Cultura

A BRASILEIRA DO CHIADO CAFÉ COM GOSTO DE BRASIL NO CORAÇÃO DE LISBOA

É a 32ª do livro de TF Lisboa como você nunca viu, no wattpad
Tasso Franco , da redação em Salvador | 11/07/2020 às 08:04
O café mais charmoso de Lisboa
Foto: BJA
   O jornalista Tasso Franco publicou neste sábado, 11, a 32ª crônica em seu livro Lisboa como você nunca viu, a pensão do amor no aplicativo literário wattpad. Veja abaixo a crônica sobre o Café A Brazileira e todas as demais no wattpad.

A BRASILEIRA DO CHIADO CAFÉ COM GOSTO DE BRASIL NO CORAÇÃO DE LISBOA

 
Creio que quase todos os brasileiros que vão à Lisboa - a negócios, em turismo, à estudos, ou mesmo àqueles em excursões de primeira viagem que incluem outras capitais europeias nos seus roteiros começando a visita pela capital portuguesa, passam ou se sentam para um lanche no Café A Brazileira (originalmente com z, hoje, A Brasileira) do Chiado. Está no coração da cidade, mais do que isso, na aorta do Chiado, área que representa o ponto cardeal mais importante da czarina do Tejo.

Eu, de minha parte, desde a década de 1980 por lá vou, ando, sento em suas mesas internas e externas para um curto, um berliner, uma pata de veado, um charuto, ainda que este último guarde-o no bolso para não incomodar o alheio e baforo-o na ladeira passando a livraria Bertrand. E, claro, sento-me na cadeira vazia ao lado da estátua de Fernando Pessoa, assíduo frequentador do café, para sentir-me poeta por alguns segundos e quem sabe beber a sua sabedoria.

Dá última vez que lá estive, em janeiro último, o largo estava em obras e Pessoa cercado por arames ao seu redor e avisos em tabuletas da construtora que ali fazia obras, a dizer que o local estaria afundando e precisava um reforço em estruturas. Pessoa preso numa jaula a céu aberto pareceu-me prosaico e creio que o próprio se o visse em tal situação não aprovaria a ideia, pois, embora a solidão, a discrição, o andar a só pelo Chiado em direção à Baixa ou até a Rua dos Dourados onde trabalhava fosse o seu forte, amava a liberdade.

O Café A Brazileira (ainda com z porque estamos falando de memória) tem uma longa história. Foi fundada por Adriano Soares Teles do Vale, em 19 de novembro de 1910, na Rua Garret, números 120-122, e vendia o café brasileiro. Teles, nascido em Alvarenga, concelho de Arouca, Aveiro, em 1859, emigrou para o Brasil no final do século XIX e acá fundou uma casa comercial chamada "Ao Preço Fixo", em Minas Gerais.

Bonitão, largo bigode, casou-se com a filha de um fazendeiro de café das Gerais, Guilhermina Fernandes Guimarães, e também se dedicou ao cultivo do café, antes do petróleo, o ouro negro brasileiro. Regressou rico a Portugal no início do século XX, diz-se que para tratar em lugar mais avançado em medicina da saúde de Guilhermina.

A esposa faleceu e ele nunca mais voltou a morar no Brasil. Criou uma rede de pontos de venda do café brasileiro que produzia e importava da marca "as brasileiras", em Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Coimbra e Sevilha (Espanha).

Com a morte da esposa Guilhermina, com quem Teles e teve dois filhos, Teófilo e Artur; Adriano casou-se em segunda núpcias com Emília Dulce Peres de Noronha, com quem teve mais dois filhos a saber Inocêncio e José.

O que fez elevar a fama de "A Brasileira", além da boa mesa, foi o fato de Adriano Teles ser amante da cultura, em especial, com pendores à música e a pintura. Fundou a Banda Alvarenga financiando com o dinheiro dos cafés seus instrumentos e tornou o café do Chiado o primeiro centro cultural da arte moderna de Lisboa.

Diz-se que era fascinado pelos escritos da efémera revista Orpheu (só circulou dois números) criada por Luis de Montalvor e Ronald de Carvalho, editor Antonio Ferro, onde pontuavam nomes da literatura local, entre eles, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e José de Almada Negreiros. Esses literatos, por postos, fregueses do seu café. A Orpheu deu o que falar e criou fama.

Com a proclamação da República portuguesa, em 5 de outubro de 1910, a queda de Dom Manuel II, o fim da Casa de Bragança, e a instalação do Directório Republicano no Largo de São Carlos, o café de Teles, A Brazileira (ainda com z) torna-se um local de encontro dos mais concorridos dos republicanos. 

