A jovem velha guarda do jornalismo baiano fora do cemitério

Tasso Franco
22/12/2015 às 09:11
 Semana passada recebi um telefonema da jornalista Mônica Bichara lembrando que dia 18 a Câmara de Vereadores de Salvador outorgaria o título de cidadão, por iniciativa da vereadora Alaldice Souza, ao fotógrafo Anizio Carvalho, 85 anos, do extinto Jornal da Bahia, Barroquinha, onde comecei minha carreira nos idos de 1968, como 'foca'. 

   Lembrava Mônica que era bom que fosse porque precisava acabar com essa máxima de que os jornalistas baianos só se encontram em cemitério na despedida de algum colega. 

   Verdade pura desde que o 'jornalismo boêmio' foi sepultado nos anos 1990.

   Nos anos 1950/60 havia tertúlias lítero-etílicas-jornalísticas semanais nos restaurantes do Pálace Hotel e do Chile Hotel, no Porto Moreira, nas noites do Tabarias e do 63. Nas décadas de 1960/70 nos reuníamos com frequência no Restaurante Cacique da Praça Castro Alves, no Taboleiro da Bahia, no Cabaré de Jaime, no Anjo Azul, em Rui de dona Maria (Ladeira da Praça) e ainda no Porto Moreira. 

   Com as mudanças das redações nos anos 1990 para distante do eixo central, iniciada com a Tribuna da Bahia no final dos anos 1960 para a Djalma Dutra, depois pelos Associados (Diário de Noticias, TV Itapoan e Rádio Sociedade) que deixaram a Carlos Gomes e foram para a Federação, a mudança de A Tarde para o Caminho das Árvores e o fim das sucursais dos jornais e revistas do Sul, o centro minguou.

   Criou-se um novo ponto de encontro para os profissionais de imprensa no Abaixadinho da Djalma Dutra e no Mercado da Sete Portas. Nos arredores de A Tarde, no "Cu quer lenha", na tenda de Sêo Isidro e no Baby Beef. Momentos em que Silva Filho também levava enorme grupo para o Mercado do Rio Vermelho. 

   Para quem ficou no centro, encontros frequentes ainda aconteciam na Cantina da Lua, no Raso da Catarina (Quintal) do Franco e no Mini Cacique.

   Tudo isso morreu. Daí também a expressão que jornalista baiano só se encontra agora no cemitério, cunhada não se sabe por quem, mas de uso acentuado. 

   Então, falei pra Mônica, figura querida, brava e doce militante do jornalismo que iria com certeza. E fui. 

   E mais: que agradável, que maravilha rever Anizio Carvalho e sua familia, Luis Augusto (LA), Zé Barrêto de Jesus, Jadson Oliveira, Alberto Silva, Maria Isabel, Suely Temporal, Mara Santana, Jaciara Santos, Luis Hermano, Fred Passos, Antonio Queiroz, Maragarida Neide, Elói Correa, Marivaldo Filho, essa turma da 'jovem velha guarda' - se é que podemos chamar assim - muitos dos quais iniciaram suas trajetórias profissionais no Jornal da Bahia, na Barroquinha, ora inundada pelas chuvas de maio; ora fumaçada pelos ônibus que faziam ponto no terminal quase em frente ao jornal.

   Anizio é um velho conhecido. Filho de Manoel Circunsizão e dona Madalena foi parar em Serrinha provenientes de Conceição da Feira. Foi em Serrinha que sua familia cresceu e se estruturou. Sempre foi ligado ao candomblé de cabolco do terreiro que sua irmã ainda cuida na Serra, o Tupinambá. Seu irmão Manoel Pequeno, conhecido como Mané Perna Torta, era mecânico de mão cheia. 

   Conheci Anizio no Jornal da Bahia no final dos anos 1960. Já era, ele e Vigota, os mais experientes da Casa. Tinha fotos preciosas em seu arquivo do terreiro de Olga de Alaketo, da visita da rainha Elizabeh II com Luiz Viana Filho, de Bob Kennedy nos Alagados.

