Como A Tarde perdeu a chance de ser o primeiro jornal informatizado da Bahia
Foto: BJÁ |
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Tasso Franco, 1987, escrevendo crônicas para A Tarde, de Londres |
Dediquei alguns poucos anos de minha vida profissional ao jornal A Tarde, como repórter free-lancer nos anos 1970/80, editor de Cidade, editor de Política e editor de A Tarde Cultural.
Agora, que o jornal entra no marco zero do seu centenário, fato importantíssimo para a imprensa baiana, presto este depoimento para revelar como A Tarde perdeu a oportunidade de ser pioneiro na Bahia na implantação informatizada de sua redação.
Tenho um apreço especial a A Tarde e ainda o vejo como o mais importante veículo de comunicação impresso do estado, apesar dos momentos de dificuldades que vem enfrentando nos últimos anos e da perda de posição, em circulação, para o Correio.
Ainda assim, tanto no plano da política; quanto em cidade as matérias de A Tarde são as que mais repercutem nas casas legislativas e nos círculos dos poderes, embora, o próprio jornal não saiba capitalizar isso.
Em 1986, coordenei a campanha do candidato do PMDB a governador da Bahia, Waldir Pires, comandando uma equipe de vários profissionais de imprensa, dois repórteres (Rêmulo Pastore e Jadson Oliveira) e dois fotógrafos (Manu Dias e Xando Pereira), além de uma equipe de "notáveis", como diria Fernando Escariz, uma espécie de Conselho de Imprensa, com Joca, Wilter Santiago, Carlos Navarro, Antonio Jorge, Welliton Rangel e outros.
A campanha de Waldir foi a mais longa da história política baiana. Começou dia 2 de fevereiro, em Jacobina, com comício e foi uma trabalheira enorme. As estradas eram precárias, as telecomunicações idem, e todos mecanismos que usávamos eram mecânicos: tinta, químicos, papel, xerox, veículos, uma loucura.
Não havia nada on-line. Às vezes, Manu/Xando fazia uma foto em algum ponto da Bahia, enviava o filme de carona no avião de Ruy Bacelar, a gente mandava pegar no aeroporto, trazia para o núcleo da campanha da Av Centenário onde istalamos um laboratório fotográfico, revelávamos as fotos, copiávamos e mandávamos para os jornais. Em alguns casos, a notícia de um evento no Oeste do Estado/Extremo Sul só divulgava-se com 48h de atraso.
As redações dos jornais todas eram mecânicas: máquinas de datilografias, papéis, páginas produzidas com a ajuda de cola e estilete, químicos, reveladores, um inferno. Para se montar os classificados de A Tarde dava até medo entrar na sala de montagem. Tinha-se a impressão que no outro dia sairia tudo errado, dada a quantidade de colagens, recortes e assim por diante. Passada a campanha, Waldir eleito, continuei fazendo "free" em A Tarde como já realizava há anos, desde a morte de Osvaldo Barreto, produzindo o Carnaval e especiais, sempre a convite de Jorge Calmon, o editor chefe.
Com dólares sobrando na algibeira, fruto da campanha política, dizia-se que algumas "verdinhas" vieram do Banco Econômico, resolvi passar uma temporada fora do Brasil e fui morar, temporariamente, em Londres, de junho/1987 a março/1988.
Pra não ficar por lá só vagabundando, levei até um bandolim, combinei com Jorge Calmon escrever crônicas semanais para A Tarde e acertei com a Espaço, de Aldalice Gedeon fazer um curso de inglês.
Quando cheguei em Londres fui morar em Hendon, bairro da zona Norte da cidade, área considerada nobre, na residência de Miss Dzuba, uma senhora viúva que vivia maritalmente com um escocês técnico em hidráulica.
Foi nesta casa, pasmem, que fui apresentado pela primeira vez a um computador de mesa. Até então, na Telebahia, só conhecia computadores no modelo armário e os técnicos desta empresa guardavam o maior segrego do seu funcionamento.
O camarada Alex, marido de Dzuba, era aposentado mas trabalhava como free em projetos hidráulicos nesse computador. - Meu Deus, disse comingo mesmo, ao ver o equipamento, como estamos atrasados.
E aí falava e pensava por mim e por meus colegas baianos. Ninguém conhecia computadores pessoais (PCs) porque viviamos submetidos a reserva de mercado cuja barreira só foi derrubada no governo Collor de Mello, no início dos anos 1990. E observem que Steve Jobes (Apple) já comercializava o Macintosh desde 1984 e havia PCs no mercado desde 1971 (Kenbak, Dell e outros).
Um dia Mr Alex mandou eu sentar no PC e digitalizar alguma coisa. O fiz parecendo que está diante de um ser extraterrestre. Como não havia sistemas on-line com o Brasil, comprei uma máquina portátil, escrevia as crônicas para A Tarde, acentuava na caneta (em máquina inglesa o abecedário não tem acento), tirava fotos numa nikon, revelava num lab, colocava num envelope e mandava para Jorge Calmon publicar.
