Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA exalta livro Nelson Cadena sobre a História do Carnaval

A melhor pesquisa feita sobre o Carnaval de Salvador desde a época pré-entrudo até os dias atuais
03/08/2014 às 11:56
  A literatura sobre o Carnaval de Salvador era fragmentada, esparsa. Há bons livros sobre determinados segmentos - músicas do Olodum, o trio elétrico, as batucadas, Carnaval Ijexá, crônicas, etc - mas faltava um livro completo sobre essa manifestação cultural desde as origens aos dias atuais.

  Diria que faltava o livro até que Nelson Varón Cadena, o pesquisador colombiano radicado na Bahia há anos, escreveu "130 anos do Carnaval de Salvador 1884/2014, História do Carnaval da Bahia" (Editora do Autor, 253 páginas formato 30x30cm) um relato detalhado e completo sobre o Carnaval da capital baiana, desde a época pré-entrudo até hoje. 

   O que chama a atenção no trabalho de Cadena é a forma, a diagramação como expôs o conteúdo das matérias em páginas bem editadas com fotos, quadros, datas, versos, tópicos pitorescos, ícones, músicas e textos em blocos, o que permite aos leitores acompanharem os fatos como se estivessem vivenciando os carnavais.

   Cadena também desfolcloriza o Carnaval e põe a história em seu devido lugar mostrando, ao contrário do que se propaga atualmente, dando conta de que os blocos afrobaianos exitiam desde a segunda metade do século XIX com os afoxés Embaixada Africana, Pândegos da África, Filhos da África, Congada Africana, entre outros.
 
   Ora se isso não é afirmação da negritude da forma que se entende nos dias atuais é exatamente porque naquela época, esse olhar da sociedade era diferenciado e mal entendido, inclusive pela midia impressa que o repudiava como uma coisa degradante. Além disso, não existiam os movimentos negros organizados para defendê-los e difundir suas lutas. Mas, o papel dessas entidades foi tão importante quanto os exercidos na atualidade pelo Badauê, Ilê Aiyê, Olodum, Muzemza, Malê Debalê e demais.

   Outro detalhe importante no livro é que, Cadena vai além em suas pesquisas nos primórdios do Carnaval extra-oficial (só a partir de 1884 é adotado como evento municipal com apoio da Prefeitura até então com referências a 1832 e a expedição de Charles Darwin ao Chile com passagem pela Bahia, quando anotou momentos entrudescos no centro da cidade.

   O autor adiciona novos fatos anteriores a essa data, começando-se por 1625 durante a invasão holandesa a Salvador quando o coronel Albert Schout, após a morte do general Van Dorth, ordenou uma semana de folia: "Diversos capitães de mar e guerra celebraram durante mais de oito dias em seguidas e esplêndias festas de Carnaval com grandes banquetes de muito comer e beber" relatou em seu diário Johann Geoerg Aldemburg, testemunha da época.

   Também comenta que o Carnaval "era um dos instrumentos para a conversão dos indígenas ao cristianismo, e daí a iniciativa dos jesuitas em promover as festas num claro contexto de inclusão aos valores dos grupos dominantes de origem europeia". O Canraval, como se sabe, foi uma invenção da Igreja Católica, à semelhança do Natal, Reis Magos e São João entre outras. Cadena se refe ainda a cinco dias de festas que aconteceram em 1727 a partir do Domingo Gordo da Quaresma. Há outras narrativas desse tempo bem interessantes no livro.

   Os relatos sobre o entrudo são primorosos incluindo a condenação da imprensa, os preparativos antecipados da festa e o comércio mascate, as vitimas dos limões de cheiro, limas e laranjinhas e o uso das seringadas. Anota uma modinha do século XIX registrada por Mello Moraes Filho: "Quem entruda seu amô/É sinal de intimidade/Iaiá entruda Ioiô/Pra lhe ter amizade/É de Iaiá é de Ioiô/Quem entruda seu amô". Cita o jornal O Monitor em 11/02/1867: "Parece incrível, mas ainda se brinca Entrudo nesta cidade". E descreve uma citação de Charles Darwin durante o Carnaval de Salvador, 1832: "Achamos muito dificil manter a nossa dignidade, enquanto caminhavamos pelas ruas"  

   Seu trabalho também é detalhista nas pesquisas sobre o Carnaval a partir de sua organização em 1884 com dezenas de blocos carnavalescos que desfilavam no centro da cidade, entre eles, os clubes Fantoches da Euterpe, Democratas, Filhos de Plutão, Cruz Vermelha, Cavaleiros de Veneza, Cavaleiros de Malta, Filhos da Turquia e os corsos e os desfiles das pranchas nas ruas com glamour europeu e os contrastes com o Carnaval dos travestidos e das batucadas. 

   Os carros alegóricos de luxo impressionavam com figurinos importados da Alemanha, como era o caso do Cruz Vermelha, com arautos portando clarins ou cornetas e alguns deles montados em belos cavalos, além de figuras mitológicas.

   Cadena também nos fala da influência baiana no Carnaval do Rio, o Zé Pereira que também é baiano, o poder de lojas maçônicas no Carmaval e as disputas do Cruz Vermelha x Fantoches, os Inocentes do Progresso e nos brinca com uma lista completa dos todos os clubes carnavalescos da cidade na primeira metade do século XX e dos afoxés.

   O livro é completo: mostra os grandes bailes, a hora e a vez dos corsos, o surgimento do Filhos de Gandhy, o nascimento do trio elétrico em 1951, a versão e o fato, a relação de todas as agremiações carnavalescas que surgiram entre 1950/1980, o rei Momo Ferreirinha - primeiro e único, os concursos das rainhas, a relação de todas as rainhas a partir de 1960, e a evolução da festa até os dias atuais.

   Publicitário que é, Cadena fez um primoroso trabalho nesse campo quando o Carnaval passou a andar junto com o meio comercial e publicitário, mesmo antes do advento do trio elétrico com os carros reclames no início do século XX, da Leite Alves, Casa Pax, Fotografia Lindemann, etc, mais voltadoz para os anúncios do comércio e serviços, até que ganhou uma nova diumensão com os trios e se tornou, na atualidade, um grande filão para esse mercado e para as empresas. 

   Segundo Cadena (e é fato) os trios elétricos nasceram à sombra dos patrocinios, inclusive do poder público. Mascaram época o Trio da Saborosa em forma de garrafa da aguardente mais popular da Bahia, as luzes impressionistas do TrioBacardi e tantos outros. 
 Cadena vai adiante até os dias atuais com o advento da Axé Música, o ciclo de Moraes Moreira, os novos artistas e e estrelas, o Carnaval de Salvador como expressão nacional e lampejos internacionais , Armandinho & Dodô e Osmar com a popularização do trio no Brasil e até em algumas partes do mundo. 

   A Cadena não lhe escapa também o olhar crítico de mercantilização excessiva do Carnaval nos dias atuais, o que tem perdido parte de sua originalidade.

   O bom do livro de Cadena, complementar a outros sobre temas específicos da festa, é que ele fez um balanço completo dos fatos, da cultura, do comércio, da evolução, o comportamento da população nos antigos carnavais e na contemporaneidade, esse caldo de cultura em que são abrigados todas as tribos carnavalescas.

   Independente dos fatos pesquisados há uma análise crítica do autor e uma sessão especial intitulada Confetes com os tópicos mais pitorescos desses 130 do Carnaval.

   Falta, agora, popularizar o livro no meio internet (veja em www.historiadocarnavaldabahia.com.br) e publicá-lo em edição normal de livro 14x21com.