Crônicas
Jolivaldo Freitas
21/09/2012 às  18:00

RIQUEZA DA GASTRONOMIA SERTANEJA NA BAHIA E GULA

Pelas trilhas de Santaluz, Valente e Queimadas


Foto: DIV
Mosso colunista Jolivaldo Freitas dá um role em Santaluz, Valente e Queimadas
   Andar pelo sertão, como neste instante em que estou na bela e afável Santaluz (o nome é  junto mesmo) é encontrar novos caminhos. O sertão é bonito ao nascer do dia, no crepúsculo, nas noites de milhões de estrelas que competem em beleza com os vaga-lumes de luzes amareladas ou esverdeadas que parecem infinitos faróis quando acendem o derrière no breu da alta madrugada.

   Dei a sorte de ver o fenômeno da chamada lua azul. Luar grande, dobrado, brilhante. Uma lua digna do poeta Catulo da Paixão Cearense. O verdadeiro luar do sertão. Foi por pouco tempo e começou a nublar e até pensei que estava chegando o período da chuva, o cambueiro de setembro, e fiquei mais feliz ainda, pois é época de chegarem as águas e aqui não chove faz tempo e é de dar dó ver o gado morto, o cavalo magro e os urubus avoando baixo.

   Mas o povo resiste bravamente e na feira podem ser encontrados frutos, legumes e verduras vindos de regiões diversas. Tem até manzanas argentinas. O que me faz revelar que ando perdido na gastronomia sertaneja. Para muitos se trata de uma culinária, dita pesada, de difícil digestão. Na verdade só sofre com indigestão quem tem o estômago fraco. Para estes até sopinha de palma embucha e algodão doce é concreto armado com gravilhão.
 
   Nada como ir à feira livre de Santaluz e procurar por dona Deja. Uma barraca simples, armada entre outras, procurada pelo sabor e qualidade dos seus quitutes. Uma buchada digna dos franceses. Claro que na França tem prato parecido, onde só se muda o tipo do tempero. Esqueci o nome. Ando mesmo esquecido.
 
    Mesmo o haggis, tradicional prato da culinária escocesa é parecido, quase irmão, talvez primo carnal da buchada de dona Deja, que também oferece um sarapatel de dar soninho depois, ainda mais com pimenta malagueta ou de cheiro. Ela e suas filhas capricham no trato e na qualidade.

    Gosto por demais da buchada da feira, mas quando se trata de sarapatel de bode vou à dona Maria, em seu boxe no Mercado Municipal, prato disputadíssimo até pelos gringos que pululam pelo sertão não se sabendo como e porque chegaram por aqui e se instalaram. Se for depois do meio dia corre o risco de não achar nem rapa da panela.

    Descobri que dona Maria também tem uma feijoada de sucesso, aos domingos, em sua casa na rua atrás e à direita da igreja de Santaluz. É para comer rezando, aproveitando a vizinhança, e que o padre está por perto.

   Bode assado é de enlouquecer o paladar quando é bem feito, sem murrinha, e quem sabe fazer bem e do bom é Sonson, um flamenguista ferrenho que mandou pintar o escudo do time na parede do seu restaurante. É tido e havido como dos melhores bodes da região. Faz fila e tem de chegar cedo aos domingos, pois ele despacha a conta certa.
   Carne bem temperada num segredo só dele. No ponto e na altura certa da brasa e na consistência da carne que tem textura de filé mignon e um sabor todo especial que só a carne de bode possui. No restaurante do Hotel Palacios, de doutor Eduardo, o frisson é o ensopado de galinha caipira, que amanhece já exalando sabor só na feitura. As meninas da cozinha capricham, parecendo que se inspiram e transformam um prato do cotidiano numa repasto para os deuses da gula.

   Se o cristão for pensar no colesterol não encara tanta comida. Mas ando fuçando, caçando e correndo atrás de outras iguarias da culinária sertaneja e me bati semana passada com um ensopado de carneiro de comer e agradecer aos deuses numa barraca, acho que do Keko, algo assim, bem na pracinha central da cidade de Valente, onde tem fingidos pórticos romanos decorando a paisagem, sobre uma elevação de pedra de fogo.

   Carneiro, arroz e farinha. Pimenta e uma cervejinha, enquanto a vida passa mansamente e se afasta o estresse da ferrenha campanha política; coisa do momento e que fica na memória para sempre.   T

   Também descobri uma buchada composta de merecer altos elogios, no restaurante Colher de Prata, na entrada da cidade de Queimadas. Buchada com estrutura firme, bucho fino e recheio picado, acompanhado de pirão que dissipa na boca. Uma aventura pantagruélica para deixar meu cardiologista de plantão e minha mulher pronta para encomendar o corpo, pois a alma está completa, satisfeita e feliz.

   Que sejam eternas nossas comidas do sertão, que já foram provadas pelo revolucionário Lampião e sua mulher dona Maria Bonita, pelo visionário Antonio Conselheiro. O pesquisador Oleone Coelho Fontes gosta. Jorge Amado provou e gostou. O criador e gourmet Guilherme Radel indica. O gráfico e empresário Francisco Salles não dispensa.

   O escritor Graciliano Ramos se encantou. Luiz Gonzaga se esbaldou e até Dom Pedro II gostou e aprovou. E, dizem, comeu tanto que se engasgou. Outro dia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comeu e lambeu os beiços, e não digam que ele estava em campanha.

   Os portugueses conhecem o prato e foram eles que nos ensinaram a cozinhar miúdos cobertos, acondicionados, na película extrtaída do estômago do animal (geralmente porcos). Por lá o prato assemelhado à buchada se chama "Maranhos". Um dia desses ensino como se faz. Por enquanto vou me empanturrando e seguindo os passos do beato Conselheiro.

 
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