Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta o livro do ano: HOMO DEUS, Yuval Noah Harari

Estamos assistindo a maior revolução da história da humanidade e mudanças impactantes nos próximos 100 anos
19/03/2018 às 12:30
 O historiador Yuval Noah Harari, autor de "Sapiens, uma breve história da humanidade" best-seller publicado em 35 países, ph.D em História por Oxford e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, diz que a locomotiva da quarta etapa da revolução industrial que opera com a Inteligência Artificial (IA) já partiu faz algum tempo, com impressionante velocidade, e os povos e países que não acompanharem essa tendência ficarão à margem das novas tecnologias e as utilizarão sem ter quaisquer domínios sobre elas. 

   Ou seja, como já acontece hoje com o Brasil e todos os países da America Latina, países da África, alguns da Europa e da Euro-Ásia que não detém tecnologia da computação e da automação e apenas as usam como clientes. Ficam sempre a reboque da história.

  Em seu novo livro, outro best-seller, "Homem Deus, uma breve história do amanhã" (Editora Companhia das Letras, SP, 440 pág. R$35,00) Yuval diz que o sapiens caminha na construção de uma nova religião mundial, o dataísmo, entrincheirada na ciência da computação e na biologia; e que as próximas metas da humanidade serão a imortalização (o homo Deus), a felicidade e a divindade. 

  Nada utópico e o autor dá exemplos das transformações que aconteceram e estão sendo direcionadas pelos cientistas, com elevados investimentos em biotecnologia, nanotecnologia - manipulação da matéria em escala atômica e molecular - computação e robótica que, em mais alguns anos, não tão distante assim, mas ainda sem uma data pré-estabelecida, muitas das tarefas que hoje são exercidas pelo homem não serão mais.

  Isso aliás, tem pleno sentido quando nós vemos, no nosso cotidiano nos últimos 10/20 anos profissões desaparecerem, plantas administrativas sumirem do mapa, métodos de ensino e pesquisa serem modificados radicalmente, o que só faz com que as previsões de Yuval Harari ao invés de serem coisas fantasmagórias, serem reais. Quem imaginaria há 20 anos serviços como o Uber, Didi, AirBnb, carro autônomo, mapa e testes de DNA (22andMe), o Google Basely Study - base de dados mundial sobre a saúde perfeita, o Google Fit com roupas, pulseiras, sapatos e óculos com dados biométricos, e tantas outras inovações que estão em andamento. 

   Quem como eu, aos 72 anos, poderia imaginar nos anos 1970 fazer uma ressonância magnética e detectar uma doença a tempo de ser curável? Hoje, ressonância magnética ainda não é um lugar comum, mas, faz-se em dezenas de lugares na Bahia, até em municipios distantes da capital, o que não existia quando eu era jovem.

   Yuval comenta: "Há setenta mil anos, a Revolução Cognitiva transformou a mente do Sapiens e, com isso, fez com que um insignificante macaco africano se tornasse o governante do mundo. As mentes aprimoradas do Sapiens tiveram acesso ao vasto reino intersubjetivo, o que nos permite criar deuses e corporações, construir cidades e impérios, inventar a escrita e o dinheiro, cindir o átomo e chegar à lua". 

   Na história do manhã a tendência é o fim do Homo Sapiens e o surgimento do Homo Deus, imortal, ou pelo menos controlando a morte e até substituindo valores da inteligência e da consciência. O que está vindo por aí é extremamente revolucionário, assustador. 

   O autor lembra que no inicio do século XVI, a Igreja Católica empregava "mascates da salvação", que perambulavam pelas aldeias e cidades da Europa vendendo indulgência, a preço fixo. O frade dominicano Johannes Tetzel dizia que, no momento em que a moeda tilintava na caixa de coleta, a alma voava do purgatório para o céu. O protestantismo nasceu ai. No dia 31 de outubro de 1517, o frade Martinho Lutero caminhou até a Igreja de Todos os Santos, em Wittnberg, Alemanha, e pregou na parede 95 postulados, inclusive contra a venda de indulgências e desencadeou a Reforma Protestante. Rebelou-se contra a autoridade papal e criou rotas alternativas para o Céu. Uma revolução. 

  Portanto, a nova religião, o Dataísmo está em andamento e o supremo valor estará baseado no fluxo de informações. Desde que Darwin publicou "A Origem das Espécies" as ciências biológics passaram a ver os organismos como algoritmos bioquímicos e, embora hoje, alguns fanáticos ainda sigam ensinamentos da espécie humana a partir da Bíblia e do Corão, o catolicismo e o fundamentalismo terão muito menores chances de prosperar com seus dogmas divinatórios. 

   Harari diz que no Dataísmo, as experiências humanas não são sagradas, e o Homo Sapiens não é o ápice da criação ou o precursor de algum Homo Deus. "Humanos são apenas instrumentos para a criação da internet e de todas as coisas que eventualmente poderão se estender para fora do planeta Terra para cobrir as galáxias e até mesmo o Universo", confessa.

   O novo livro de Harari é simplemente elucidador, de um brilhantismo poucas vezes visto num historiador que compreende e mundo sem sofismas apontando dados, revelando mudanças que aconteceram na humanidade, desde as cruzadas contra os árabes, jovens sendo arregimentados para lutar contra o que a igreja católica considerava "os infiéis", quando os mouros tinham essa mesma crença em relação aos cristãos; a era atual com a guerra clássica se tornando obsoleta, no futuro praticamente sem grandes contingentes de homens nos exércitos que já estão sendo substituidos por drones e outras peças da IA, toda uma transformação radical na sociedade. 

  Você há de perguntar: o que eu tenho a ver com isso! Vou continuar comendo minha paçoca e pescando de gereré. É provável que sim. Mas, as massas das cidades não ficarão imunes a esses avanços. Trabalhei na Telebahia nos anos 1980 quando surgiu o celular e servimos de cobaia para ir a um restaurante famoso em Salvador, de grande movimento de pessoas, com os primeiros celulares, os tijolões, ainda burros, sem inteligência. Quando usamos os aparelhos no restaurante foi um assombro. Todo mundo perguntando o que era.

   Hoje, qualquer criança manipula um smarphone. E o motorista de táxi (profissão em extinção), a auxiliar de enfermagem, o professor, o atendente de balcão tem um aparelho desses, impresncindível para estudos, trabalho, oportunidades, ganho de tempo, etc, etc. 

  Ainda vai ter gente pescando de gereré e acreditando em santos e orixás, mas, no geral as mudanças estão chegando numa velocidade muito grande e é preciso preparar-se para esse impacto. 

   No final do livro Harari deixa três questões a pensar: 1. Será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? 2. O que é mais valioso - a inteligência ou a consciência? 3. O que vai acontecer à sociedade, aos politicos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos? 

  Questões relevantes, em processo de andamento. O livro "Homo Deus" é chocante, imprescondível a uma biblioteca. E perto de você para estar sempre lendo e acompanhando as mudanças.