Colunistas / Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha

LOBISOMEM DE SERRINHA saúda superlua com champagne e tripa de carneiro

A superlua nos velhos tempos sem crise e nos dias de hoje
30/11/2016 às 10:51
  Fiquei admirado que ninguém tenha feito comentários sobre a superlua e nossa familia. A última vez que tinha visto uma superlua foi em 1950, aqui no Pontilhão da Bomba, e nesse dia foi um banquete em nossa casa dos mais refinados - duas raposas temperadas com sangue de anun preto e folhas de cansanção, arroz comprado na tenda de Sêo Mané Carneiro cozidos com licouris e sal à gosto (parecia pequi), feijão de corda novissimo da safra de São José com folhas de malva, vinho de Jurubeba do fabrico de Sêo Dermeval, uisque do bom adquirido em Bacelar&Bacelar, queijo de cuia e mais uns petiscos de entrada, umas rãs colhidas no Açude do Gravatá e assadas na trempe com barrufos de molho de agrião.

   Tivemos, inclusive, alguns convidados em nossa tenda, o alcaide municipal que nos prestigiou com sua esposa, dona Anatólia Mendonça; o Sr Trasybulo Fonseca, farmacêutico prático; o casal de ferroviários Reginaldo e Dina Dantas; Sêo Romão do Bar e esposa; Sêo Carlos Paes e consorte; sendo que nosso convescote foi animado por um conjunto artístico tendo no sax alto, Alfredinho; no pandeiro um daqueles rapazes da Licurituba, no banjo Papagaio Cabeleireiro e Zé Martins, como cantor. 

   Foi uma noite maravilhosa e quando a lua despontou na altura da Primeira Aguada, parecendo que iria engolir a Serrinha tal o seu tamanho e beleza, dona Ester Loura ficou numa emoção sem par. 

   Não teria nem palavras adequadas para descrever aqui o que se passou dado os meus rudes conhecimentos da poética, não sou um Joceval Passos; nem muito menos tenho a erudição de um Álvaro Ferreira; daí que posso dizer a vocês que foi um momento de grande emoção.

   Dona Ester estava belíssima vestindo um longo azul próprio para a ocasião e exibindo suas jóias de ouro e prata, mas, diria, bem mais em conta do que as esposa do camarada Cabral e compradas com esforço do meu trabalho, confeccionadas aqui mesmo na Serra em artesanato de Sêo Manoelito dos Anéis.

   Pena que naquela época não é como hoje que tem esses celulares que fazem foto de tudo que é jeito. Ainda assim, convidei Wilson Fotógrafo para registrar aquele momento, tanto da presença da superlua como da mesa farta de nossa tenda e ficamos com esse registro, que, inclusive depois serviu de poster para emoldurar um quadro do Abrigo Casablanca, quando de sua inauguração.

   Lembro-me muito bem que Alfredinho executou no sax uma melodia de Pixinguinha e Zé Martins cantou 'Rosa', o clarão da lua iluminando as águas da Bomba, num cenário maravilhoso. Teve um momento em que o alcaide caiu em prantos e dona Anatólica reritou um lenço de linho branco com iniciais  bordadas em ponto-de-cruz para enxugar suas lágrimas. 

   Brindamos todos uma rodada de uisque importado, o que era raro em Serrinha, na base cowboy porque gelo não havia em nossa city, luz só do motor da Prefeitura, mas, o que importava naquele momento era o clarão da superlua e isso não nos fez falta.

   Já, agora, neste 2016, na passagem da superlua, com essa crise que ronda nosso país e que também me atingiu de frente, meus negócios cairam bastante, também apreciamos a superlua, porém, com uma gastronomia mais modesta, tendo com convidados somente os representantes do nosso Conselho Político e sem o reflexo da lua nas águas da Bomba, uma vez que o açude virou um matagal, um 'pinicão' e tivemos que nos contentar olhando para a colina de Doutor Samuel e bebericar alguns litros de cerveja adquiridos no Teco, boteco que promove o milagre de vender cerveja mais barata do que a fábrica.

   Além do mais, um parente nosso da Feira, do ramo dos 'Colberzões' ficou de mandar a empregada do bispo para produzir um mocofato e até hoje estou esperando, mas, sabendo que ele é político fica perdoado, porque político promete tudo e depois não cumpre nada, e tivemos que nos contentar com uma banda de carneiro magro doada pelo conselheiro Alírio Vermelho, do Cantinho, com serviços de barbacoa de Pinguinha.

   A certa altura, sem música porque o finado Alfredinho já está no céu há anos, o finado Zé Martins tá cantando com ele pra São Pedro e querubins, Pinguinha perguntou se não haveria um champagne para comemorar o lual.

   - V. Exa. não vai espoucar um champagne vendo uma maravilha dessas no céu - disse Pinguinha apontando para a lua.

   - Que champagne, caro Pinga, aqui em nossa tenda, de sofisticado só o licor de dona Antônia - respondi revelando que faltava dinheiro até pra fazer uma reforma na casa.

   - Que pobreza - comentou o edil Reizinho. Se soubesse disso tinha passado no Baratão de Sêo Marcel e comprado uma Cidra Cereser ou um espumante da Miolo.

   - Pelo amor de Santa Clara, nobre edil - apartou dona Ester - estamos em crise, mas ainda temos em nossa adega uma Möet Chandon Imperial, guardada a sete chaves.

   - Então vamos abri-la - comemerou Tolentino Caneco - para brindar essa lua fantástica.

   - Também concordo, arrematou Teco, ressaltando que era bom abrir logo, pois, a meia noite certamente V.Exa. - apontou para mim - vai sair para fazer alguma caça na Serra de São Caetano ou na Bela Vista.

   - Os tempos são outros Sêo Teco - respondi. Hoje, nós, os lobis, não caçamos mais raposas e galinhas como antigamente, nem as sangramos com nossas presas. Vamos ao G. Barbosa lá do Shopping da Serra e compramos presuntos, defumados, chester, queijos e vinhos sem precisar dessas antigas aventuras.

   - Então vamos nos dá bem aqui no La Vue, hoje, relatou Pinguinha, já assando a banda do carneiro e umas tripas.

   - Com essa crise, Sêo Pinga, La Vue só no sonho. Ademais, não sou ministro e meu cartão está no vermelho, não dá. Só se a Ester me emprestasse o cartão dela.

   - O meu mesmo não! Tenho meus compromissos e não vou dar boa vida a vocês falou espoucando a Möet Chandon.

   - É dose...degustar champagne com tripas de carneiro... e demos um viva a lua e a Cabral, o Pedro Álvares, descobridor do Brasil.