MINHA VIDA de cachorro em Nova York

Fernando Conceição
12/10/2015 às 09:35
  PESSOAS ATÉ HOJE estranham quando digo que fui babá de cachorros quando morei em Nova York às expensas da Capes e da NYU (New York University), judia e das mais caras da cidade. Eu nada paguei, já que era visiting scholar, com status privilegiado.

  Lá quem é babá de cães chama-se dogwalker. Foi graças a esse trabalho que consegui me virar, quando da primeira crise cambial de nossa moeda, o Real, ante o dólar, no final de 1998 em diante. Fernando Henrique Cardoso, malando, segurou o câmbio – um dólar valia 1 Real  quando cheguei em setembro – até derrotar Lula pela segunda vez.

  Noite dessas recebemos em jantar em nossa casa o professor Anani Dzidzienyo, de Gana (África). Como um dos seus irmãos, é radicado em cargo importante há mais de três décadas entre Nova York, Washington(DC) e Providence (RI), onde é docente efetivo na Brown University, no nordeste dos Estados Unidos.

  Anani estava de rápida passagem pelo Brasil para uma atividade em Brasília, mas veio a Salvador e pediu para nos encontrarmos.
O professor Anani Dzidienyo, diretor do African and Afro-American Studies Center da Brown University, em Providence (RI), Estados Unidos.

  Sobre ele deixe-me adiantar que fui apresentado graças a um dos mais importantes brazilianistas, Thomas Skidmore, que em 1994 – quando da minha primeira viagem aos Estados Unidos, com uma bolsa Fulbright – insistiu para que eu me fixasse na Brown.

   Rejeitei a oferta por conta do ambiente nevado e provinciano, a meu ver, da cidade. Skidmore, hoje adoentado, foi uma espécie de patrono de minha carreira universitária nos anos 90/2000.

  CONVIDAMOS um casal de amigos para participar dos comes e bebes com Anani em nossa casa, os professores Florentina Souza (UFBA) e Nilo Rosa (UEFS) – que, por sua vez, estavam de partida de estudos em Nova York

  Principalmente os comes ficaram sob minha inteira responsabilidade. Quem me conhece, Aninha Franco e demais, sabe que gosto de ir para a cozinha. Modéstia à parte, dizem que não faço feio. E faço por prazer.

  Lá pelas tantas alguém perguntou-me como me virei na NYU, sob supervisão de George Yúdice, já no topo de sua carreira acadêmica como estudioso de culturas.

   Também faz pouco tempo, ano passado, recebemos Yúdice em nossa casa, mas o levei – sob concordância dela – para jantar na “República” da mesma Aninha Franco. Noite memorável para todos, principalmente pela presença ativa do chef Alessandro Narduzi.

  Quem me conhece também sabe o quanto gosto de Nova York. E se digo Nova York estou principalmente dizendo a ilha de Manhattan e parte do Brooklyn. Apenas.

   Joaquim Barbosa, depois presidente do Supremo Tribunal Federal, foi uma das figurinhas do meu convívio pregresso naquele tempo.

  Desde 1994 já estive várias vezes e ali tenho amigos verdadeiros até hoje. A principal delas, Joan Roney, que me cedeu seu apartamento para morar quando, um mês depois que ali aportei, o brasileiro de sobrenome italiano com o qual, sem o conhecer antes, dividi o aluguel do apartamento dele, surtou, ameaçando-me. Me defendi com uma faca de cozinha e colocando a cama contra a porto do meu quarto na hora de dormir.

  Joan e sua namorada brasileira à época faturavam semanalmente 2.500 dólares, tomando conta dos cães dos outros.
Com o dinheiro lutava contra a venda de madeiras de desmatamentos ilegais nas florestas tropicais da América do Sul.

   Foi ela que, vendo meu estado de penúria depois que a moeda brasileira, o real, teve sua primeira depreciação na virada de 98 para 99, conseguiu três ou quatro cachorros para eu ser babá deles. De 8 a 12 dólares por hora!

   Eu dividia o tempo em estudos do doutorado, aulas, leituras, cafés no Starbucks, cervejas em bares sujinhos ou do Greenwich Village ou de downtown East Village.

  Para ganhar dinheiro, tomava conta de cachorros, levando-os a passear, recolhendo seu cocô nas ruas. Mesmo se em diarreias sob o gelo das ruas no inverno nevado. Ou, como em muitos casos, tomando conta deles em apartamentos luxuosos às margens do Central Park (por exemplo, na Park Avenue, com apartamento vizinho ao cineasta Woody Allen).

  Nesse caso, os proprietários, gente rica que passava fins de semana em viagens pela Ásia, me entregam as chaves, a geladeira, o bar e a dispensa para que eu me aproveitasse enquanto ali estivesse “hospedado” com seus dogs de estimação, desde que zelasse pelos mesmos.

  Sim, além de andar cachorros na fria Nova York, as viagens feitas por este mundo de meu deus já me levaram a experimentar coisas diversas, divertidas ou não.
  Quando me instalei para morar um ano em Berlin resolvi, por ter tomado um chute na bunda da namorada alemã pegar um trem e conhecer os países da Escandinávia. Não, não sei perder. E sou péssimo competidor. Em outra ocasião similar, e com uma namorada de Itatim (Bahia), larguei tudo e fui a Macchu Picchu, no Peru.

  Sim, há um filme sueco chamado em português Minha Vida de Cachorro (Mitt liv som hund), que é dos mais marcantes que já vi e revejo sempre que posso desde a década de 90.

  Em países africanos vários que palmeei, vi coisas. Também no Japão, na China, no Iran e penetrando por barcos na Amazônia. O que aprendi nos grotões das periferias de Porto Alegre, de São Paulo e da zona suburbana da capital da Bahia?

   Pelo olhar da criança, que é o personagem principal do filme, aprendemos a ver as coisas, todas elas, sempre em perspectivas. Um dia conto mais das que vivi. Minha vida de cachorro, pelo menos até o momento, restringiu-se, porém, a Manhattan, New York City, como doutorando. E não foi de todo ruim.