Colunistas / Crônicas
Jolivaldo Freitas

Dona Raimunda, o bolsonavírus e outros vírus

Escritor e jornalista. Email: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br
22/03/2021 às 14:20
  “Meu filho!!!...”. Quando dona Raimunda puxa o ar, enche o peito de tal forrma que os seios fartos sobem como se fossem vela-balão em veleiro peado ventos alísios na Baía de Todos os Santos, pode se preocupar que lá vem bomba e eu da varanda ao lado da sua casa me preparei para o pior e ela completou sem nem respirar, como fazem as baleias depois de comprido tempo embaixo d´água:

  - Saiba que esse negócio de ficar o governador mandando recado para as piriguetes, as ninjas, os malandros, os sem noção, as misérias, os playboys, o riquinho da Barra e o avião de Itapuã, os perdidos do subúrbio e os ignorantes do interior é perda de tempo seu moço e deu pena quando ele chorou de desespero na televisão e passou para o mundo todo ver, por se saber que estava chorando como se os mortos e os que iriam e vão morrer fossem da família dele e todos os que estão indo para as baladas, paredões e festas ilegais são mesmo uma filhos da p.. e nem..., nem vou completar pois mandam pais, mães, avós e avós e filhos e irmãos e sobrinhos e amigos e vizinhos e eu acho que merecem morrer mesmo. 

  E fica você também lá sua rádio falando besteira que só não desligo por que gosto muito do senhor, mas deve deixar de estar se lamentando, lamentando esses pestes e assas pestes que curtem a vida como se não tivessem mais nada para fazer e depois ficam na frente dos repórteres das TVs chorando e lamentando que o pai, o avô a avó, o tio, o irmão, o vizinho, o amigo não têm UTI para atender e estão lá morrendo igual a peixe fora do aquário, puxando ar e o ar sem chegar no pulmão que está sendo comido pelo maldito vírus. 

  Deixe de onda. Deixe que eles se lasquem todo. Né assim que eles querem?...

   Ela ia puxar de novo o ar como se fosse mesmo alguém num leito de morte e eu cortei dizendo que ela estava muito amarga, estava parecendo que entrara em depressão ela me cortou dizendo que esse negócio de depressão é coisa de fresco e de gente que não tem o que fazer “por que quem tem algum coisa com que se preocupar não vai ter tempo de ficar olhando para o próprio umbigo, pois como entrar em depressão, ficar sorumbático, acabado numa cama ou olhando a novela sem, ver nem ouvir, sabendo que tem de correr pois os boletos não têm pena de ninguém e chegam sem nenhuma consideração querendo mesmo é que paguem”.

   Daí eu cortei dizendo que, por falar nisso tinha de entrar por ter muito trabalho e ela já foi me cortando, enquanto ajeitava a segunda máscara, pois se a OMS mandou usar duas ela usa logo três:

   - Trabalho? Que trabalho seu moço? Vejo é você fazendo barulho aí no seu teclado, essa mania que você tem de colocar o teclado para fazer o barulho de uma máquina de escrever, reminiscências do seu tempo antigo de redação de máquina Remington e eu sei o barulho que faz por que trabalhei em cartório e o senhor acha que ficar garatujando frases é trabalho... trabalho coisa nenhuma... trabalho é o que vejo os garis fazendo nas ruas pegando lixo nesses tempos de bolsonavírus... os médicos em cima dos doentes morrendo de medo de pegar o bolsonavírus mas que não tem jeito por que fizeram o juramento de salvar vidas... embora eu conheça alguns médicos que mais mataram que salvaram..., mas aí é outra conversa... e trabalho mesmo quem tem é o enfermeiro que faz a força para trazer o morto de volta à vida.., ou a polícia que anda pela cidade atrás dos malucos que ficam pegando e passando o Bolsonavírus para qualquer um.. e saiba que...

  Cortei a prosa de novo dizendo que cada um trabalha como pode e ela aproveitou que estava ainda ouvindo para encher de novo o peito de ar - que a veia do pescoço engrossou - e soltou com aquela voz grave que só ela tem e que metia medo em todo mundo quando gritava por um filho ou vociferava contra algum; parecendo estar ralhando com toda gente da avenida do bairro:

  - Meu filho!!! – Já que você diz que é trabalho o que você faz, estou justamente te procurando para pedir um favor em nome da humanidade. Convoque aí pela sua imprensa o povo brasileiro, somente os inteligentes e informados para que vão como um todo, em massa, de multidão às ruas de todo o país. Que invadam Brasília pedindo a saída do presidente Bolsonaro, que tenho quase certeza que você votou nele, mas não tenho provas para te acusar. 

  Tem de ser na tora. De montão. Gente a sumir de vista. O cara já foi útil e perdeu a utilidade. Eu tive um fogão Jacaré antes de ter dinheiro para comprar um Brastemp e sei que durante um período funcionou bem, mas depois estava dando prejuízo e nos colocando em perigo. Pois, esse seu presidente é um fogão Jacaré. Pode explodir a qualquer tempo.

  Eu só disse: - Tá bom dona Raimunda! Vou ver o que posso fazer! Até mais!

   Ela: - Vou mandar para você um pedaço do bolo de laranja que o pessoal lá do Fórum mandou pra mim.
Quase digo mande com álcool em gel. Mas aí seria futucar a onça com vara curta e já bastava o Bolsonavírus, como ela batizou.

  Quando fechei a janela – pra minha sorte – ouvi seu grito:

- Seu moço o juiz do STF cancelou as acusações contra Lula. Tá na televisão. Venha ouvir...
Me recolhi de vez e ainda percebi quando ela se lamentou:

- Miséria pouca é bobagem.
---------------------------------------------