EDERALDO GENTIL, MUITO OBRIGADO PELAS "PÉROLAS FINAS", por CÉSAR RASEC

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| 31/03/2012 às 12:18
"Pérola Fina" do samba, Ederaldo silencia a música brasileira
Foto: Arquivo
 

"Pérola fina" do samba, Ederaldo Gentil silencia a música brasileira. Sua morte na última sexta-feira, aos 68 anos, fecha o ciclo da carne e faz recomeçar o ciclo de sua consagrada obra musical, agora no plano da eternidade.

Tive a felicidade de ouvir Ederaldo Gentil tocar nas rádios baianas. Os tempos eram outros. Deixa pra lá... Falemos deste mestre que é bem melhor. Suas canções ficaram marcadas em minha mente, como "O Ouro e a Madeira" e "Identidade", só para começo de citação.


Quando comentava lançamentos musicais nos cadernos culturais do jornal A Tarde, recebi a incumbência do mestre Florisvaldo Matos para resenhar sobre o disco "Pérolas Finas" (título pinçado de "O Ouro e a Madeira"), que o grande sambista Edil Pacheco havia produzido.


Fui pra casa, 21º andar do Edifício Valério, no Parque Júlio César, com aquela preciosidade sonora, já sabendo que muitos artistas prestavam uma belíssima homenagem a Ederaldo Gentil, que se encontrava recluso no próprio mundo, como confessara o amigo próximo Edil Pacheco.


Ouvi o disco dezenas de vezes, sempre com uma emoção renovada em cada repetição. Tudo soava bem, profundo, pois os sambas de Ederaldo eram feitos e interpretados com uma dose demasiada de amor, algo demasiadamente humano, diferente do demasiadamente comercial de muitas obras musicais que surgem e são interpretadas nos dias atuais.


O disco de 1999 contou com participações especiais de Gilberto Gil, João Nogueira, Beth Carvalho, Elza Soares, Lazzo, Luiz Melodia, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Carlinhos Brown, Jair Rodrigues, Paulo César Pinheiro e do próprio Edil, dentre outros artistas. Incrivelmente, lembro-me como se fosse hoje o impacto que foi escutar Elza Soares cantando "Saudade me Mata".


O samba "Identidade", interpretado por João Nogueira, entrara para o rol das minhas favoritas. Lazzo deu um show ao cantar "Rose". Nunca havia comentado um disco com tanta alegria e emoção.


No dia seguinte à publicação, estava na redação escrevendo algo que não me lembro quando me avisaram que tinha uma ligação para mim. Ao atender, a grande surpresa! Era alguém da família de Ederaldo Gentil, acho que o irmão, minha mente falha nesta certeza de gravar nomes, agradecendo pelo meu comentário. E ele disse algo nestes termos: "guardo na carteira o que você escreveu de forma tão bonita e pura". Ganhei aquele dia e muitos outros dias ao reescutar o disco.


Hoje, com a triste notícia da morte de Ederaldo Gentil, recorro ao comentário do disco "Pérolas Finas" para agradecer pelo eterno presente que fora dado por este autêntico compositor popular da Bahia.


Encerro transcrevendo duas letras e dizendo que Ederaldo Gentil foi um menino que não queria ser muito e acabou sendo muito mais do que ele imaginou ser. Obrigado mais uma vez, obrigado!


O Ouro e a Madeira

(Ederaldo Gentil)

Não queria ser o mar, me bastava a fonte
Muito menos ser a rosa, simplesmente o espinho
Não queria ser o caminho, porém o atalho
Muito menos ser a chuva, apenas o orvalho
Não queria ser o dia, só a alvorada
Muito menos ser o campo, me bastava o grão
Não queria ser a vida, porém o momento
Muito menos ser o concerto, apenas a canção

O ouro afunda no mar
Madeira fica por cima
Ostra nasce do lodo
Gerando pérolas finas

Impressão Digital
(Ederaldo Gentil/Paulinho Diniz)

Coberta de lã não aquece
o frio que vem da saudade
Chave de ouro não abre
a porta da felicidade
Tempero nenhum mudará
O doce sabor da afeição
Como também guerra fria
não vence o calor da paixão

Como tal
tal e qual uma real posição
Cada mão com sua impressão digital
Bem maior que o brilho do sol no verão
Cada qual no seu lugar natural

Nenhuma barreira consegue
impedir a ação do amor
Não há disfarce na face
para livrar-se da dor
Não há fortaleza que barre
a fraqueza de uma ilusão
Não tem consciência capaz
de trair de negar a razão


Dados sobre o disco e que sintetiza em clássicos Ederaldo Gentil:

Ederaldo Gentil - Pérolas Finas.

1. Luandê (E. Gentil - Capinam) c/ Gilberto Gil.
2. Identidade (E. Gentil) c/ João Nogueira
3. Espera (Batatinha/E. Gentil) c/ Luiz Melodia
4. Saudade Me Mata (E. Gentil) c/ Elza Soares
5. Rose (E. Gentil - Nelson Rufino)c/ Lazzo
6. Maria da Graça (E. Gentil) c/ Edil Pacheco
7. Barraco (E. Gentil) c/ Carlinhos Brown e César Mendes
8. Impressão Digital (E. Gentil - Paulinho Diniz) c/ Jussara Silveira
9. De Menor (E. Gentil) c/ Paulo César Pinheiro
10. Eu e a Viola (E. Gentil) c/ Beth Carvalho
11. Oceano de Paz (E. Gentil - Edil Pacheco) c/ Vânia Bárbara
12. In-lê-in-lá (E. Gentil - Anísio Félix) c/ Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes
13. O Ouro e a Madeira (E. Gentil) c/ Jair Rodrigues

CD Copene, FAZCultura, 1999.  Produção de Edil Pacheco.