AS AVENTURAS DO GALO BINGO E DE DONA TÁSSIA FLOR DO AMANHÃ (1)

Tasso Franco
18/07/2019 às 13:02
 Essa é a história do galo Bingo e de dona Tássia Flor da Manhã, dois personagens residentes em Salvador da Bahia, a terra onde sapiens burro não existe e única no Brasil dividida em duas: a cidade baixa e a cidade alta. Sendo que o mar Atlântico, o tenebroso banha a alta; e o mar da Baía de Todos os Santos, calmo, sereno, emoldura a baixa.

Dona Tássia Flor da Manhã é moradora do Alto das Pombas, bairro que fica na cidade alta, distante um quilômetro do mar, donde, por ser alto, ela vê o Atlântico e a beira do qual tem uma tendinha de vender coco verde, o que chamo cantinho da Bahia. 

Os baianos, muitos deles, têm um cantinho pra vender coco, cocada, quebra-queixo, lelê, aimpim, caldo-de-cana, cachaça, cerveja - que aqui chamamos de gelada ou fria - melancia, abóbora, jaca, uma miscelânia. Parecemos um mercado árabe a céu aberto embora tenhamos poucos mohamedes acá, há um bairro, a Mouraria de Santo Antonio, no centro, que outrora foi habitada por mouros, daí o nome.

O Alto das Pombas surgiu de uma invasão - nome baiano de favela - no bairro da Federação, próximo ao Cemitério do Campo Grande, o dos ricos, depois virou bairro e é habitado por pessoas da classe média baixa, do tipo dona Cássia, o que aqui também se chama de mulher guerreira porque embora nunca tenha ido a uma guerra de canhões luta diariamente pela sobrevivência. 

Não é fácil viver de vender cocos verdes a unidade a R$2,50 à beira mar, com uma vista maravilhosa do Atlântico, nas proximidades do Morro do Cristo, um dos locais mais bonitos de Salvador.

A beleza do local é imensa; e o capilé a entrar no caixa é pouco. Quando o domingo é bom, fim de semana de sol, excepcional, comercializa duzentos cocos. Pagando o gelo, os produtos, o carreto, sobra pouco. 

O nome Pombas para o Alto vem devido a pombas, aves, que habitavam e ainda moram no local. Ninguém se preocupa com isso, de morar, em tese, num pombal, pois, em parte assim se parece o aglomerado de casas numa enorme encosta, com baixadas, ruelas, escadarias, um mundo a parte. Uma madame da Barra não se adaptaria a esse local, nem da Pituba, bairros chiques de Salvador. O Alto das Pombas, quando se fala dele, é local da morada de pobres.

Dona Tássia Flor da Manhã não quer nem saber desses detalhes. Curte a vida como Deus lhe deu e trabalha duro, diariamente. Ela tem consciência de que nunca irá residir na Rua Afonso Celso, na Barra, nem na Orlando Moscozo, no Chame-Chame, salvo se ganhar na loteria. Aí, meu amigo, a história é outrA. Sonho todo mundo tem e ela também tem os seus. Mas são segredos. 

Lá um dia, na caminhada do Alto das Pombas para a Barra encontrou debilitado numa encosta dos ricos, no Morro Ipiranga, um galo semi-morto. Galo pedrez. Ia para o trabalho com pressa, mas, diante do ocorrido deu uma parada, olhou pro galo, cubou o animal e viu que ele estava vivo. 

Pensou: - Vou lhe ajudar esse coitado. Trazia numa sacola um pão e o pirão do meio dia e deu umas migalhas do pão ao galo, o qual, mesmo debilitado, deu umas picadas. Molhou o pão e o galo encheu o papo. Mas, tão fraco estava que não se levantou.

Dona Tássia assim falou para o animal: - Vou vender meus cocos e mais tarde trago água e comida para você.

O galo teria agradecido com um aceno da cabeça aprovando a idéia. E assim foi feito durante alguns dias, uma semana, se a memória de dona Tássia não falha. 

Depois desse periodo já dando pão molhado e milho ao galo este ficou de pé e começou a ciscar o chão.

Dona Tássia disse para o bicho: - Ficou bom né sacana. Agora diga-me como é seu nome e de onde é, de que bairro, porque daqui do Morro Ipiranga, área de barão você não é.

O galo ainda estava atordoado mas respondeu que era da Sabina, da Roça da Sabina, um enclave da Av Centenário, outra invasão onde só moram pobres próximo ao Shopping Barra. E complementou: - Estou muito fraco, mas, depois que a senhora me deu comida tô bom e não quero mais voltar para a Sabina.

- Então você fica aí nessa encosta que todo dia lhe darei comida, afirmou ela ao galináceo que permaneceu sem dizer seu nome. 

Dona Tássia então matutou e completou: - Pois seu nome vai ser Bingo. 

O galo olhou pra ela desconfiado procurando entender o significado dessa palavra. E, antes mesmo que questionasse, dona Tássia completou: - Você bingou, ganhou no bolão, se salvou, daí o nome Bingo. 

O galo agradeceu com um canto de uma música de Caetano Veloso e seguiu caminhando contra o vento sem lenço e documento, ciscando na encosta do Morro Ipiranga.