   Também vi Isabel começar. Miudinha, sagaz, tímida, ficava horas para elaborar uma matéria nas velhas remington da casa. Cuidadosa demais com o texto, tirava e colocava uma nova lauda na máquina, assim que tivesse alguma dúvida. - Cadê a matéria Bel? - azucrinava a pequena. Hoje é uma vovó orgulhosa, ainda nas lides.
  
   Em simpatia, sorriso, bum homor ninguém competia com Luis Augusto, apelidado e conhecido por LA. Pai do negão do Batifum, marido da professora nota dez. LA era copy na época em que existia essa figura no jornal. Pense num camarada bom caráter. Pronto: seu nome é LA. Discretissimo, olhos arregalados de surpresa quando contávamos alguma coisa para ele, figura impar.

   Estava lá Suely Temporal. Era uma repórter viva, buliçosa, inquieta, briguenta. Está no jornalismo até hoje com sua empresa de comunicação no mesmo estilo amigueira de sempre.

   O fotógrafo Antonio Queiroz é desses que a gente costuma dizer: "Esse me viu menino". Galã, sestroso, rápido no 'gatilho' da máquina é de um bom humor extraordinário, de uma baianidade sem par.

   Com sua jovialidade e beleza da mulher soterópolis eis também no plenário da Câmara, Mara Santana, filha de Valdemar Santana aquele mesmo que foi campeão de luta livre no país e encantou a Bahia na época em que a Bahia tinha encantos no esporte, o Balbininho fervia no rigue com boxe e luta livre, com desfiles de Miss, com jogos de volei e basquete, hoje, templo esportivo que foi ao chão. 

   Mara cobrava a Anízio fotos do seu pai, das lutas que ele fotografou, e o velho fotógrafo dizia que os negativos tinham se perdido. Anízio era da época da Rolleiflex que levou consigo para a solenidade na Câmara. Um amuleto, um trunfo.

   Hoje são outros tempos e Margarida Neide, nossa fotógrafa glamour, nossa Brigite, como não apreciar o estilo fashin de Miss Neide, usa Nikon digital mas tem o mesmo amor de Anizio de tantos outros pelo fotojornlismo.

   Fred Passos, este sim, ví menino na redaçaão e hoje está parecendo Matusalém com uma barba que roça a barriga, é outro bamba das imagens. 

   O veterano Luiz Hermano Habbhusen, cativo da Embasa, grande fotógrafo de lides politicas, instigante, provocador. 

   Elói Correa, que camarada bom de clique com sua visão sobre a cidade do Salvador e seus personagens. Calado, na dele, registra com precisão essa cidade da Bahia e cresce a cada momento.

   O que dizer de Jaciara Santos! Criativa, texto primoroso, surgiu como um raio de luz no jornalismo baiano e está até hoje brilhando.

   Também estavam dois velhos camaradas das lides dos anos 1970, Zé de Jesus Barrêto e Jadson Oliveira. Dois profissionais de mão cheia, cuidadosos, timoneiros de longo curso como diria a expressão amadiana. 

   Trabalhamos alguns anos juntos, Barrêto oito lustros na Prefeitura comandando a redação, os carnavais, dando rumo ao noticiário da cidade. Hoje, colabora no Bahia Já com uma coluna de esporte, sua paixão.

   Com Jadson e Rêmulo Pastore (falecido em 1995) fizemos a campanha de Waldir Pires a governador, em 1986, a primeira do marketing livre pós-redemocratização e mais dois magos da imagem, Manu Dias e Xando Pereira.

   Jadson é figura rara, austera, antiburguês nato, pai de Norminha, hoje, percorrendo a América Latina depois de sua aposentadoria. 

   Certa ocasião estávamos, salvo enganho no Abaixaindo da Djalma e Jadson vivia o drama de comprar um sofá para sua casa, a pedido da mulher.

   Aí falei: - Um sofá! Normal meu caro Jadson não é nenhum luxo da burguesia, apenas um conforto.

   - Coisa da mulher. Já temos um banco de madeira e está de bom tamanho - respondeu.

   Esse é Jadson Oliveira, um monje, um camarada que preza suas raizes desde a época da imprensa alternativa dos anos 1960/70 onde também militou.

   Assim foi o encontro para homenagear Anízio Carvalho com a presença da "jovem-velha-guarda" do nosso jornalismo. Que sejam promovidos outros.