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18/05/2014 às 10:31

MÉXICO: Uma sociedade entre o contemporâneo e o antigo

O mexicano é fechado e ao mesmo tempo alegre, impenetrável em sua cultura

Tasso Franco

Sempre tive muita vontade de conhecer o México. Desde garoto, quando frequentava a matinée do cinema em Serrinha, aos domingos, passava os seriados de O Zorro, Tom Mix e os filmes de cowboys norte-americanos. Vem daí a minha memória dos personagens mexicanos, aqueles "bandidos" com cartucheiras cruzadas nos peitos, bigodões, portando sombreros e imensos revólveres, quase sempre levando a pior para os gringos do Norte e até para os indios apaches e outros.

   Depois passou no meu caminho e de milhares de brasileiros a figura de Cantinflas (Fortino Mario Alfonso Moreno Reys) com aquele bigodinho ridículo, uma espécie de Jeca Tatu mexicano que fez tanto sucesso nas telas, as aventuras do revolucionário Emiliano Zapata Salazar, líder da Revolução de 1910, as músicas dos boleros apaixonados de Agustin Lara, e as canções populares Malageña Selerosa e Cielito Lindo (ay, ay, ay, ay, canta no llores/ porque cantando se alegran/Cielito Lindo, los corazones), executada no Brasil com a versão ai, ai, ai, ai/ está chegando a hora/ o dia já vem raiando/ eu tenho que ir embora. (no espanhol a música fala em cantar para não chorar).

   Só lembrando, o México sediou os Jogos Olimpicos, em 1968, com abertura no Estádio Asteca, transmitido pela TV (lances) em p&b e dois anos depois uma Copa do Mundo vencida pelo Brasil já com TV a cores. A primeira transmissão de TV a cores no Brasil.

   Só recentemente tive a oportunidade de conhecer o México depois de já ter ido ao Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Colombia. Um erro. Foram apenas 12 dias mas deu para verificar, ainda que superficialmente, a importância da cultura pré-hispânica no México (astecas, toltecas, mayas, etc) e como este povo está apegado às ruas raizes.

   Octávio Paz Lozano, um dos maiores escritores mexicanos, Prêmio Nobel de Literatura de 1990 (o Brasil nunca teve um Nobel) diz em seu "O Labirinto da Solidão", um dos melhores livros sobre o México e sua gente, a história e o comportamento humano, que o "México (para o europeu) é um país à margem da História Universal e tudo o que rodeia a sociedade aparece estranho e impenetrável". 

   Ao conhecer o México, tem-se, de fato, essa impressão: que o México é dos mexicanos e nós visitantes podemos desfrutar de sua cultura, de sua música, de sua culinária, mas não podemos penetrar na sua singularidade, na sua sociedade, na sua intimidade. 

   Os mexicanos são alegres, mas, ao mesmo tempo cerrados (fechados), se miscigenam pouquissimo, têm uma ojeriza patriótica aos EUA que lhes roubaram parte do seu território, e defende com unhas e dentes o que é seu e sagrado, a cultura, o petróleo, a energia, o espaço aéreo e assim por diante. 

   Parece-nos uma estatização excessiva, o que faz com que o México avance pouco nas relações internacionais, na sua industrualização (só agora um pouco mais pujante) o que denota, um pouco, a cara de um país rural.

    Paz diz que os campesinos (camponeses) remotos, "arcaicos no vestir e falar, parcos, amantes em expressar-se em formas e fórmulas tradicionais exercem sempre uma fascinação sobre o homem urbano. Em todas as partes representam o elemento mais antigo e secreto da sociedade. Para todos, exceto para eles mesmos, encarna o oculto, o escondido". 

   Sobre a mulher diz: "É outro dos seres que vive a parte, uma figura enigmática. Melhor dizendo, é o enigma".

   Embora o livro de Paz tenha sido escrito em meados do século passado e a sociedade mexicana já evoluiu bastante, houve uma intensa urbanização especialmente na cidade do México com seus 26 milhões de habitantes, vive-se essa dicotomia entre o urbano e o rural, com os campesinos que vieram habitar as favelas dos cerros e residem nesse mesmo grande sitio urbano, e aí percebe-se nitidamente esses valores da sociedade.

