A IMPRENSA politica baiana e as chaves na Baía de Todos os Santos

Fernando Conceição
23/09/2014 às 18:05
A imprensa baiana, principalmente a do jornalismo político, deveria fechar as portas e atirar as chaves na baía de Todos os Santos.

A matéria com chamada de capa da edição de Veja desta semana, sobre o método petista de administrar o poder, também na Bahia, é um furo de reportagem que envergonha todos os jornalistas que atuam nos veículos desse Estado. Por sua inoperância, medo, conivência e corpo-mole.

O site da revista já atualizou a matéria publicando entrevista com o senador petista baiano Walter Pinheiro, que tem seu nome envolvido na tramamoca. Ele acusa o próprio PT baiano de querer acabar com sua reputação. Já Rui Costa, ex-poderoso chefe da Casa Civil do governador Jacques Wagner, a quem este quer ver na sua cadeira, atribui tudo a uma trama da revista.  Ele que teria se beneficiado com parte da grana desviada, segundo apurou a revista.

Sei, sei, imprensa boa é aquela que fala bem da gente (como foi edição de Veja ano passado com Wagner nas disputadas páginas amarelas). Se não, é lixo. É uma total inversão de valores esta. A auto-intitulada “turma do Lula” ainda pensa ser possível subestimar a inteligência das pessoas.
Talvez consiga, entre os que dependem dos seus favores e assistencialismos. Ou os que alegam que “no tempo de Paulo Souto -já não vale dizer mais carlismo, porque da escola carlista são também o vice de Rui, João Leão, e seu senador, Otto Alencar – era a mesma coisa ou pior”. Se era, foi para acabar com isso que o povo baiano em 2006 elegeu Wagner…

Se Lula, seu líder maior, quando confrontado com os mal-feitos de gente próxima, nega os fatos – transformando em heróis condenados, como tentaram com José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno; dizer que tudo não passaria de mentiras da imprensa livre – isso não dá ao governo da Bahia imunidade.

A denúncia atual parte de figuras do próprio PT baiano. Por ser do interesse público – afinal, Rui Costa pode vir a ser eleito governador – deve ser investigada. Pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Justiça – instituições autônomas ao governo. E pela imprensa economicamente saudável, de que a Bahia se ressente, pela falta.

ERAM OS ANOS 90, eu jovem repórter. Tenho comigo a longa carta enviada ao então diretor de redação do jornal A Tarde, Jorge Calmon, com ameaças à credibilidade deste então colaborador do jornal.

Assinada por candidato ao governo da Bahia, poderoso empresário e ex-prefeito da capital baiana. A reportagem que fiz, publicada no jornal, era também sobre desvio de dinheiro público. Também para construção de mais de 1.000 casas populares. Para famílias carentes, também. Pela Prefeitura de Salvador, comandada por Mário Kertèsz (1986-1988). Casas aquelas que ninguém viu. Dinheiro que “sumiu”.

Veja, a mais importante revista semanal de informação do Brasil, traz matéria revelando que a prática permanece. Dessa vez a acusação sobre os envolvidos no suposto desvio de dinheiro que seria para casas para os pobres aponta para ninguém menos que o candidato da coligação governista à sucessão de Jacques Wagenr (PT), Rui Costa, e outros elementos do comando petista na Bahia.

E como reagem esses poderosos, surpreendidos pela independência de Veja? Atacando o jornalismo de Veja. De modo similar àquele ex-prefeito da capital: ameaçando os autores da reportagem e a publicação. É o padrão comum dos que se acham intocáveis, porque no governo e com o poder nas mãos. Também, o que lhes resta junto aos seus seguidores fazer, senão tentar achincalhar a revista, acusando-a de a serviço dos opositores?

Veja tem sido, no Brasil, desde antes da volta da democracia com a constituição de 1988, o veículo de informação que mais tem contribuído para a independência do jornalismo no país. Que mais tem fustigado os poderosos nos governos de plantão, seja de quais coloração ideológico-partidárias sejam.
Não deu trégua ao governo Sarney – há a estória do “boi-voador”, no tempo dos “fiscais de Sarney e do congelamento de preços nos supermercados. Foi assim com Fernando Collor – a primeira grande publicação a mostrar a farsa do “caçador de marajás”, depois dando a bombástica entrevista com Pedro Collor, que desencadeou o processo de impeachment do presidente eleito. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, repercutindo a denúncia da compra de votos de parlamentares para a emenda constitucional da reeleição, noticiada em furo pela Folha de S. Paulo.

Porque, para relembrar Millôr Fernandes (1923-2012), jornalismo é oposição – o resto é armazém de secos e molhados -, Veja atrai para si o ódio dos governantes atuais, como atraiu o dos passados.

É por isso que na bibliografia obrigatória de uma das disciplinas que ministro na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, adoto a leitura semanal de Veja, para discussões sobre temas da atualidade. Todos os meus alunos são obrigados a ler e comentar a revista.

E não vale tirar xerox. Quero ver cada um deles com seu exemplar debaixo do braço, uma vez que sorteio de um a três alunos para debate sobre um tema a cada aula. Em faculdade de jornalismo de “gente cabeça”, “progressista”, “muderninha” e “do bem”, obrigar os estudantes a ler Veja, como faço, assemelha-se a uma heresia.

Alguns ou outros desses imberbes jovens, que aprendem na escola o hábito de criticar o jornalismo “cão-de-guarda” que fica no calcanhar dos governos – de preferência, doutrinados a odiar publicações como Veja ou aquilo que gente da laia petista rotula, à falta de vergonha na cara, de PIG (“Partido da Imprensa Golpista) -, desistem e vão plantar cebolas por aí.

JORNALISMO QUE NÃO INCOMODA É PLACEBO

Se os jornais empresariais baianos, todos, sem exceção, caíram na vala comum do jornalismo que não investiga nem apura, deixaram de ter no jornalismo a sua razão de ser.

Um jornalismo deslumbrado com quem tem poder (econômico, político ou artístico). Que não sai à rua para descobertas. Que não remexe arquivos à cata de documentos. Que se compraz em construir textos apenas declaratórios, de assessorias e por telefone. As faculdades de jornalismo têm a sua parcela de responsabilidade pelo torpor do jornalismo na Bahia.

Aliás, também nelas não se desenvolve o adestramento para o exercício profissional de qualidade- pelo contrário. Ainda hoje, a Facom/UFBA enfrenta um debate que transbordou para a esfera do Judiciário, exatamente pela reação refratária de seus dirigentes a um jornalismo menos domesticado.
Há pouco mais de dois anos, no próprio A Tarde, um repórter que fugiu desse scritp foi demitido sob pressão de forças econômicas com influência nas redações dos jornais.
À época em que fui chamado à sua sala – quando entregou-me para ler a longa missiva do então pré-candidato a governador, Jorge Calmon quis certificar-se comigo.

Queria saber se eu garantia, com certeza, as informações contidas na reportagem sobre o desvio do dinheiro. Com minha resposta o diretor do jornal mandou eu seguir em frente nas apurações.

Quanto ao pré-candidato – à frente nas pesquisas do Ibope, tendo Antônio Carlos Magalhães em sua chapa para o Senado -, sequer candidato conseguiu mais ser.

Então ganhou uma carteira de radialista, tornou-se dono de veículos. Patrão de jornalistas e professores de jornalismo. Que o chamam de “doutor”. Semestre passado uma aluna que inadvertidamente cometeu tal deslize em minha sala, perdeu meio ponto. Até parece que não lê Veja!