Até para se falar com o Brasil era uma novela: ligava-se num telefone público via Rio/Embratel e ficava esperando passar a ligação para a Bahia.
Foi assim que falei com Jorge Calmon da novidade do computador e de como os jornais da Ásia e alguns da Europa e dos EUA já estavam usando 4 cores e sistemas computadorizados. E complementei: - Nós estamos na idade da pedra e precisamos implantar esses sistemas na Bahia.
Ele me disse: - Anote tudo o que você está vendo por aí e traga no seu retorno.
Ainda no ano de 1987, salvo melhor juizo, o "The Guardian" fez uma reforma gráfica bacana liberando as cabeças, usando espaços brancos e caixa baixa nos títulos. Fiquei encantado e guardei algumas dessas páginas.
Depois, numa visita guiada da escola estivemos na S. Yard e no The Sun e verifiquei que os sistemas computadorizados já dominavam as plantas gráficas e as lojas de Londres estavam cheias de computadores.
Esse, portanto, era o caminho.
Quando retornei a Salvador fui A Tarde conversar com Jorge e o jornal havia publicado mais de 25 das minhas crônicas. Acertamos o pró-labore e ele me disse: - Quero que você venha ser o editor de cidade.
Aceitei e mostrei-lhe o material que havia trazido de Londres e comentei: - Eu topo ser o editor e está na hora de implantarmos uma reforma gráfica e editorial em A Tarde, instalando sistemas computadorizados.
Não senti que Jorge tivesse se entusiasmado. Era um jornalista muito conservador, tinha receio de perder o controle da redação, lia tudo o que se passava em sua mesa, as colunas, os artigos e assim por diante. Até a manchete do jornal combinava pelo telefone, à noite, com o editor Reinivaldo Brito.
Ainda assim, disse-me procure Couto (Artur Couto, diretor comercial) para autorizar o projeto e fale com Helosia (Heloisa Gerbasi, editora de arte).
Fui a Couto e mostrei o material. Ele arregalou os olhos e disse: - Vou falar com Jorge. Pode tocar o projeto.
Em pouco tempo coloquei o projeto no papel, troquei bastante informações com Heloisa e o pessoal da diagramação, tudo ok, grana garantida por Couto, mas, na hora de implantar o sistema computadorizado Jorge refugou.
- Vamos fazer a reforma gráfica e está de bom tamanho, sem mexer no sistema mecânico, disse-me.
Tentei de todas as formas e nada. Fizemos então a reforma gráfica abrindo espaços brancos em A Tarde (como o Guardian, mas em dose mais timida), traços serigrafados, nova tipologia e só.
Couto, que de bobo não tinha nada, avançou na computadorização do comercial e do financeiro de A Tarde que foram instalados aí por volta de 1988/89 e a redação ficou para depois do Bahia Hoje.
Em 1990, deixei a A Tarde e fui fazer a campanha a governador de Luis Pedro Irujo (PRN), a convite dos publicitários Geraldo Walter e Cláudio Barreto. Era uma campanha perdida, contra ACM, mas, valia pela grana.
Foi a campanha mais violenta que já se fez na TV contra ACM, tanto que fomos parar na Justiça e Luis Pedro condenado em primeira instância, ficando sem poder viajar para o exterior. A imprensa escrita era toda contra ele, incluindo A Tarde e o Correio da Bahia.
Quando terminou esta campanha, seu pai, Pedro Irujo, eleito deputado federal pelo PRN de Collor convidou-me para ficar no grupo (Sistema Nordeste de Comunicação, ainda com a TV Itapoan e Rádio Sociedade) para montarmos um jornal na capital.
Pouco tempo depois já estava em Feira de Santana trransformando o Feira Hoje de tablóide a standar. Em 1992, Pedro adquiriu um conjunto de 5 unidades Goss (impressoras alemãs) com um bloco a cores e iniciamos o projeto do Bahia Hoje.
Andei pelo Brasil procurando onde já tinha plantas informatizadas. O Globo e a Folha SP já estavam com editorias computadorizadas, mas, ainda sem o conjunto todo do jornal. Fui parar em Belo Horizonte, que havia fechado o Hoje em Dia na venda a IURD e trouxe uma boa equipe de Minas para montarmos o BJá, ainda hoje, em A Tarde, Antonio Martins (gerente industrial) e Caú Gomez (chargista).
Em 23 de julho de 1993, o Bahia Hoje entrou em circulação, todo no computador. A partir daí, A Tarde e os demais na Bahia correram atrás do prejuízo e também instalaram esses novos sistemas.
** Dos personagens citados nessa crônica já faleceram os jornalistas Rêmulo Pastore, Jorge Calmon, Fernando Escariz, ACM e Wilter Santiago; e os publicitários Geraldo Walter (Geraldão) e Artur Couto.