    Há um fascínio no México, uma curiosidade, uma magia quando se visita um centro religioso católico ou um sitio arqueológico . Tem-se a impressão de se presenciar o passado e de se entender o presente, sem o distanciamento de uma coisa da outra. 

    Os mexicanos ainda carregam pesadas cargas de seus produtos em artesanato como os mays conduziam as cargas de cacau nas montanhas de Chiapas conduzindo-as com a força de suas cabeças; e adoram a virgem de Guadalupe como se fora uma reencarnação ou à smelhança do que faziam com Tonantizin, a madre (mãe) deusa da fertilidade dos astecas.

    Não é nada fácil entender a cultura mexicana. Ou melhor, para se aproximar da sociedade mexicana atual, mesmo a urbana, tem-se que navegar nos conhecimentos das culturas ré-hispânicas, dos mayas, toltecas, zoltecas, astecas, etc. Ao contrário do Brasil, onde as culturas pré-portuguesas não são levadas em consideração, salvo em restritos locais, no México isso permeia quase toda a sociedade, mesmo entre os mais jovens-urbanos.

   No interior, então, isso é muito forte, quase apaixonante e os chamãs ainda usam métodos bem parecidos com que usavam seus antepassados. E o povo tem uma crença enorme nessas pessoas como agiam os feiticeiros da época da cultura maya ofertando-lhes presentes (galinhas, galos, frutas, etc) como pagos por seus trabalhos.

   Uma viagem ao México propicia tudo isso ao mesmo tempo: vê-se a expansão urbana nas grandes cidades, um país mais contemporâneo e antenado com o que se passa no mundo; vê-se a impressionante cultura pré-hispânica nos sitios arqueológicos (e já são mais de 200 catalogados e analisados pelos estudiosos) que pode ser percorridos pelos turistas; e vê-se as comunidades rurais ou pequenas cidades com suas culturas bem arraigadas.

    Segundo Paz, a morte no México é o espelho da vida. "Nuestro culto a la murte es o culto a la vida". Nunca vi nada igual. Herança das culturas pré-hispânicas quando mayas e astecas, entre outros povos, executavam prisioneiros e outros de casta menor em oferenda aos Deuses (dizem que as escadarias dos templos eram lavadas com sangue), o culto ou a intimidade com a morte é inclusive vendida aos turistas com caveiras estilizadas de todos os tamanhos e modelos, a figura do diabo, caixões e assim por diante. 

    É um caldo de cultura onde a morte, a real, possui uma importância decisiva na vida dos mexicanos. Chora-se, dança-se, festeja-se se é que podemos assim dizer embora eu não tenha participado de nenhum funeral para verificar isso de perto. Segundo Octávio Paz, o "mexicano se abre diante da morte".
 Ainda segundo Paz, a mulher mexicana é um ser inferior, de uma "inferioridade constitucional", por ser "obscura, passiva e secreta". Nas grandes cidades não se percebe mais isso. A mulher é contemporânea, salvo em bairros mais populares. Já no interior tem-se essa impressão (ou confirmação) dessa submissão patriarcal da mulher. Nas comunidades indígenas são as mulheres que trabalham no artesanato e nas vendas de peças nas ruas da cidade. As mulheres e os niños. Não se vêem homens nessa condição. 

    Na opinião de Octávio Paz, mesmo depois de 100 anos de lutas (pós independência da Espanha) "o povo se encontra mais do que nunca empobrecido em sua vida religiosa, humilhado em sua cultura popular". Ou seja, o México, depois de romper com a Espanha e nas lutas da Revolução de 1910 não conseguiu criar uma sociedade moderna, como aconteceu com seu vizinho, os Estados Unidos.

    Nesse aspecto, o México se parece muito com o Brasil, ainda que não tivéssemos acá lutas revolucionárias como no México, e a proclamação de nossa República fosse apenas na base do grito. Mas, o que se sucedeu no México com os caudilhos pós Revolução (Cárdenas, Vilas, Santana, etc) se passou com o Brasil com os presidentes da República café com leite e sequer se aproveitou a primeira revolção industrial, ainda que o Barão de Mauá tivesse tentado.


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