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28/10/2017 às 11:56

Homenagem a Paulinho Baiano e recuerdos de Conquista

Mal sabia que estava prestes a viajar num roteiro, capaz de me fazer entender que existem tipos diferentes de saudade

Valdir Barbosa


Fiquei de encontrar meu caríssimo Leo, amizade que herdei do pai, Leônidas Cardoso, quando deputado, líder do governo, responsável por me fazer designado Delegado Regional de Polícia, nesta querida Vitória da Conquista, isto na década de oitenta.

Pus-me então de pé, na manhã de ontem, no canto onde me abrigo, a pousada instalada no alto da serra do Periperi envolvida de um lado pela Br 116 e por outro, pelo Cristo que abraça a cidade aos seus pés. Após o repasto matinal segui andando em destino a Diamantina, revenda de veículos onde o moço é executivo.

Beirava dez horas quando parti, sob sol forte que esquentou a cidade durante todo o dia findo tendo decidido, da forma como faço nas oportunidades em que empreendo caminhadas com maior grau de dificuldade, dividir mentalmente o percurso em quadrantes que vão sendo paulatinamente alcançados, de forma por fazer parecer mais leve o sacrifício de atingir a meta pretendida.

Mal sabia que estava prestes a viajar num roteiro, capaz de me fazer entender que existem tipos diferentes de saudade. Saindo em passos largos, logo após iniciar a descida, ainda na área do hotel defini como primeiro destino, a praça onde existe pequeno mercado de flores, ponto de táxi, encruzilhada que leva transeuntes aos quatro cantos da cidade e ali cheguei. Continuei varando a Laudiceia Gusmão já pensando no próximo alvo e continuei ligeiro.

Adiante, cruzei a Regis Pacheco, sob o viaduto cognominado pelo povo, Bigode de Pedral, assim, minutos depois vislumbrei o segundo objetivo, justo a confluência que esbarra na capela do São Vicente. Porém, apesar de haver velado na ermida, muitos amigos que já se foram, todos inesquecíveis, o pensamento pulou para o lado oposto da rua e me vi diante do corpo inerte de Chico Viola, na manhã que cheguei para seu velório. Senti uma saudade sem dor, ouvi os acordes do violão preso ao seu peito, nas tertúlias tantas às quais nos entregamos e meus passos se deixaram embalar pelos boleros tão bem cantados por ele.

Ao passar pela lateral do Ginásio de Esportes parei alguns segundo e fotografei um lindo bougainville, com suas pétalas encarnadas. No dorso da tecnologia moderna fiz chegadas as flores ao meu delicado amor, minha doce esposa, Roberta, e ela, quase que imediatamente recebeu o mimo, postada centenas de quilômetros longe de mim. Naquela hora fui tomado por uma saudade gostosa, na certeza de que hoje, finalmente, estarei nos seus braços, após uma semana de ausência necessária, frente a compromissos sociais e de negócios.

 Então, a voz de Israel foi substituída pelos sentidos todos que dominam meu ser ao pensar nela, aliás, coisa que faço praticamente o tempo inteiro, se não estou do seu lado.

Mas, se as reminiscências de nosso viver recrudesceram quando passei na porta do Samur, canto onde a conheci trabalhando, de onde partiu para me seguir e fazer carreira de sucesso na profissão que abraçou, hoje psicóloga, mestre e doutoranda, responsável por instituto onde são aplicadas terapias holísticas, na capital do estado. Portanto aquele prédio que fui deixando para trás teria o condão de acelerar as emoções deste calejado homem de polícia, ao recordar do genesis de um amor, responsável por nos fazer unidos há quase vinte anos e, por inegável, isto verdadeiramente ocorreu.

Porém, quando dobrei a esquina e cruzei a porta principal da casa de saúde, no intuito de alcançar a terceira etapa da viagem, ponto que conduz os que chegam da estrada Ilhéus-Conquista e partem do centro em direção a ela, ou no rumo Rio-Bahia, esta, ultima a via que me faria chegar ao destino pretendido senti uma saudade dorida. A derradeira vez que entrei naquele nosocômio foi para visitar meu dileto e querido Paulinho Baiano. Estava lúcido, esperançoso, ladeado pelo filho e amigos.

Apesar de ter sido informado que seu estado de saúde inspirava muitos cuidados, ao ter findado a visita, jamais poderia supor que seria aquela, a derradeira vez na qual iria vê-lo neste plano atual. Creio firmemente na transcendência da vida e entendo, lamentações demasiadas, face ao luto atrasam o caminhar daqueles que se vão e precisam estar libertos das amarras passadas, por isto evito reclamar de forma enfática as ausências, mesmo porque elas não são definitivas, em algum tempo e algum lugar haveremos todos de nos reencontrar outra vez. Porém, não posso negar, enquanto subia a ladeira onde finalizaria meu percurso, alguns passantes notaram que as lágrimas rolavam no meu rosto.

Paulinho, nascido em berço fecundo, bem formado, bom filho, extremoso pai teve vida abundante. Conheceu o mundo, conviveu com figuras das artes, da ciência, ocupou postos importantes na área publica e privada da Bahia tendo por fim, se dedicado a laborar atuando no ramo de prazeres dos quais mais gostava. Beber e comer.

Testemunhei a inauguração de um dos melhores restaurante de Salvador, o Amado, sob sua batuta, o vi fazer nascerem o Bistrô, e a adega de rótulos finos, Box 111 em Conquista. Inúmeras tardes e noites inolvidáveis pude privar da sua companhia nestas casas, entre generosas doses de wisky, deliciosas taças de vinho provando finas iguarias, conversando amenidades, ou aprendendo nas revelações de suas experiências. Tudo isto passava em minha mente como um filme nítido e a saudade incomodava.

Vencendo a subida, já visualizando a concessionária para onde me dirigia, assim como outras que estão no entorno dissipei o sofrimento, pois, mesmo pensando nele volvi ao tempo em que iniciei minha carreira, mais de quarenta anos atrás recordando que naquele canto, as casinhas, com suas lâmpadas vermelhas nas portas recebiam as moças vendedoras de corpos.

Não tive saudades, posto nenhuma delas me ofertou favores, sempre preferi viajar no rumo das conquistas desinteressadas, quiçá tenha escolhido este sítio como segunda urbe, por força do nome, muito embora entenda que foi o destino e a terra quem me escolheram. Mas, não nego que por força da profissão, ou para passar o tempo com amigos tantos, assim como Paulinho tomei muitos tragos ali, por isto a recordação, não a saudade, invadiu meu pensar.

Finalmente recebi o abraço de Leo. Secretaria simpática ofereceu ao visitante grande copo d’água sorvido de um só gole, tendo repetido a dose. Pusemos a prosa em dia, não deixei de falar sobre estes assuntos que agora relato e dos tipos de saudades vivenciadas naquela manhã. Beirava meio dia, quando a bordo de veículo ultramoderno fui conduzido por meu anfitrião ao centro da cidade. Encontrei no bar do posto, em frente ao Hiper, uma plêiade de outros amigos, dentre eles, Bira Bigode. Daí em diante foram apenas sorrisos.

Hoje será celebrada a missa de trigésimo dia, pela passagem do inolvidável Paulinho Baiano. Não estarei presente, já havia marcado voo para Salvador no mesmo horário, mas estarei lá em pensamento rogando ao Pai Celestial que o faça caminhar leve, nas novas veredas onde se encontra.


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