Literatura
Rosa de Lima
15/07/2013 às  10:42

ROSA DE LIMA destaca fragilidade da monarquia em "O Castelo de Papel"

Historiadora se detém na figura carola e pouco representativa no reinado de Pedro II, salvo pelo fato de ter assinado a Lei de Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888.


 O papel e a importância do ato da princesa Isabel de Bragança, a princesa imperial que na ausência de seu pai dom Pedro II assinou a lei de Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888, têm sido pouco compreendidos e menosprezados por alguns segmentos organizados da negritude nacional. Isso, quer por desconhecimento de todo movimento abolicionista que antecedeu ao ato; quer por questões de natureza política de afirmação e valorização de Zumbi dos Palmares, entendendo que a Lei Áurea, teria, abolido a escravidão apenas de direito, mas, de fato permaneceu incrustada na sociedade brasileira, em alguns sitios, até os dias atuais.

   Do ponto de vista histórico, no entanto, Isabel pôs fim a um debate que se arrastava há anos. E, sem querer, ou por falta de apetite para governar com seu marido Gastão de Orleans, o conde d'Eu, sepultou a monarquia no país ou um possível III Reinado que chegou a ser tramado pelo seu sobrinho Pedro Augusto, o qual se movimentou para suceder o avô (Pedro II), com apoio de graduados da Marinha, alguns republicanos e membros da Corte promovendo a divisão do Partido Monarquista, o que só fez fortalecer os militares.

   Felizmente, a historiadora Mary del Priore, nos presenteou recentemente com o livro "O Castelo de Papel" (Editora Rocco, 309 páginas, 2013) analisando a personalidade da princesa Isabel, mais do que o movimento abolicionista e os motivos que levaram o fim da monarquia da Casa de Bragança, trazendo à luz dos debates e ao esclarecimento dos leitores a figura meiga e carola da governante, mais preocupada com sua familia e o amor que devotava ao conde d'Eu do que em articular a salvação da monarquia ou mesmo entender o real singnificado da abolição da escravatura, sendo empurrada, levada pelos acontecimentos a assinar a lei, dentro de circunstâncias da benevolência cristã do que qualquer outra coisa.

   O livro de del Priore é revelador da falta de apetite de Isabel pelo poder, qualquer traço ou sinal que pudesse configurar que, mesmo sabendo da gravidade da doença do seu pai, com morte iminente à vista, pudesse lutar ou se organizar para manter a monarquia de pé. 

   O Brasil, assim, passa a ser um dos poucos países no mundo em que aconteceram sem guerras as mudanças de regimes da Colônia para Reino Unido a Portugal e Algarves, a partir de 1808 com a instalação da Corte de Dom joão VI no Rio; daí para o Império com a ascensão de Pedro I, em 1822; e depois para a República, com o marechal Deodoro da Fonseca, em 1889, sem dar um tiro, sem lutas, sem morrer ninguém.

   Com a abolição e o fim da monarquia, o Brasil falido pós guerra do Paraguai, a família real ou o que restou dela, era pura desarticulação. O imperador moribumbo, a essa altura apelidado de "Pedro Banana", a princesa Isabel orando e Gastão de Orleans, este também chamado de "Coveiro da Monarquia", assim que se instalou a República a Corte recebeu um ultimato para deixar o Brasil e se transferir para a Europa. 

   Os Braganças optaram pela França, onde pouco depois Dom Pedro II morre no Hotel Bedford, a 5 de dezembro de 1891. Isabel e Gastão se instalam no interior da França, no litoral Normando, no Castelo d'Eu, onde viveram unidos até a morte, ela, em 14 de novembro de 1921, 32 anos depois de instalada a República no Brasil, já no governo de Epitácio Pessoa, e ele em agosto de 1922, ao regressar com os netos do Brasil, a bordo do Massília, quando acá esteve para comemorar o centenário da Independência do Brasil.

   Em abril de 1971, os restos do casal foram trazidos para o Brasil e estão sepultados em Petrópolis, onde também jazem Dom Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina.

   O interessante no livro de Del Priore está exatamente na narrativa sobre a vida de Isabel, desde sua infância à adolescência, a singularidade desde os primórdios criada com todos os mimos de uma família real em São Cristovão, no Rio de Janeiro; e na região serrana (Teresopolis) onde a familia real passava boa parte do ano. Foi primorosamente educada e Dom Pedro II conseguiu um fantástico e até inesperado casamento para ela, dada a sua feiura, com um homem bonito e valente, dos Orleans, acostumado às lides da guerra.
Isabel, no entanto, era uma personalidade futil, preocupada em ir às compras na Europa, em frequentar as missas e as igrejas no Brasil, pouco se interessava pela vida politica da Corte controlada por seu pai e pelo Barão de Cotegipe, pelo Visconde de Ouro Preto e outros áulicos. 

   Dom Pedro II nunca deu trela a Gastão e este também nunca se rebelou, mesmo quando foi para a Guerra do Paraguai e retornou vivo ao Brasil. Mostrou-se um acomodado, um refinote da Corte que amava cavalgar e namorar Isabel. Sequer conhece-se casos de Gastão com alguma dama da Corte. De Isabel, muito menos. Viveram um para o outro, sempre, como aqueles principes dos contos de fadas, eternamente adorados.

   Quem está acostumado a ler os livros didáticos de história do Brasil que trata Isabel como a "Redentora", o "Arcanjo da Liberdade", entre outras adjetivações, vai verificar neste livro que a princesa, de fato, teve o mérito de assinar a lei, mais até por um ato burocrático e de pressão dos abolicionistas do que por uma determinação, por uma consciência de que deveria libertar os escravos dentro de um contexto internacional que era circulante no mundo nesse final do século XIX.


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