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Lobisomem de Serrinha

ESTER TEME QUE LUBI TOME SOPA DE MORCEGO E VIRE HARRY POTTER (TF)

17ª CRÔNICA de TF no livro Lisboa como você nunca viu, no wattpad. Baixe o aplicativo em www.wattpad.com
26/07/2020 às 11:51
 O jornalista Tasso Franco publicou neste domingo no wattpad a 17ª crônica em seu livro Lobisomem de Serrinha, a nuvem de fogo e o fim do mundo sobre o mercego Harry Potter que come as bananas de dona Ester, sua esposa. Leia abaixo e todas as outras crônicas no aplicativo de literatura warrpad.

ESTER TEME QUE LUBI TOME SOPA DE MORCEGO E VIRE HARRY POTTER

 Estava a picar um naco de fumo de rolo de Biritingas dos campos de Pedro Corrêa em intenção de baforar um bode ao pé da lareira do varandão de casa, manhã gelada dos alpes serrinhenses, ombros cobertos com capa colonial, pronto para ir ao curral ordenhar minhas vaquinhas, a garoa espessa cobrindo a nossa toca em pleno, ajustando o negro com as costas do canivete bico de pato e montando o fino numa palha seca de espiga de milho nova e delgada, igualmente a espera de um chamado da Ester para saborear goles do Zenerosa com cuscuz massa Tabajara e ovos das pedreses do meu quintal, quando a madame, ainda a usar a pijama de quadros vermelha em lã que a tia Cheiro trouxera-lhe de Espanha, pantufa de ourelo Maria Emília aveludada em azul a proteger-lhe os pés, indignada, revoltada, trazendo em mãos um par de bananas da prata, par incompleto porque uma das frutas estava comida até o meio, o oco ruído, vendo-se, ainda, uma parte da casca pendente.

  - Foram eles, foram eles, gritava Ester a pulmões abertos, tal sanfona de Dominguinhos em fá maior sustenido, a cada fôlego, fole aberto, nervosa, a dizer a mesma frase: "Foram eles, foram eles, não tenho dúvidas".

  - No meu a concluir o bode, a espera do Zenerosa para dar um primeiro gole e baforar o fumo, indaguei, absorto, em parte entendendo o que ela dizia, mas, devolvendo-lhe os argumentos: - O que se passa, eles quem, os marcianos?

   - Não queira tirar uma de João sem braço. Você sabe quem são porque doutra feita já lhe disse que esses malditos morcegos vivem a comer nossas bananas postas na fruteira da cozinha

  - Você, ontem, ao dirigir-se a soberana alcova para dormir disse-me que havia trancado a janela que dá ventilação à cozinha, como, pois, poderiam ter sido os frugívoros a comer as bananas, de novo!

  - Não venha com seus saberes científicos dificultar as coisas, querer dar nome a esses ousados. Vamos a cozinha, pois, temo que algum deles esteja escondido nos armários, no quarto das roupas a passar ou no vão escuro da pia. Se queres prosopopeia diria que são Ching-Lings chineses, desses malditos que duram pouco tempo de vida como são os produtos dos chinas.

  - Queres que leve a espingarda de dois canos? - pilheriei.

  - Essa você deixa para matar as 'morcegas' que andam a lhe paquerar quando vais em compras ao mercado das farinhas, ao Tony, ao Teco, a Espetáculo.

  - Só rindo desse seu doentio ciúme, pois, não seduzo sequer a viúva do Anphilófio que se cobria de preto no cumprir o tempo em que o defunto se acalmou na cova e, hoje, está a mostrar os seios, a usar sandálias altas transparentes e pintar os lábios de um vermelho infernal, em sua presença lasciva na banca de verduras.

  - E não se ouse olhar nada além das verduras e farinhas e vamos ver onde esse infame se escondeu.

  Fizemos uma ronda em toda cozinha, de cima a abaixo, vasculhando tudo, a Ester portando uma vassoura de piaçava em punhos cerrados e eu com meu bode apagado na boca, mais interessado no Zenerosa que perfumava todo o ambiente e o suado cuscuz que estava no ponto de consumo, e nada encontramos. 

  Nem mesmo um sinal de asas embaixo do sifão da pia onde usei a lanterna do celular em busca do frugívoro. Depois, descobri por acaso, ao ir ao quarto das roupas a passar, que havia um pequeno basculante em aberto no banheiro da criada, da passadeira, e fora por ai que o 'maldito" ingressou para saborear as bananas.

