PÁGINA VIRADA! ou a espera da luta armada

Fernando Conceição
09/09/2016 às 11:30
HAVERIA UMA convulsão social no país se, depois de treze anos, o Partido dos Trabalhadores, seus partidecos e facções satélites tivessem seu esquema de poder – já tipificado como “criminoso” em rumoroso processo na Suprema Corte Federal (STF) – interrompido como se deu a 31 de agosto deste 2016.

Essa era a promessa de sua liderança, a principal delas Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele que não tem papas na língua para ofender quem quer que seja, mesmo as feministas que o reverenciam [clique para saber].

Lula, infelizmente cada vez mais se distancia de sua mística. Forjada desde a greve de 1978 que, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, o projetou nacional e internacionalmente, no contexto da ditadura militar em vigor.

Hoje, com um exército de advogados e consultores jurídicos dos mais bem pagos a cuidar de sua defesa em diversas varas do poder judiciário e instâncias da Polícia Federal, Lula – por acusações de corrupção, enriquecimento ilícito e obstrução da Justiça – trata de evitar ser mandado para a cadeia.

Poderá até pedir exílio, que chamará de “politico”, a outro país. É direito seu. Farsantes e demagogos sempre encontrarão plateias dispostas a beatificá-los. (Ainda agora assistimos a santificação de Madre Teresa de Calcutá…).

DEPOIS do impeachment de Dilma Rousseff da Presidência da República, as coisas no Brasil continuam a funcionar: tudo como dantes. Como previsto na Constituição, o político indicado duas vezes por ela para seu vice hoje é o titular da cobiçada cadeira presidencial.

Temer-golpistaMichel Temer, cacique da maior e mais capilar agremiação partidária do país (PMDB), responsável por grande parte dos 54 milhões de votos dados à chapa eleita encabeçada por Dilma em 2014, está legitimamente empossado.

Protestos são vistos em pontos de algumas poucas capitais do país.  Ativistas e militantes organizados da “causa” lulopetista esperneiam, como é natural. Seu projeto de poder foi interrompido. Houve e ainda há quem acreditava nisso.

Vociferam: sofreram um “golpe”. Se fosse verdade, seria o golpe mais lento, gradual e restrito de que se teria notícia em toda a história política dos Estados modernos.

Sem prisões e sem derramamento de sangue. Todos livres para concorrer a importantes eleições nacionais agora em 2 de outubro (a conferir seu desempenho nas urnas). Sem censura a quem quer que seja. Com a “golpeada” tendo recorrido e apelado a todas as instâncias políticas, jurídicas e midiáticas possíveis.

Por dez longos meses. Como convém a uma sociedade cultivadora de dramalhões telenovelescos que se arrastam quase intermináveis, capítulo por capítulo. Os direitos políticos dela, até para ocupar funções públicas de Estado, foram mantidos.

Restaria agora pegar em armas e derrubar à força Michel Temer? Improvável, depois de a dinastia Castro ceder a Barack Obama em Cuba, depois da bancarrota do chavismo na Venezuela, depois de as Farcs e o governo colombiano sentarem à mesa de negociações.

Apenas os espaços pseudo-acadêmicos e o “campo da cultura” são o último bunker dos beneficiários do esquema lulopetista. Sua trincheira são as redes sociais, contraditoriamente uma invenção yankee da qual se apropriam desavergonhadamente. Os convescotes e mesas redondas dos quais são especialistas.

Hélio Bicudo (fundador do PT), Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal: juristas autores da ação de impeachment protocolada no Congresso ano passado
Hélio Bicudo (ele próprio fundador do PT), Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal: juristas autores da ação de impeachment protocolada no Congresso ano passado

SÃO MUITAS AS FALÁCIAS aí destiladas. Uma delas é ter sido o impeachment anticonstitucional, já que os crimes de responsabilidade ali previstos não foram, e se foram cometidos pela ex-presidente teriam sido pela “boa causa dos menos favorecidos”. Os fins justificariam os meios – o batido argumento dos canalhas.

Outra falácia é serem o PT e seus partidecos e grupelhos satélites guardiãs singelos e intransponíveis da democracia. Que estaria sendo “golpeada” exatamente porque são eles, ai meus sais!…, o alvo do processo de depuração do Poder Executivo nacional.

Os autores do pedido de impeachment, dois dos mais respeitáveis juristas e uma titular de Ciências Jurídicas da honorável Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, demais instituições que acolheram tal pedido, entre muitas o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a autônoma Corte Suprema (STF): todos são golpisas!

Não há como evitar, aqui, a assertiva de Jean-Paul Sartre: demônio são os outros.

Essa narrativa embala os devaneios dos trouxas, dos espertalhões e dos inocentes úteis. Confrontada, porém, à luz dos fatos documentados, não fica um minuto de pé.
A Constituição de 1988 à qual os ex-governistas agora dizem querer zelar é a mesma que, no momento de sua elaboração, foi enxovalhada por Lula e o PT. Que fecharam questão e obrigaram seus parlamentares eleitos a não votar pela aprovação da carta magna.

A democracia que Lula e PT dizem defender é esta construída a duras penas por todos os que, em 1984-85, queriam apressar o fim da ditadura militar vigente no país desde 1964.

