Cultura

CARNAVAL de Salvador é participativo e democrático desde 1884, por TF

A participação e a democratização se unem no Carnaval de Salvador, no seu estilo
Tasso Franco , da redação em Salvador | 10/02/2016 às 17:57
Mudança do Garcia é a manifestação mais democrática do Momo
Foto: Silvio Tito
 1. A moda agora é defender um suposto Carnaval democrático em Salvador, isso na fala de politicos, artistas, autoridades, possíveis ativistas e outros, quando todo mundo sabe que o Momo da capital baiana sempre foi (e continuará sendo) participativo e democrático dentro da realidade brasileira. Nasceu assim, passou por ciclos diferenciados, ora mais excludente; ora menos excludente; e continuará sendo assim.

   2. É só olhar a tendência dos últimos 10 anos com a profussão de camarotes no circuito Barra-Ondina, capitaneados inicialmente por Daniela Mercury, postos dentro do sistema capitalista onde só tem acesso quem paga. E isso é abrangete a todas as classes sociais, dos mais caros; aos mais baratos e ninguém escapa tanto que o Ilê Aiyê que é um bloco afro tem seu camarote pago no centro; e Gilberto Gil tem seu camarote só para convidados especiais bancado por empresas.

   3. Isso diminui a democracia no Carnaval? Não. Era assim em tempos idos com os camarotes dos hoitéis da Rua Chile, especialmente o Pálace, e com as marquises da Av Sete. As familias que não podiam levavam suas cadeiras e bancos para a avenida, demarcavam um local e assistiam a festa. Ninguém reclamava. As arquibancadas  da Prefeitura no Campo Grande sempre foram muitos disputadas e são também uma forma de democratização do Carnaval. As pessoas adoram ir pra lá.

   4. Virou mania dizer-se na atualidade que o importante são os trios sem cordas. É uma demagogia que não tem mais tamanho. Se um patrocinador paga R$500 mil para uma cantora puxar um trio sem corda, isso representa democratização do Carnaval? De forma alguma. Se ela puxasse o trio dela sem patrocinador, numa boa, aí sim. 

   5. Ainda hoje, todos os blocos saem com cordas, desde os de trios, os afro, os afoxés, os de samba, os de indios e outros. Tem algum sentido, por exemplo, o bloco Filhos de Gandhy sair com cordas e são 3 a 4 mil homens juntos? Tem. Isso porque, os blocos são entidades de direito privado e as pessoa pagam para brincar neles, num espaço pré-determinado. Isso deixa de ser democrático? De forma alguma. Vive-se num país capitalista. É assim em tudo: para ir ao Sarau do Brown, paga-se; para ir ao ensaio do Olodum, paga-se.

   6. Veja que incoerência ou sei lá o que além da parte demagógia: os trios elétricos foram os responsáveis pela popularização do Carnaval, a tal democratização. Todo mundo ia atrás de um trio, a partir dos anos 1960, e Caetano Veloso chegou a fazer uma música cantando que só não ia atrás de um trio quem já tivesse morrido. Antes, havia os prachões dos clubes Fantoches e outros nas ruas e as batucadas, cada qual em seu espaço.

  7. No meu tempo de jovem dezenas de vezes acompanhei os trios da Saborosa e dos Tapajós. A Praça Castro Alves foi quem popularizou ainda mais o Carnaval levando a classe média para as ruas e acabando com os bailes dos clubes. Quando a Caetanave subiu a Ladeira da Montanha para embicar na Carlos Gomes foi um delírio. O homem chegava a lua e o Carnaval ao povo.

   8. Depois, o que é natural no mundo capitalista, vieram os blocos e as vendas iniciais das mortalhas (hoje, abadás) em todos os níveis. Os Apaches, que era um bloco de índios do Tororó, vendia sua mortalha; o Comanches, com Jorginho, idem; o Tiete Vips, que de vips só tinha o nome, reunia uma boa parte da 'torcida do Bahia', tudo pago. Ninguém escapou desse modelo.

   9. Quer saber mais: teve uma época que gostoso era sair na pipoca do Chicletes com Banana, isto é, do lado de fora da corda; e teve uma época, que ficava-se estacionado na Praça Castro Alves curtindo os trios, todo mundo junto e misturado, só saindo do lugar para ir fazer xixi num quadradinho que tinha com areia na barraca de Noé.

   10. Louve-se, as iniciativas dos blocos sem cordas, dos blocos alternativos, do Furdunço e outros. Mas isso já tem muito tempo. Nos 450 anos de Salvador já se fazia isso. Os Mascarados tem 22 anos. Daniela já puxa trio sem cordas há 17 anos. O ex-prefeito João Henrique montou um cavalo na Mudança do Garcia que tem mais de 50 anos. O Carnaval de Cajazeiras tem trintaanos. Sabe o que se passa por lá? um shozão. As pessoas ficam numa praça e pronto curtindo a folia. Asssim também é em Periperi.

   11. Então, vamos parar com esse lero-lero de que fulando está democratizando o Carnaval; que isso é obra de beltrando, quando, na verdade, é um processo. A cidade se movimenta ao seu modo e vai incorporando valores e ações ao seu estilo. Assim nasceu o Carnaval do Pelourinho onde tudo começou com as bexigas de limão no século XIX, festa vista e descrita por Charles Darwin.

   12. Quando o governo da Bahia criou o circuito Batatinha não foi pra democratizar nada. O objetivo era (e ainda é) reservar um espaço na cidade para as pessoas que não aguantam mais ir atrás de um trio, que são idosas e outras, e que curtem uma outra levada.

   13. O Caranval de Salvador é, portanto, mais participativo do que democrático no sentido pleno da palavra, mas, conjunga as duas coisas juntas, desde sua criação oficial em 1884.