  O segredo está revelado, comentei com a Ester chamando-a para tapar o basculante com panos: - Entrou por ai (apontei o basculante) e seu radar o levou a fruteira fazendo depois o caminho de retorno à curva. Fosse um hematófago, vós que gostas de ficar até tarde vendo séries na TV e cochilas no sofá, estarias ameaçada.

  - Era só que me faltava. Quem cochila aqui em casa tem nome e sobrenome, gosta de ler romances do tempo em que Vieira pregava nos templos da cidade da Bahia, que Machado de Assis escrevia suas prosas no Rio de Janeiro e Alexandre Herculano andava nas ruas do Chiado.

   Fui ao curral, consegui um balde com 9 litros de leite de Mimosa, saboreei o cuscuz e os ovos misturando-os quase em farofa, enquanto a Ester, já em trajes de uso doméstico, um vestido verde em florais que adora, andas a sós quando duras a mudar, sandálias Terezzo, tapava o basculante com pano de chão e punha, em grampos, uma tela protetora. 

  - Quero ver agora eles comerem minhas bananas, falava alto para eu ouvir.

   - De certo, não mais comerão. E, ficaremos livres de alguma doença, um ebola, uma SARS, pois, morcegos d'Áfica, Austrália, da China, ou nossos, são r perigosos, filosofei.

   . Imagina! Distraído como você anda, come uma dessas bananas ruída, e estarás flutuando para outro mundo, devolveu-me a filosofia com fina ironia.

  - Bobagem. Esses morceguinhos nossos, aqui do pé da Serra da Fazenda do Aluizio, da curva da BR para o Oséas, não causam mal algum e são predadores de insetos garantindo nossas plantações, polinizando sementes e assegurando a beleza de nossas goiabas, acerolas e pinhas.

  - Lembre que foram os morcegos chineses, pelo que li, responsáveis por essa pandemia do coronavirus, sentenciou Ester.

  - Não há provas disso. A gripe espanhola que nasceu no Kansas e foi fruto das trincheiras da I Grande Guerra acabou levando o nome da Espanha, sem ela ter nada com isso. O vírus da Covid-19 ainda é um mistério.

 

  - Seja como for, aqui em casa, morcego não entra mais.

  No dia seguinte, mais frio nos alpes serrinhenses, já seguia com meu balde em punho para o curral quando debato-me com a Ester, bananas ruídas em punho, escarlate, espumando em ira, a repetir a frase do dia anterior: "Foram eles, os malditos do Morro do Fundo".

  - Você lavrou o basculante e fechou os vidros da janela da cozinha? inquiri.

- Tudo, em todas as áreas.

 - Esse morcego é um Harry Potter, só pode, tem a capacidade de atravessar vidros e paredes como fazia o jovem mago e sua vareta em viagem no Hogwarts Express userando a plataforma 9 ¾. A plataforma fica na estação King’s Cross, em Londres, e para chegar a ela é preciso atravessar uma parede de tijolos.

  - Isso é coisa de ficção, de magia, inventada por J.K.Rowling. Como o mundo está virado, será que esses morcegos são magos? - atordoou-se Ester.

  - É possível, mas, vamos pegá-los, frisei.

  Inspirado numa invenção do detetive Murdock, de Toronto, fiz uma arapuca de capturar morcego, uma lança com ponta afiada e um dente de alho na extremidade conectada por um fio finíssimo a uma banana. Assim que o morcego provasse da fruta a lança será disparada e o matará atingindo seu coração. 

   Dito e feito. Assim fiz com a ajuda de um ferreiro que se chama Braz, ligação que se estendia até nosso quarto de dormir com alarme para que, assim alvejado o 'maldito" nos acordasse.

   Estava, então, a dormir, a Ester vendo a série Dark na Netflix quando o alarme disparou. Corremos até a cozinha e lá estava um parrudo espetado na lança, mortinho da Silva.

   - Pegamos, disse a uma temerosa Ester, explicando que, de fato, ele tinha a capacidade de atravessar vidros e paredes.

   - Vamos enterrá-lo ainda nesta noite.

  - Sugiro guardá-lo no ‘freeser’ para preparar-me uma sopa com essas asinhas, estiquei o bicho para ela ver, coentro, urtigas e sal do Himalaia.

  - Deus me livre e me guarde. Vai que, tomas essa sopa, incorpora essa magia do morcego   atravessará a porteira do curral sem abrir, irá do quarto a sala atravessando paredes, e eu, que já ando com a mente pesada, endoidarei de vez.

   - Bobagem: vou ser seu Harry Potter, acalentei.

   - Se ainda fosse jovem como o mago inglês, tudo bem, mas, calango ‘véi’ fazendo magia é coisa do outro mundo.