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10/08/2014 às 09:55

ANDRÉ SETARO: Quando morre um mestre

O calor de nossas conversas e confabulações adveio de um construto paulatino.

Fernando Conceição

POR VOLTA das 13h30 de 10 de julho 2014, em casa no repouso após repasto, recebo uma ligação no celular. Na tela, a identificação da chamada. Atendí à intimidade habitual, fruto de anos de convivência. “- Diga, Setaro!”

O calor de nossas conversas e confabulações adveio de um construto paulatino. Como seu aluno de cinema na Escola de Biblioteconomia e Comunicação (após, Facom/UFBA). Depois como parceiro no alternativo Província da Bahia e…

Nos recentes 13 anos colegas. Professor que me tornei na mesma faculdade na qual ele ensinou por mais de 35 anos, já pra se aposentar neste agosto.

Muito mais que apensas colegas, amigos. Confidentes. Nem sei se amigos, porque o máximo que se pode almejar quando se está diante de um mestre como André Olivieri Setaro é contar em ser aceito por ele em sua roda. Generoso como foi, ele se permitia ser tratado como um igual.

Ocorre que a minha estatura moral impunha-me reverência, consideração e respeito. Minha falta de polidez, as marcas e mágoas tatuadas em minha alma pelo caminhar da labuta, faziam com que jamais ousasse ir além da sua permissão.

Em junho de 2013, Setaro lidera grupo na inscrição de candidatura alternativa à "gente miúda" da Faculdade da qual era decano e amado por estudantes
Em junho de 2013, Setaro, sempre com bom humor, lidera grupo na inscrição de candidatura alternativa à “gente miúda” da Faculdade na qual era decano e amado por estudantes. Veja em vídeo o que ele diz

De todos os milhares de alunos que por ele passaram, no último decênio o que mais admirava é o excelente Claudio Leal – subeditor do Província, hoje aí pelo mundo. A recíproca é verdadeira.

Na Facom o técnico-administrativo Romenil Silva foi não apenas seu confabulador. Os dois, seja em relações institucionais seja na vida para além do campus, mantiveram ao longo do tempo uma proximidade de irmãos que se querem bem. E que são pau para toda a obra.
Da Facom já havia perdido as esperanças. Essa faculdade deixara-se ocupar e sitiar-se por sacristãos e Ricardos 3ºs (aí ele citava, e bem, Shakespeare ou Machado de Assis). Gente miúda que, evidentemente, o enfadava e o aporrinhava em miudezas torpes.

A 12 de março deste 2014 ele pode dizer isso e outras tantas coisas perante um juiz federal. Cercado pelo supra-sumo daquela mesma gente, que teve de ouvir calada. Não poderia André Setaro morrer, como o fez a um mês, sem antes nos deixar um testemunho de coragem e honradez – coisas raras em nosso meio.

Era a viúva dele do outro lado da linha, solicitando apoio. Para ela e a filha que deixou no começo da tarde desse 10 de julho de 2014.

Em 2004, por aí, quando o jornalista Zé Américo dirigia a TV-E/Bahia, me pediu um projeto de programa. Convidei alguns candidatos a âncora e chamei Setaro para gravar o piloto. Entrevistas improvisadas em cima da hora, que tentasse explorar o desempenho de cada um. O resultado? Clique e assista do 1 ao 15. Setaro, impagável!


https://www.bahiaja.com.br/artigo/2014/08/10/andre-setaro-quando-morre-um-mestre,798,0.html