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23/08/2015 às 21:51

NADA PESSOAL: A solidão do intelectual negro

Fernando Conceição é jornalista

Fernando Conceição

EM UM CHURRASCO fevereiro passado prometi a colegas presentes que escreveria um artigo descompromissado sobre essa temática. Brasilmulticor

Não conheço um intelectual negro ou negra que seja casado e esteja bem com uma intelectual negra ou negro.

Casado ou junto e convivendo produtivamente bem. Não precisa ser exatamente um casal de intelectuais negros, homem e mulher. Ainda que sujeito a todas as injunções e problemas comuns da convivência sob o mesmo teto.

Pode ser pretensos intelectuais. Digamos acadêmicos, com alguma inteligência um pouco acima da média ou do ordinary people, a camada subalternizada de onde todos os negros do Brasil viemos.

Mesmo no mundo das estrelas, do show business, dos esportistas e apresentadores de televisão, isso é raro. Na esfera política, alguém aponta um? Exceção não vale.

Conclusão? Os negros no Brasil não têm exemplos de intelectuais negros, homem ou mulher, que sejam modelos de casal harmonioso.

Por que isso? Minha tese é a de que, por circunstâncias históricas motivadas pela brutalidade do escravismo, os negros no Brasil cultivam em seu ego o instinto de autodestruição. Estão propensos a relações conflitivas, de desconfiança. De desassosego, de competição destrutiva entre si.

Em decorrência, o homem (ou a mulher) negro que ascende intelectualmente encontra mais conforto e uma melhor socioambiência ao lado de uma mulher branca (ou homem branco) com qualificação similar. Esses não se vêem, assim, necessariamente como adversários.

A recíproca é a mesma, tintim por tintim, com a mulher negra intelectual: o homem branco tende a lhe ser mais compreensível, mais adocicado. Mais “companheiro”.

O que temos no Brasil como modelos de pensadores, ativistas, acadêmicos, empresários etc. negros, seja homem ou mulher, todos os que ascenderam a uma posição de melhor estabilidade socioeconômica levados pelo investimento na ciência e no conhecimento, quase sem exceção optaram por constituir família com brancos.

O intelectual negro, homem ou mulher, que não buscou ou não encontrou essa alternativa, comumente transita entre a solidão e a ansiedade.

Quer que cite-os? Não seria necessário. Basta um pequeno esforço de memória ou de olhar. Aliás, ativistas do Movimento Negro casado(s) com branco(a)s em geral escondem o parceiro nas atividades públicas. Vai saber por que!

Na medida em que a solidez do conhecimento acadêmico ocorre em meia-idade, vemos esses seres em público sempre afetivamente sozinhos. Nos cinemas. Nos teatros. Nos bares. Nos restaurantes. Nas festas. Estão sempre sós.

São pessoas bonitas, interessantes, algumas financeiramente bem resolvidas, que por trás da esfinge sorridente já devem ter se convencido, tristemente, do destino solitário. Os amigos ou os parentes estão aí ao seu socorro. Ou então um cãozinho ou gato de estimação.

AO ANALISAR DADOS censitários da década de 1980, a demógrafa Elza Berquó publicou um artigo na Folha de S. Paulo, que li à época, cujo título era emblemático: “A solidão da mulher negra”.

Em síntese Berquó considera a existência de um mercado da afetividade que, no Brasil, desfavorecia a mulher em geral. Ela forma a maioria da população. Portanto, se há mais mulher que homem na sociedade, este último tem mais opções de escolha.

Mesmo considerando estatisticamente o pequeno número de homossexuais masculinos ou femininos, sobrará sempre mais mulheres para os homens escolherem. Não estou a fazer nenhum juízo de valor, se isso é bom ou ruim. É fato demográfico.

Os dados censitários demonstram que no Brasil historicamente varia em torno de 16% o índice de casamentos (ou junções) entre brancos e negros. A maioria localizada no estrato social de baixo poder aquisitivo.

Ao estudar o assunto, Berquó verificou uma tendência: a mulher branca e o homem branco levam mais vantagem na disputa afetiva em relação à mulher negra e ao homem negro.

A mulher branca tende a manter seu casamento com o homem branco por mais tempo. Os casais negros estão mais sujeitos à separação. Nesse particular, há estudos científicos informando a instabilidade econômica e a assimetria financeira como fatores importantes nos divórcios de quaisquer casais, independentemente da cor.

Contudo, o homem negro separado, mesmo em idade madura – da mesma forma que o branco -, por questões de demanda e oferta, tem maiores chances de achar uma parceira que a mulher negra separada. Esta, dizia a demógrafa, quanto mais a idade em que se separa avança, tende a ficar só.

A primeira opção de casamento do homem branco letrado é uma mulher branca. E quando opta por uma negra, esta em geral tem atributos superiores a uma simples mortal. Isso permanece se aquele homem branco também avança na idade: encontrará, se assim buscar, uma jovem negra como oferta do mercado afetivo.

O mesmo não se daria com o homem negro que busca uma mulher branca. O comum é que esta não seja portadora daqueles mesmos atributos acima mencionados. É provável que já tenha “passado do ponto”, vez que sua experiência é no mínimo de segunda mão.
NO APRAZÍVEL churrasco de fevereiro a amiga e jornalista Sueide Oliveira (que mudou o sobrenome para Kintê, não me pergunte por quais cargas d´água) estava presente e logo a seguir publicou um texto em torno do assunto. Com tergiversações que, a pedido dela, critiquei.

Aliás, uso acima o adjetivo harmonioso em substituição a feliz, para falar de casais que vivem juntos.

Faço-o por ser schopenhauerniano e não acreditar em felicidade como um bem comum e permanente a todos. Isso só se for à base de estimulantes químicos, mas a ressaca depressiva pode ser pior.

A felicidade é um estado experimental volátil na triste existência humana, cujo estado comum é a danação.

Tudo trabalha a favor da dor, não o contrário. Pode-se, ao máximo, almejar ter momentos felizes. Na maior parte do tempo a vida é chateação, tédio, ciúme, mesquinharia, inveja, traição e covardia. Além de pagamento de contas, se você não é um Luiz Inácio Lula da Silva.


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