Colunistas / Crônicas
Jolivaldo Freitas

Barra 69. Não vi, não dancei aquela música alegre

Escritor e jornalista. Email: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br
28/07/2019 às 12:56

A lua estava cheia e sua atração gravitacional fazia com que a maré, parecendo até nestes dias de hoje em que vários balneários baianos estão sendo devastados pelas ondas, subisse tanto que dava para pegar jacaré na praia do Mont Serrat, que acho o melhor, mais bonito e telúrico lugar da Cidade da Bahia. Claro, paramos para ver e ouvir a chegada dos astronautas, pisando no solo lunar.

Como esquecer a imagem na TV em preto e branco. Imagem cuspida, chovida, cheias de pingos, ampla de chuviscos que pareciam uma máscara, uma gaze sobre a imagem que vinha do espaço e que causava certo receio, suspense, dramatização. Eu, meus amigos Marçal Miranda, Mário Cabé, Zal do Carmo, Marivaldo (Sansão), Joselito Bispo (Jerrim) João Maia (João-nariz-de-quibe), Maria da Conceição (Tete Maria), Zafira Miranda e mais que não me vem à cabeça olhando fissurados a tela da TV  Colorado. Havia uma certa apreensão:

Surgiriam seres espaciais? Estávamos influenciados pela série Jornada nas Estrelas e Os Invasores. Essa era a grande espera. Haveria alguma surpresa na lua? E dentre todos nossos questionamentos vinham as garantias científicas de leituras que hoje seriam consideradas fakes como aquela que garantia que as emissões de raios do sol e outros desconhecidos vindos do espaço profundo afetariam a saúde dos astronautas.

Era certo que eles ficariam loucos, pois ninguém permaneceria sã depois de pisar na lua e voltar para a mesmice no planeta Terra. E os olhos fixos na Colorado procuravam descobrir como era a lua de verdade e a imagem teimava em sumir por segundos, virar borrões tudo ao vivo e até hoje ouço os ruídos, as estáticas dos astronautas falando, como se estivessem com a cabeça dentro de uma lata ou estivessem brincando de telefone sem fio. Sansão sabia imitar certinho o inglês falado na lata pelos astronautas. E lá se vão 50 anos e ainda olho a lua ouvindo o som que vem de lá. Ruído de moribundo.

E nesse clima todo a Bahia pegava fogo, mas éramos muito jovens para entender, dar bola ou saber direito o que estava acontecendo politicamente por aqui. Excetuando-se uma ameaça ou outra da polícia por causa dos nossos cabelos longos ou Black Power, roupas diferentes, sandálias e atitudes dissonantes com a sociedade careta, o resto passava longe e foi quando Caetano e Gil se preparavam para ir embora, para o exílio na Inglaterra, que decidiram fazer o show Barra 69 no Teatro Castro Alves. 

A barra referia-se a uma gíria que queria dizer situação. E a barra era pesada com o temível secretário de Segurança Púbica Luiz Arthur de Carvalho (que vim entrevistar já quando repórter anos depois) mandando prender e arrebentar. Cabeludo não podia. Cabeludo com guitarra então era o Cão comendo manga em sua visão.

E perguntei, ontem, ao meu velho amigo Marçal Miranda (que não liga, não manda sinais de fumaça e sempre tem uma boa desculpa na ponta da língua, por ser inteligente e esperto) porque não fomos assistir aos shows no TCA, pois o centro da cidade estava em polvorosa com centenas de hippies que chegaram de Arembepe, da Ilha de Itaparica e de outros estados para ver o show e o teatro lotado. Com a PM pronta para soltar o cassetete ou a fanta no lombo dos cabeludos. 

Marçal acha que foi por não termos grana para o ingresso e também porque a música de Caetano e Gil eram boas, mas não eram nenhum Rolling Stones, Black Sabbath, Iron Maiden, Joelho de Porco, Mutantes ou Emmerson, Lake e Palmer. Só ficamos sabendo depois que teve até hino do Bahia cantado no palco como despedida. E que os caras estavam indo embora com receio da violência da ditadura militar. 
Mas, aí já era tarde para conseguir os ingressos ou entrar de penetra pu entender o que se passava. Mas, depois sacamos tudo. E fomos ouvir o LP Barra 69. E continuamos a olhar a lua e escutar seu silencia e ver que tiraram sua paz.