em Lisboa e houve um júbilo, a ponto do edil jogar sua boina aos céus louvando-me, todos aprovando a idéia. E, não só aprovando, mas, incentivando e destacando os meus valores individuais e coletivos visando o bem de nossa comunidade.

Pinguinha, sempre o primeiro a falar, a essa altura já bebericando meio litrão ambeviano, disse que, se de fato isso acontecesse, Serrinha estaria nos píncaros da glória e "V.Exa. é justo merecedor dessa honraria", frisou em inflamado discurso.

Ponderei que não era diplomata de carreira, nunca frequentara o Itamaratu, daí que achava dificil minha indicação, até porque, longe do centro do poder ninguém iria se lembrar de mim.

- Movimente-se. Procure nosso deputado na Assembleia, nossos senadores na Câmara Alta, nosso alcaide, organize um 'loby', contrate uma assessoria de imprensa, vê uma entrevista nos meninos do Cassutinga, porque essas indicações não caem do céu embora V.Exa. seja merecedor dela, ponderou Tolentino.

Alírio Vermelho com sua sabedoria também opinou: - Ora esse negócio de não ser diplomata de carreira é o de menos. O topete Itamar foi embaixador na Itália; Borhausen embaixador em Portugal e ambos eram políticos como V.Exa.

A cada aparte e depoimento fui ficando mais envaidecido, mais orgulhoso e mais pimpão. Terminado o encontro, ata assinada pelos presentes firmando como testemunhas Jorge Cuc, João da Caixa, Bino Pintor, o bonitão Jorge Roque e doutor Uziel Lopes, subi a Serra para jantar e dar ciência a dona Ester e minha neta Sol.

Para minha surpresa, quando cheguei em casa, Sol estava a cantar o fado Boêmio Vadio, da Casa de Papel, interpretado por Piedade Fernandes e isso arrepiou os meus pelos. "Colete Samarra, que o fado assim/Seja qual for o motivo, o fato está vido, cá dentro de mil", tamborilava ela com seus dedos compridos.

Dei ciência, então, que aceitava a missão, já havia feito um forte loby com o alcaide, os deputados e senadores e ficaria no aguardo de uma telefonema do planalto central sobre o referido convite. 

Tomei a sopa preparada por Ester, andei quinze a vinte minutos na varanda para fazer a digestão e acomodei-me na rede, criado mudo ao lado com celular a postos aguardando o chamado.

Lá pras tantas horas, Ester já havia se deliciado com as estrepolias de Maria da Paz da novela "A Dona de Pedaço", a partida de um jogo de futebol já estava no segundo tempo e nada do celular tocar.

Ester foi a varanda e ordenou: - Saia dessa rede. Você vai se resfriar. Vamos para a camar dormir. Deixe de ansiedade, pois, o que é do lobisomem o bicho não come.

Estirei os braços, lancei os pés fora da rede, aprumei-me para ficar em pé, dei um balanço para levantar-me justo quando o telefone tocou. Meu coração explodiu de alegria. Coloquei o aparelho no ouvido, o coração parecia a bateria da Escola de Samba Filhos do Zorro, de Mané Preto, e então ouvi do outro lado da linha: - É o senhor Lobi? - Sim respondi. - Aqui é a Raquel da Tivo. Temos um plano especial para o celular do senhor.

Só não mandei a moça para a pqp porque tenho educação de berço, da Transilvânia, e só restou-me ir ao leito da cama ao lado de minha amada Ester.

Ao deitar, ela veio cheia de dengo pro meu lado: - Meu querido embaixador deixa eu fazer um cafuné na cabeça.