Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta sobre o livro "Vida", biografia de Keith Richards

Um livro emblemático para quem deseja conhecer uma parte do mundo do rock'n'roll
17/05/2015 às 11:31
Há livros que são marcantes. Outros, nem tanto. Ambos, no entanto, trazem algumas mensagens interessantes, mesmo aqueles mais elementares de crônicas e de biografias elogiativas produzidas sob encomendas. A biografia do guitarrista e compositor do Rolling Stones, Keith Ricards, intitulada "Vida' escrita pelo jornalista James Fox (Editora Globo, 629 páginas) é preciosa.

   Claro que se tratando de uma obra sobre um dos mais famosos e virtuosos guitarristas do mundo do rock'n'roll, o tema central abordado no livro é sobre esse gênero musical  que teve sua difusão maior no Reino Unido e nos Estados Unidos e que se espalhou por todo mundo ocidental, especialmenrte a partir dos anos 1960/70.

   A obra, no entanto, por ser uma biografia, aborda a vida pessoal de Keith Richards, um fanático roqueiro que esteve imerso no mundo das drogras e do sexo durante vários anos, conseguiu estar vivo - como ele próprio reconhece - por milagre e por sua resistência às drogas pesadas, especialmente a heroina, mas viu ao longo dos seus anos de carreira muitos dos seus amigos e músicos morrerem atolados e abatidos pelas drogas.

   Keith diz que o segredo é não passar do limite nas drogas. Ou seja, não avançar além do que o corpo e a mente resistem. Todos aqueles que assim se comportaram, extrapolaram dessas barreiras, muitas vezes imperceptíveis, foram embora da terra antes do tempo. A questão crucial - ele próprio reconhece - é saber ou identificar a tempo o limite que o ser humano comporta e ter forças para abdicar dessa dependência.

   O leitor também não fique pensando que Keith - hoje, ex-drogado, fora do mundo das drogas - se arrependeu de nada ou colocou a culpa do seu comportamento nesse ou naquele companheiro. Nada disso. Ele assume que era um drogado contumaz, que muitas de suas apresentações e a produção de composições se deram com a ajuda da heroina, e que era até muito divertido em algumas ocasiões o uso das drogas. Noutras, nem tanto, o que levou à prisão e a se envolver em diversas situações perigosas, a ponto de se encontrar a beira da morte.

   Certa ocasião, nos Estados Unidos, onde nos anos 1970 passou praticamente toda a década drogado, virou um veiculo - estava repleto de maconha em sua mente - e foi salvo porque o carro era antigo e tinha um suporte metálico resistente, que protegeu sua cabeça de uma pandacada mais forte.
 
   O compositor e guitarrista mostra no livro como foi sua infância na Londres que estava saíndo da II Guerra Mundial, como era a cidade naquela época, como as familias viviam, o que é bem ilustrativo de uma pessoa que conviveu com o pós guerra e cujo pai lutou na frente de batalha. Era uma vida dificil, com o governo controlando os mantimentos, mas, nada que tirasse os ingleses do sério ou que se passassem por coitadinhos.

   Keith nasceu na região pantanosa de Dartford, Londres, ao longo do Rio Tâmisa, em 1943, zona leste da cidade bombardeada frequentemente pela Força Aérea da Alemanha por ser a área onde estavam depositados os canhões Vickers-Armstrongs e a indústria quimica Burroughs Welcome. Dartford era também o local onde se concentravam os hospicios, um fim de mundo. Do outro lado do rio estava o Condado de Essex.

   "Para mim, na infância, Londres era cocô de cavalo e fumaça de carvão. Durante cinco ou seis anos depois da guerra, havia em Londres mais tráfego de veiculos puxados a cavalo do que depois da primeira guerra mundial". Outro depoimento: "Quando eu era menino, o nevoeiro era intenso quase o inverno inteiro e, se tínhamos de andar quatro ou cinco quilômetros até chegar em casa, eram os cachorros que nos guiavam".  

   Revela, também, como foi que se deu sua amizade com Mick Jager na Londres daquela época - Jager chegou a trabalhar num hospício de Dartford - e como entraram no mundo do rock para nunca mais sair e participarem de um dos maiores conjuntos de todos os tempos os Rolling Stones. O primeiro encontro dos dois deu-se na estação de trem de Dartford, em 1961, movidos pelos mesmo gosto em torno de Chuck Berry quando iniciaram a compor juntos, Jager então - segundo Keith - o melhor cantor de R&B (rhythm and blues) de Londres. 

   O R&B foram a porta para iniciarem a carreira que os levaria a criar o Rolling Stones, banda que deu start em turnê na Europa e chegou aos Estados Unidos no verão de 1964, com primeiro show em San Barnardino, na Califórnia.

   Conta Keith: "No final dessa primeira turnê americana, achávamos que tinha nos ferrado na América. Estávamos carimbados com o status dos estranhos do circo de cabelo comprido. Quando chegamos ao Carnegie Hall em NY, estavamos de volta à Inglaterra com as fãs adolescentes gritando. A América estava voltando a sí. Nós percebemos que era só o começo"..

   De fato, a América nunca mais saiu da vida dos Stones e Keith vive em Connecticut, Nova Inglaterra, com a esposa Patti Hansen cercado de guitarras e livros, ainda hoje um apaixonado pelo rock. 
A vida de Keith é o rock. Há passagens no livro em que conta como ensaiava, às vezes, 15 a 18 horas seguidas, compondo e ajustando os sons, num frenético amor pela música. Há passagem dos Stonnes pela França, de Keitk já dissidente de Jager pela Jamaica com sua banda X-Pensive Winos, e toda uma gama de situações extraordinárias.
   Keith narra como foram compostas as músicas de maior sucesso dos Stonnes, alguns dos albuns como "Bridges to Babylon", "Stripped", "Exile", "Steel Wheels", "Voodoo Lounge" e centenas de músicas como "Brown Sugar", "You Gotta move", "Wilde Horse", "Dead Flowers", "Torn and Frayel" - entre outras.

   Conta Keith: "Às vezes, acho que compor música é apertar as fibras do coração o máximo que for possível sem provocar um ataque cardiáco". 

   O livro é uma lição de vida, singular, atípica, reveladora de uma época onde a cultura da juventude cabeluda era uma ameaça ao Império Britânico, a evolução do comportamento dessas pessoas e do rock, como encaravam o mundo, depoimentos muitos interessantes.

   O Stones é uma marca, um símbolo, uma grife do rock e dificil é saber quem no Ocidente em determinado momento de suas vidas não balançou o corpo ao som de "Satisfation" - I can't get no satisfaction/I can't get no satisfaction/'Cause I try and I try and I try and I try/I can't get no, I can't get no.