Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha
20/03/2020 às  11:08

LOBISOMEM DE SERRINHA ENFRENTA O CORONAVIRUS E A NUVEM DE FOGO

Sopa de grilos assusta sua neta Sol achando que era o coronavirus direto da Chin


   Em meus longos anos de vida é a primeira vez que me encontro em isolamento social voluntário diante do invisível e devastador coronavirus. 

  Já havia programado participar do Bacalhau da Barão em dez anos de sua existência, da Procissão do Fogaréu e da caminhada de Ramos, mas, infelizmente não vai ser possível. 

  Se a igreja católica já suspendeu as missas nos interiores das igrejas e evita aglomerações até na Praça São Pedro, no Vaticano, onde os santos são mais poderosos do que os nossos aqui da Serra, quem sou eu para contestar isso e arriscar-me a ir para a cidade dos pés juntos antes da hora. 

  É claro que, esse destino para todas as pessoas não tem hora e o camarada pode morrer a qualquer momento, porém, é melhor prevenir do que remediar. 

  O doutor médico que me atende aqui na Serra já disse que estou na faixa de risco, com idade acima de 70 anos e cardiopata, grupo que o coronavirus adora, que o melhor é ficar em casa fazendo cafuné na minha véia Ester Loura, plantar uns grãos de milho neste momento de São José, tirar o leite de minhas três vaquinhas, colher aipins, recolher os ovos das poedeiras e deixar essa onda passar para voltar ao convivio social lá no Boteco do Teco, no Mercadinho de Sêo Marcel, na Barbearia de Sêo Soté que nos deixou ano passado, no barzinho de Telebahia e assim por diante. 

  Também já baixei um decreto fixando-o na porta dianteira de casa adotando alguns procedimentos, entre eles, proibindo momentaneamente que dona Ester Loura use a Bizz para se deslocar até o shopping local e encontrar-se com suas amigas para convescotes, de igual modo fica proibida de ir ao salão de beleza Charmoso e de participar da roda de pôquer e truco na casa de dona Fulana, não posso citar o nome, e assim por diante.

  Rapaz, foi um pau da Zorra quando Ester leu meu decreto soletrando letra por letra "que eu não mando nela, que ela tem autonomia para decidir o que deve ou não fazer, que sou machista, que sou misógino", foram tantos adjetivos que revoguei o decreto e disse de viva voz que fizesse o que desse em sua telha, lembrando-lhe que seria de sua inteira responsabilidade colocar o coronavirus na minha cacunda uma vez que se isso acontecer poderia ser vizinho do bar Pé na Cova de Pernambuco e lhe imporia tal responsabilidade.

   - Você coloque responsabilidade em cima de suas negas e não comigo porque sei onde frequento, não vou me expor a riscos, ando com meu álcool em gel na bolsa Louis Moleton desde que pipocou esse virus na China e, sem trocadilho da palavra, zelo por meu coroa.

  - Ainda bem, porque você não vai conseguir um coroa bondoso e dedicado a sua senhoria (nessa hora tem que ser protocolar) nem na outra encarnação, nem com a ajuda de dona Olivia espírita, completei, ainda destacando, que sou um lobi rico.

  - Até pode ser em sua vontade, respondeu e obtemperou: - Só não sei onde está essa riqueza que v fala porque estou querendo trocar essa moto Bizz há dois anos e v diz que não pode, tô querendo comprar umas cortinas aqui pra casa que essas aí (apontou) estão quase esfarrapadas e v diz que é pra dar um tempo. A máquina de lavar quebrou e uma nova prometida até agora nada. Estou é desgraçando minhas unhas lavando suas calças e minhas pantalonas e sofrendo o pão que o diabo amassou.

   - Estamos vivendo um momento de crise, pnderei, e esse Covid 19 é um terror. Até no Irã que o povo reza de joelhos 3 vezes ao dia para Alah está morrendo uma pessoa a cada dez minutos. E na terra onde mora o papa Francisco os velhinhos estão morrendo de enxurrada.

   - Sei que estamos vivendo esse momento dramático, mas, minhas demandas caseiras são antigas e não tem relação alguma com o coronavirus. As cortinas do quarto de Leandrinho estão uma peneira. Agora, então, minhas esperanças irão para a China, ponderou Ester.

   - Taí, acho interessante. Aqui na Serra já temos uma loja de chineses que vende de tudo e a preços baratíssimos, mais até do que no tempo de Zé do Alho. Você poderia encomendar uma cortina pra sala lá com Ku-Lee e dona Xana-Bu que autorizo. Desde que não passe de 300 reais, comentei.

   - Com esse valor - considere o tamanho de nossa sala - só cortina de plástico de segunda que dura uma semana. O primeiro vento que vier lá do leste, da direção do sítio do finado Netinho Bacelar, vai se rasgar logo.

   - É o que você pensa. Os produtos chineses agora são bons e resistem anos, comentei.

   - Você mesmo viu o destino daquele maiô que comprei em Ku. No primeiro banho de bica no jorrinho ele mudou de forma. Quando entrei na bica do jorrão, aquela água quente, desmantelou. Quase fico nua - exaltou-se Ester.

   Conversa vai; conversa vem chega da escola minha neta Sol toda satisfeita porque as aulas foram suspensas devido o avanço do coronavirus, como medida de precaução, dá benção aos avós de longe, pergunta o que tem para jantar, ouve da cozinha a secretária Ju Fraldas dizer que será servida uma sopa de grilos com açafrão e intromete-se no diálogo:

  - Meu avô tá certo. A senhora (aponta pra vó) está saindo demais, indo pro shopping toda hora...

   Nem completou a frase e Ester subiu nos tamancos: - Você se respeite e procure seu lugar. Vou no shopping pra pagar as contas aqui de casa, vou no banco pra passear! pra tomar sorvete! só pode. Vá estudar e não ficar se metendo onde não deve.

   - Não está mais aqui quem falou. Estou de férias e vou é selecionar músicas pra cantar com meu avô. desconversou Sol.

   Em instantes entra Ju na sala com a panela contendo a sopa de grilos e ao abri-la um dos bichinhos saltou ma gola da roupa de Sol que saiu correndo e gritando: - Vade retro é o coronavirus da China. 

  Ester saiu correndo para socorrer a neta e quando chegou no quintal havia uma bola de fogo no céu e o pânico se estabeleceu: 

- O mundo está se acabando meu véi. Corre que o fogo tomou conta do céu.

  Eu, nem thcum. Continuei tomando minha sopinha com torradas do pão de Sêo Gilson.


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