A fama só crescia e engalanava o local com tertúlias e debates. Em 1925, onze telas de sete pintores portugueses selecionadas por José Pacheko mostravam a nova geração das artes visuais da cidade. Lá estavam em expo trabalhos de Almada Negreiros, Antonio Soares, Eduardo Viana, Jorge Barreiros, Bernardo Marques, Manuel Baptista, Nikinas Skapinakis, Noronha da Costa e Vespeira. É de Almada, o melhor retrato de Fernando Pessoa tomando café.

A decoração de "A Brasileira" é belíssima e ligada a círculos intelectuais. Norte Júnior desenhou a fachada, em 1922, projeto à moda parisiense com estátuas e grinaldas. A assiduidade de Fernando Pessoa no local motivou a inauguração de uma estátua de bronze, nos anos 1980, de autoria de Lagoa Henriques, que representa o escritor sentado à mesa na esplanada do café.

Hão de me perguntar por que Brasileira do Chiado. Porque fica no bairro do Chiado, ao que relatam os estudiosos de Lisboa, nome que nasceu na personalidade do poeta Antonio Ribeiro Chiado um ex franciscano de vida desgarrada e que vivia na boemia nesses arredores no século XVI.

O Chiado é uma colina entre o Bairro Alto e a Baixa. Comenta-se, na linha popular, que o poeta viva na ladeira que dá acesso ao largo e por esse local passavam carros de bois com rodas a chiar (daí Chiado); ou se Ribeiro, poeta mordaz vivia a recitar s vida alheia, xiara dos seus, o que significava xiar, maldizer (daí Chiado).

Há também quem sustente ser o local onde abrigou um taberneiro com esse topônimo Chiado onde se encontra os Armazéns do Chiado no sopé da ladeira próximo ao Elevador da Justa na direção da rua do Ouro, outro caminho para a Baixa. No Chiado houve um grande incêndio que destruiu um quarteirão de ruas do bairro.

O acesso mais usado ao Chiado, a partir da Baixa, no entanto, dá-se pela Rua do Alecrim, que alcança a Praça Luiz Vaz de Camões, quase geminada com o Largo do Chiado. A dois passos desse largo, onde hoje se concentram artistas de rua (músicos) está "A Brasileira". E, neste largo, encontram-se as igrejas de Nossa Senhora do Loreto e de Nossa Senhora da Encarnação.,

A Brasileira anuncia-se na imprensa portuguesa dos dias atuais de pandemia do coronavirus vai retomar as tertúlias culturais que a tornaram célebre durante o século XX, período durante o qual foi ainda um local de debate e de dinamização do pensamento. Ali passaram vários nomes destacados da cultura portuguesa.

Este regresso ao passado cultural fica assinalado pelo início de um conjunto de cinco debates intitulados "Lisboa de Volta", que vai procurar abordar o futuro da cidade pós pandemia. Um conjunto de debates que, segundo a curadora Catarina Carvalho, ex-diretora executiva do DN, fazem todo o sentido que decorram no café "A Brasileira", afinal "está situado numa das zonas que mais está a sofrer com a pandemia devido à ausência de turistas". Isto para além de esta iniciativa pretender "devolver o sentido cultural de A Brasileira, que se perdeu nos últimos anos".

Segundo o DN, esse conjunto de debates seguiu uma lógica de aproveitar cada letra da palavra Lisboa para lançar um tema, inserido num manifesto de seis ideias para debater a cidade. A primeira sessão que terá a letra L como mote, versará sobre Lisboa, terá como convidado especial Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal. "E se a cidade ficasse melhor depois da pandemia?" Esta é a questão lançada para um encontro que contará ainda com a contribuição de Ana Jacinto, secretária geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), Giuliana Miranda, correspondente do jornal brasileiro Folha de São Paulo, e ainda Tanka Sapkota, chef nepalês que tem distribuído refeições pelas pessoas mais afetadas pela pandemia na cidade de Lisboa.

Um debate que, devido às restrições impostas pelo Governo e pela Direção-Geral da Saúde, não contará com a presença de público, mas que será transmitido em direto pelo canal sapo.pt e também na página oficial de "A Brasileira" no Facebook, onde os interessados poderão colocar perguntas sobre o tema ou lançar ideias para serem exploradas.

Nesta iniciativa que visa de reintegrar "A Brasileira" como espaço cultural e de dinamização do pensamento, os novos proprietários do mítico café lisboeta pretendem ainda assinalar o 132.º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa com uma exposição simbólica dos óculos do mais universal dos poetas portuguesas, que foi cedido pelo Museu do Pão. Este objeto, que se tornou imagem de marca de Pessoa, poderá agora ser visto por todos aqueles que visitarem o mais emblemático café da cidade de Lisboa.