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Lobisomem de Serrinha

LOBISOMEM DE SERRINHA ESCAPA DA GAIOLA DO CAMINHÃO CATA VEIO

Lobi queria beber uma gelada no Canteiro's e quase era engaiolado no Cata Veio
19/04/2020 às 11:56
  O jornalista Tasso Franco publicou a terceira crônica do seu novo livro "Lobisomem de Serrinha: a nuvem de fogo e o fim do mundo" no wattpad e conta como escapou do caminhão cata veio que quase o carrega em sua gaiola.
  
   A CRÔNICA:

    Quem mais está sofrendo com a pandemia do coronavirus somos nós, os idosos. Digo isso de cátedra, pois, deixei de frequentar o Boteco do Teco, a Barbearia de Soté, o Canteiro's Bar, o Mercado Municipal e outros pontos relevantes em nossa aldeia e estou confinado há 31 dias, engordando feito um porco baé, a minha querida esposa Ester Loura também adquirindo uns quilinhos e sem poder ir ao salão de beleza de dona Euridice e sem poder dar seus rolés no nosso shopping.

   Enquanto isso, no Planalto Central, o presidente demite o ministro da Saúde, um camarada chamado Mandetta, que deixou o Ministério cantando, dançando e dando beijinhos em servidores, e o virus originário da China vai matando gente sem cessar. E mais: o novo ministro, um doutor de nome estrangeito Teich também foi recebido com abraços, beijos e palmas.

Será que só tá proibibo para nós velhinhos esse tipo de relacionamento? Tem 31 dias que não dou um beijo na minha neta, salvo pelo laptop.

   Como a gente já está acostumado com Brasília, um local diferente, diz-se até que do outro mundo, onde um ascensorista do Congresso ganha mais que um doutor da Sesab, um 'capinha' do STF aufere salário maior do que 5 auxiliares de enfermagem de nossa aldeia, tudo bem.

   Felizmente, aqui na Serrinha não morreu ninguém até agora do novo coronavirus e comadre Zelita, que não é de mentir, diz-me que apareceu esse tal de "Cururuvid" lá no seu sitio e ela matou o bicho com uma paulada. Acrescentou que, se eu quisesse ver o bicho morto, fosse até sua roça.

   Como não sou lobi de duvidar das pessoas, ainda mais de uma idosa, esposa de Sêo Antonio do Sabão, um dos químicos que temos em nossa aldeia, falei para ela enterrar o cururu numa cova com sete palmos de fundura e apilasse bem a terra para ele não escapar. 

- Esse não escapa de jeito algum. Só se for no noutro planeta porque minha cacetada foi certeira no gorgominho.

 Não entrei em detalhes por mais esclarecimentos se de fato ela tinha matado um sapo cururu ou o tal do morcego chinês. Ainda assim, questionei: - A senhora tem certeza que eliminou esse virus que está matando gente até na Rússia, no Irã e na África do Sul?

- Certeza absoluta: o bicho era parrudo e tinha uma enorme língua. Quando ele ameaçou lamber minha perna meti o cacete na cabeça dele, pronto.

- Desculpe contestar a senhora o coronavirus é invisível. Só é possível vê-lo com microscópios possantes dos EUA.

 - Isso o deles lá. O daqui é diferente - asseverou.

Mudando de assunto e ficando no mesmo tema, papo pelo telefone, o que achaste da mudança do ministro da Saúde?

Foi perremptória: "Não achei nada. Esses graúdos vivem lá no Goiás velho e acá nunca pisam os pés. Eu mesmo tô com 90 anos e nunca vi um presidente e um ministro aqui na Serrinha. E tenho certeza que quando chegar minha hora pela vontade divina vou partir sem vê-los, salvo pela televisão. 

- E a comadre assiste televisão e esse bolodório que eles falam do covid-19?

- Assisto muita coisa. Desde programas de gastronomia a noticias. Sei que eles mentem muito mas fazer o que! De vez em quando Ratinho dá uma esculachada em todo mundo. Esse novo ministro da Saúde entrou e disse tudo e não disse nada. Parecia o finado Tancredo quando queria ganhar uma eleição. O pau só quebra mesmo é nas costas dos pobres.

- Como assim? - coloquei lenha na fogueira.

- Meu marido saiu para entregar uma carga de sabão na pampa, tudo coberto, acomodado, pedido do Armazém de Sêo Eliseu, outro pro Baratão de Sêo Marcel e mais um pra uma venda na Cidade Nova e quando chegou no Largo da Federação se aproximou um veiculo tipo carrocinha de pegar cachorro dizendo que era um "Cata Veio". Dois meganhas saltaram desse carro mascarados, enluvados, armados com pistolas de gás paralisante, e quiseram levar Antonio dando-se um bafafá dos pecados.

- Pelo que ouvi na Rádio Mundial em comentário de Berraz não o levaram.

- Não levaram porque ele e o povo reagiram. Enfrentou os meganhas de igual para igual, não se submeteu aos ditames dos guardas, e entregou a carga de sabão dizendo em voz alta que era um homem digno, honrado, pagador de impostos e estava trabalhando e ajudando a combater o "curururvirus", pois, sabão, é um dos intens recomendados pelo Ministério da Saúde para que as pessoas lavem as mãos.

- Muito bem. Ele está próximo para dar uma palavrinha? - perguntei.

- Não. Está no Canteiro's tomando uma gelada recuperando-se da refrega.

Despedi-me de comadre Zelita e fui cuidar dos meus afazeres pedindo vênia a dona Ester Loura se eu poderia ir também ao Canteiro's tomar uma gelada.

- Você todo estrupiado, com dores nas costas, tendinite, bursite, cardiopata, espinhela caída, furico inflamado e quer ir beber gelada no Canteiro's!, bar do saudoso finado Bráulio da Livraria. 

- Que tem de demais?

- Vá que vou ligar pra funerária de Sêo Eufrásio encomendando sua nova morada. O coronavirus está solto, no ar, aqui na Serrinha tem não sei quantas pessoas infectadas.

- Bobagem, compadre Zelita já matou o virus a pauladas aqui de nossa área e estamos livres dele.

- Matar virus a pauladas é a mesma coisa de achar que a cloroquina cura essa miséria de doença. Nos EUA que tem vacina e pesquisa para tudo já morreram mais de 37 mil pessoas, na China onde o bicho nasceu foram também milhares de mortes e o PC está revisando os cálculos. Imagina nós aqui que não temos cientistas, respiradores, UTIs, o que acontecerá. Melhor é v quetar o facho e ficar dentro de casa.

- Bati pé firme e disse que iria apenas tomar uma gelada com compadre Antonio. Paramentei-me todo, capa colonial, luva, máscara especial, bota e andei até a porteira do sitio para pegar a Rua da Rodagem onde fica o referido Canteiro's Bar.

Quando abri a porteira ouvi um serviço de altofalante potente: "É o caminhjão do cata veio passando em sua rua... É o caminhão do cata veio passando em sua rua..."

Pra evitar um conflito retonei para casa às pressas.

Ester caiu na risada ao ver-me correndo para o celeiro: - Só faltava essa....meu véi preso numa gaiola. É o fim do mundo.