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24/01/2017 às 21:25

Crônica: El mexicano Ramón volta a Bahia e leva um fora da professora

Mexica promete trazer a nieta Romanita para fazer dueto à moda Chiquititas

Tasso Franco

 Quanto mais rezo, mais assombração me aparece. Estava tomando uma gelada na tenda de dona Dora, na praia de Vilas do Atlântico, em Lauro de Freitas, quando vejo à minha frente sentado numa cadeira de praia o mexicano Ramón Alvarez, aquele mesmo camarada que, em 2016, assentou praça aqui em Lauro até a semana santa tocando nos bares e fazendo bicos nas residências como piscineiro. Suponho, pois, que esteja de volta para uma nova temporada.

   - Irmão em Cristo, vosmincê aqui de novo, nem acredito - cumprimentei-o.

   - De novo e precisando de sua ajuda porque se aqui há crise, no México é bom pior, o novo presidente dos EUA, Donald Trump, está querendo até fazer um muro na fronteira entre os dois países para evitar invasão de nossos hermanos para lá, e ainda quer que a gente banque, os mexicas paguem el muro, fraseou.

   - Diria ao amigo que a situação aqui no Brasil também não está para peixe e vejo que sua cuia de queijo está vazia e não conseguiste nada até agora - comentei observando que Ramón pedia adjutórios aos passantes, mesmo sentado à beira mar e tomando uma gelada.

   - Já consegui alguma coisa. Não foi muito mas dá pro acarajé e pra gelada. Assinei um contrato para tocar numa barraca de praia até o final do verão e com isso estou garantido, afiançou.

   - E onde estás hospedado aqui em Vilas? - questionei.

   - Aqui tudo é muito caro. Aluguei uma casinha no Portão, creio de uma parente da finada Mirinha, e como só tenho minha viola, meu sombrero e poucas roupas, pago pouco e fico numa boa. 

   - É! mas tem o transporte e a possibilidade de sua casinha ser arrombada lá no Portão, área que o povo diz ser muito violenta.

   ​- Que violenta que nada. Violento é o México. Tô pensando até em trazer minha nieta Romanita para ficar uns dias acá comigo. Estou ensinando ela a cantar e quem sabe pode dar uma palhinha no Galpão num programa para crianças no modelo das chiquititas.

   - Taí, seria uma boa, mas, como lhe falei o verão só está pra tubarão e até alguns shows já foram cancelados devido a falta de público sem capilé para pagar 20 dólares só de entrada.

   - Seja como for estou bem aqui e até vou lhe convidar pra gente tomar uma gelada já que minha latinha está acabando.

   - Você está insinuando que eu que terei de pagar mais uma latinha para o nobre Malaguena! É isso?

   - Ora, Sêo Franco, isso não vai abalar suas finanças e ajudar ao próximo não faz parte do seu lema? - questinou.

   - Fazer, faz. Mas, para pessoas necessitadas e não para malandros - com licença da palavra - como usted.

   - Malandro de coração aberto, de alma bondosa, um cantante que quando diz que é amigo de uma pessoa é amigo de verdade, que não ilude ninguém e que é devoto de Nossa Senhora Guadalupe, portanto, hombre de palavra.

   - Não venha com esse lero-lero estilo Gil porque isso não cola comigo. Vou pedir a dona Dora um superlatão para a gente dividir.

   - Não dá também pro amigo pedir uma porção de acarajé. Estou com a vontade enorme de comer uns acarajés, pois, desde que voltei para Merida nunca mais saboreei essa delicia baiana.

   -Não disse que v tava me embromando. Lhe ofereco um dedo e v quer logo a mão toda. 

   - Tô com a janta de ayer Sêo Franco e a barriga tá dando unas roncadas terríveis, comentou passando as mãos sobre o ventre.

   - E porque ao invés de v está tomando cerveja não gastou o dinheiro com um queijo coalho?

   - A gelada, é sempre a gelada. E neste calorão que faz aqui na Bahia, como o povo de acá fala que desce redonda, e eu gostei desse slogan e o coalho ficaria para depois, tanto que o anjo Gabriel mandou o senhor do Céu e aqui está ao meu lado.

   Chamei por Geovana, a garçonete filha de dona Dora e pedi um superlatão e uma porção de acarajés dos miudos, no prato, com vatapá, caruru e tudo mais que teriamos direito.

   - Não disse. O senhor é um homem abençoado por Deus. Como vai sua esposa, dona Florzinha, aquela outra pessoa bondosa de todo coração?

   - Ela está vindo para a praia e daqui a pouco estará aqui. E vem com uma irmã professora que está abonada, com forte capilé, e quem sabe pode até tirar sua barriga da fome.

   - Benza Deus! - Ramón falou e ajoelhou-se na areia da praia.

   - E como é o nome dessa santa? 

   - Você já quer saber o nome da professora para ensair seu lero-lero pra cima dela. Não vou lhe dizer nada. Quando ela chegar você pergunta.

   Nisso ficamos tomando o superlatão e beliscando o acarajá quando chega Florzinha e a mestra em Geografia paracendo até que iriam para um baile, ambas no estilo Val Marchiore com aqueles bolsas de praia enorme, óculos de grife e lábios pintados.

   Apresentei-as a Ramón. Florzinha foi logo dizendo: - Esse já conheço de outros carnavais e acenou para o Mexica dando-o boas vindas.

   Depois, Florzinha apresentou sua irmã: - Esta é mi hermana.

   - Muchas gracias - respondeu Ramón - dizendo que já ouvira falar nela desde 2016, quando prometera empregá-lo no fábrica de bolos na Serra, diante possibilidade de conhecer o Bacalhau da Barão.

   - Ah! o senhor que é o tal do Ramon, el cantante, disse a professora.

   - Si, grande mestra, sou yo mismo.

   Florzinha interveiro: - Não dê ousadia a ele senão vai querer tirar algum proveito.

   - Que é isso, dona Florzinha, só iriamos pedir a ela - yo e Sêo Franco - me colocando no bolo, uma nova rodada de latões e um pratinho de acarajés, pois um anjo do Céu me disse que a bolsa dela está recheada de verdinhas.

   - Que verdinhas Sêo Ramón! ganho em real e mal dá pra comprar meus sapatos - sorriu. 

    Florzinha gargalhou.

   - É isso, as verdinhas que falei não sáo dólares. São as notas de R$100,00 do bendito real, as garoupas.

   - Olhe Sêo Ramón, essas verdinhas de R$100,00 ganho com muito suor, aulas e aulas, ano a ano. Vá catar cavaco noutro terreiro porque nesse aqui - bateu com a mão na bolsa - você não vai levar nada.

   Fiquei só astuciando e dando minhas risadinhas de hiena, o sol forte honrando o verão e bebendo minha gelada.

   - Sêo Franco, o mexica dirigiu-se a mim, a professora não é moleza não, não deu-me sequer uma piaba quanto mais uma nota da garoupa.


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