Lula e o PT fecharam questão contra e seus parlamentares na Câmara dos Deputados foram proibidos de votar no Colégio Eleitoral a favor da frente ampla que elegeu Tancredo Neves presidente do Brasil.

Momento decisivo que em definitivo enterrou as pretensões do candidato representante da direita, Paulo Maluf – o mesmo a quem Lula e o PT se aliaram recentemente para ganhar a prefeitura de São Paulo.

Os sobreviventes opositores dos militares, que pagaram alto preço no período – com exílios forçados, perda de direitos, tortura, desaparecimentos e mortes – são os mesmos que colaboraram para tornar Lula e o PT palatáveis ao conservadorismo das classes médias brasileiras.

Isso, no tempo em que os partidos políticos da esquerda histórica (como o Partido Comunista, PCB) viam em Lula, cria das greves dos metalúrgicos do ABC de 1978-79, um quinta coluna a serviço da divisão das forças que desde sempre antagonizaram com a ditadura.

Igreja católica (sua parte dita progressista), sindicatos e intelectuais paulistas forjaram a hidra, pelo encanto que “homens puros, naturais, pobres, vindos de baixo” exercem sobre a psiquê de uma pequena burguesia sentimental.

Fernando Henrique Cardoso, que derrotaria Lula pelo voto em duas eleições consecutivas à Presidência (1994 e 1998), está entre os que sempre o respeitaram.
Mas PT e asseclas somente reconhecem a si mesmos como baluartes “da esquerda” e refundadores do Brasil. Que, por tal narrativa, antes de 2003 simplesmente não existiu. É o “nós, os iluminados” contra o “eles, os toscos”. Existe lógica mais infantilóide de se pensar e se exercer a Política com “P” maiúsculo?

No que toca a esse escrevinhador, que foi expulso do PT e preso a mando de seus caciques no longíquo 1988, uma das falácias mais cínicas é a seguinte. De que a adoção de políticas de ação afirmativa que têm possibilitado o ingresso de negros e pobres em universidades públicas seria iniciativa petista ou mesmo “da esquerda”.

Os negros universitários seriam seus devedores desde sempre. Mentira mais descarada que essa está para ser inventada.

Democrata essa gente? Desde quando? Ou melhor, o que Dilma Rousseff e aqueles que viveram com ela a aventura da luta armada para derrubar o regime ditatorial de 1964 entendem desse substantivo?

Perceba: lutar contra a ditadura que se instalou no país, aliás com grande apoio de amplos setores da sociedade brasileira, jamais significou ser democrata. Em variados casos, como o de Dilma, muito pelo contrário.

Sua crença, à época, era a instalação no país de um regime de inspiração totalitária, segundo a cartilha leninista-trotskista-stalinista-maoísta. E por isso pegou em armas contra o regime vigente, sendo presa e torturada como uma guerrilheira.

Por que, em sua defesa no processo de impeachment, brada o mantra de democrata?

Por que, de hora para a outra, a democracia é usada por essa gente que até por princípios históricos jamais lhe teve apreço?

Se sua causa era justa – até poderia ter sido, ou não – foi derrotada. Por que esse fascínio agora pela democracria, de gente que sempre a rejeitou como horizonte social possível? Aguardou serem vitoriosos aqueles que perseveraram na oposição política de esquerda por meios tão nobres quanto o que os “revolucionários” a si se atribuem.

Restabelecida a normalidade política, retornou à cena. Sendo eleita democraticamente, agora sim, para governar um país que já não é o mesmo daqueles tempos.

Lula, o mais espertalhão de todos, um negociador e conciliador nato em seus regabofes com representantes das elites endinheiradas do país, que jamais defendeu o marxismo como doutrina, é o beneficiário dessas falácias todas.

DILMA E O PT confirmam o que um zoologista famoso conceitua de teoria do autoengano [clique para saber]. Mentem aos outros e a si mesmos ao querer se passarem como “vítimas” de um movimento que atribuem a “golpistas” instalados nas duas instâncias do Congresso Nacional, a Câmara dos Representantes e o Senado.

Propositadamente omitem nessa narrativa o que a história recente registra: a crescente insatisfação popular dos brasileiros contra os desmandos administrados pelos políticos tradicionais e suas siglas partidárias – todas elas, sem exceção alguma.

Desde o início de 2013 essa insatisfação desembocou em atos públicos que levaram milhões de brasileiros às ruas de todo o Brasil, em demonstrações de soberania popular jamais registradas meses a fio na República. As multidões, sem orientação partidária como agora, exigiram reformas políticas e maior participação política.

Os políticos profissionais e as corporações partidárias, pegados de surpresa – da direita à esquerda – talvez não previssem os desdobramentos das manifestações sucedidas desde então.
Dilma e o PT mentiram o tempo todo sobre a real situação catastrófica da economia, com reflexos perversos nas taxas de desemprego, nas áreas de segurança pública, saúde, educação.

Os ricos ficaram mais ricos, as tais “elites” formadas por banqueiros, financistas e empreiteiros amigões de Lula e do PT, são que de fato estão com os cofres robustos. Se não, presos alguns em Curitiba a mando do juiz Sergio Moro [clique para saber].

Colhem o fruto de sua arrogância, de sua prepotência, do seu desamor pelo republicanismo. O povo somente lhes valeu e lhes serve no sentido populista de povo.