Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

"A LONGA VIAGEM", DE GUILHERME RADEL, É UM BELO LIVRO

Romance regional de boa qualidade
06/08/2011 às 09:00
Foto: BJÁ
"A Longa Viagem", romance de Guilherme Radel, editado pela ALBA, 415 páginas
  O romance "A Longa Viagem" do escritor baiano Guilherme Radel, editado pela ALBA, tem entre outros méritos a virtude de narrar a trajetória de personagens que viveram e enfrentaram as condições sociais e políticas do Brasil na época da ditadura militar recente no país (1964/1984), e de como já naqueles tempos de chumbo as empreiteiras das grandes obras públicas agiam oprimindo os trabalhadores e atuando como sócias da corrupção governamental, temas, aliás, bastante atuais nos dias em curso no país.
  Quem se debruçar sobre o novo livro de Radel, bem escrito, com linguagem acessível e sem rebuscamentos literários, próprias de um engenheiro que tem sensibilidade à flor da pele e se arrisca também no campo da ficção, tem um bom enredo para se deliciar.



  Radel, especialista e estudioso da comida nordestina e baiana, no denso volume de "A Longa Viagem", 415 páginas, coloca o leitor diante de um drama que retrata uma época marcante no país, de enredo  quase linear com passagens e diálogos enfocando gente simples, peões de obras e seus chefes algozes. 



  O romance não chega a ser magnífico, até porque Radel não é um "expert" no campo da ficcão literária, um dos mais difíceis do gênero,  mas também não é livro desprezível, desses que os leitores rejeitam nas primeiras páginas.



  A história tem como foco a vida de Anselmo, jovem aventureiro que sai do interior da Bahia para ganhar a vida no Sul Maravilha.



   Bonito e inteligente, se envolve com o jogo do bicho e mulheres, no Rio, e retorna a Bahia para um canteiro de obras de uma grande empreiteira após sentir-se acuado e pressionado pela contravenção.



  Morre de forma quase banal num desastre com uma escavadeira. E, a partir desse episódio, ocorre uma "rebelião" no canteiro de obras, com os trabalhadores comandados por Nelson, personagem secundário com traquejo político, reivindicando o sepultamento do peão em sua terra natal, supostamente o Rio de Janeiro, sede da empreiteira, acontecendo, então, a "A Longa Viagem".



  O  corpo segue da Bahia para o Rio com passagens que enredam pelos caminhos da Policia, do poder das empreiteiras e do resgate da cidadania. O corpo de Anselmo é posto na geladeira do IML e seu amigo Nelson torturado e vilipendiado para revelar que organização ou célula subversiva estava por detrás da rebelião na empresa provocada por esses "peões terroristas".

  A organização empresa/policia vendo "fantasmas" à luz de uma verdade hipotética, de agentes comunistas infiltrados e coisas do gênero, tão comuns na época da ditadura.



  Revelar o que não se fazia ou não se praticava sob mera suspeita de uma conspiração.



  Quando se imaginava que Anselmo seria enterrado como indigente em alguma cova rasa no Rio, entra em cena uma personagem (Helena), a qual era uma gerente da empresa e apaixonada pelo peão, com quem tivera um casso de amor.



  Helena conhecia, em parte, sua origem e usa todo o seu conhecimento da cultura corrupta da empresa para resgatar o corpo e trazê-lo de volta à Bahia para sepultá-lo as cercanias do Rio do Peixe, Sobradinho, terras do velho Xandu, seu pai.



  Com longos "feed-backs" sobre a origem de Anselmo e sua trajetória no Rio, alguns cansativos e que poderiam ser resumidos pelo autor para ficar mais agradáveis e de melhor compreensão, "A Longa Viagem" faz uma releitura do tema da migração  e daqueles que lutaram ou tiveram ideais por um Brasil melhor e dentro dos conceitos da democracia, livre da ditadura.



   No contexto, "A Longa Viagem" envolve a trajetória de vida de Anselmo, o que pensava e porque representava, em tese, uma ameaça aos padrões de negócios da empreiteira onde trabalhava desde que Nelson, o líder político fizera a "rebelião"  movida por um sepultamento. Claro, pretexto para mostrar todo drama social.



  O romance tem final feliz, até previsível, porque o autor não põe ciladas no caminho da leitura fazendo com que se idealize na cabeça de quem está lendo outros cenários. E Helena consegue resgatar o corpo do peão e levá-lo a Bahia peregrinando por Ipirá e outros sítios, até descobrir a origem real de Anselmo nas terras de Xandu, no sertão de Sobradinho.



  É um belo livro.