Cultura

MIRADOURO SANTA CATARINA VISTA FANTÁSTICA DO TEJO AOS PÉS DE ADAMASTOR

Monstro criado por Luiz Vaz de Camões para representar o Cabo das Tormentas
Tasso Franco , da redação em Salvador | 27/06/2020 às 07:40
Monstro Adamastor criado por Camões para representar o Cabo das Tormentas
Foto: BJÁ
   O jornalista Tasso Franco publicou neste sábado no wattpad a 28ª crônica do seu livro Lisboa como você nunca viu, a Pensão do Amor. Vide abaixo. Leia todas as crônicas no wattpad.

MIRADOURO DE SANTA CATARINA VISTA FANTÁSTICA DO TEJO AOS PÉS DE ADAMASTOR

 
 O Miradouro de Santa Catarina nas proximidades do Largo do Chalariz, Bairro Alto, com direito ao turista chegar a este local usando o Ascensor da Bica e apreciar uma vista maravilhosa do Tejo e parte da capital portuguesa, é um dos 7 miradouros públicos de Lisboa.

É também conhecido como Miradouro do Adamastor figura mitológica criada pelo poeta Luiz Vaz de Camões para representar os horrores das tentativas dos navegadores portugueses em transpor o Cabo das Tormentas.

 No imaginário português do século XV o Cabo da Boa Esperança (Tormentas) na África do Sul (localiza-se ao Sul da cidade do Cabo - Cape of Good Hope, a Oeste da Baía Falsa) era um local intransponível para se chegar ao outro lado do mundo: a Índia e a China.

Mar bravio, selvagem, era habitado por monstros marinhos que engoliam as naus que tentassem sua travessia. E muitas naus naufragaram nessas águas, não devido aos monstros e sim a força dos ventos e altura das ondas, até que, em 1488, Bartolomeu Dias, cruzou sua barreira.

  Em "Os Lusíadas" (obra épica de Camões sobre os navegadores portugueses) ele criou o poema 'Gigante Adamastor' composto por 24 estrofes, síntese do Cabo das Tormentas.

  A narrativa poética, simboliza a superação pelos portugueses do medo do Mar Tenebroso, das superstições medievais que povoavam o Atlântico e o Índico, no saber popular habitado por monstros horrendos. A bocarra de um deles poderia engolir uma caravela.

  Escrito por Luiz Vaz de Camões (1521/1580) poeta e militar português que se auto exilou na África Oriental integrando a esquadra de Fernão Álvares Cabral, este viu de perto a fúria do mar, em 1553, e participou de batalhas a ponto de ter perdido um olho.

Estima-se que Camões começou a escrever "Os Lusíadas" a partir de 1556, 68 anos depois da viagem de Bartolomeu Dias. E enaltece-se no poema "Gigante Adamastor o navegador Vasco da Gama. A primeira récitas de "Os Lusíadas" teria sido feita para o rei Dom Sebastião, em 1572. 

Segundo os estudiosos desse tema, Camões pôs uma pitada de lirismo ao Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, que se apaixonou pela nereida Tétis. Não correspondido, tenta tomá-la à força, provocando a cólera de Júpiter, que o transforma no Cabo das Tormentas, personificado numa figura monstruosa, lançada nos confins do Atlântico.

Canto 37: Porém já cinco Sóis eram passados/ Que dali nos partíramos, cortando/ Os mares nunca d'outrem navegados,/ Prosperamente os ventos assoprando,/Quando ua noite, estando descuidados/ Na cortadora proa vigiando,/ Ua nuvem que os ares escurece,/Sobre nossas cabeças aparece.

Canto 38: Tão temerosa vinha e carregada,/ Que pôs nos corações um grande medo;/Bramindo, o negro mar de longe brada,/Como se desse em vão nalgum rochedo./«Ó Potestade (disse) sublimada:/ Que ameaço divino ou que segredo/ Este clima e este mar nos apresenta,/ Que mor cousa parece que tormenta?»

Camões ambienta o poema com o heroismo de Vasco da Gama: Cinco dias após a partida da Baía de Santa Helena, a armada portuguesa viaja por mares nunca antes navegados. Certa noite, os portugueses são surpreendidos por uma nuvem negra “tão temerosa e carregada” que toda tripulação treme de medo.

 Vasco da Gama (na visão poética de Camões) teria visto o monstro, mas, seguiu sua rota rumo ao Oriente navegando.

Canto 39: Não acabava, quando uma figura/Se nos mostra no ar, robusta e válida,/De disforme e grandíssima estatura;/ O rosto carregado, a barba esquálida,/Os olhos encovados, e a postura/ Medonha e má e a cor terrena e pálida;/Cheios de terra e crespos os cabelos,/ A boca negra, os dentes amarelos.

 Vasco da Gama e a tripulação enfrentam o Gigante Adamastor saído do fundo do mar. Ao vê-lo e ao ouvi-lo. O medo apodera-se dos portugueses. Vasco da Gama não se altera e comanda sua nau livrando-se da forte tempestade. Ou seja, estava mais preocupado com o que vinha de cima (a tempestade, as nuvens carregadas) e não do que emergia do mar.

O poema fala da indignação do gigante perante a ousadia e o atrevimento dos portugueses mas também a sua admiração pela coragem. O gigante (nesse caso, personificado em Camões) revela conhecer bem o povo português, referindo-se aos grandes feitos conseguidos pelos descobrimentos.

E, na poética, lança profecias de acontecimentos futuros da História de Portugal. A mais trágica delas, não prevista por Camões, o terremoto em Lisboa, 1755, quando as águas do Tejo destruíram a baixa e boa parte da cidade. O monstro saiu de dentro do Tejo com uma fúria destruidora que até o Palácio Real foi abaixo.

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  Lisboa é também conhecida como a cidade das sete colinas e o Miradouro do Adamastor é uma delas. Há, no local, uma escultura representativa de "Adamastor" (um mostro robusto, cabeludo, esculpido por Júlio Vaz Júnior, em 1927), banquinhos de mármore, jardim e um quiosque que também se chama Adamastor e serve cafés, cervejas, vinhos e batatas fritas e outros petiscos industrializados.

   Ou seja, é um local para petiscar, saborear uma taça de vinho ou um gelada e, óbvio, apreciar de maneira confortável o por do sol, a vista do Tejo e a ponte 25 de abril do lado Sul da cidade.

   A figura mitológica do Adamastor é bizarra. Há sempre, neste local, artistas de rua interpretando canções e poemas. E nada melhor do que ir a este local conhecendo a história do poema de Camões. Sem saber disso, as pessoas veem aquele mostro e nada entendem. 

   Esse miradouro foi inaugurado em 1883 e localiza-se no Jardim do Alto de Santa Catarina, Freguesia da Misericórdia. Em 2018 enfrentou uma polêmica diante do abandono do local, algazarras, ponto de vendas de drogas, som alto, até que passou por uma restauração e vedação. Ou seja, tem hora para abrir (7h30min) e fechar (23h30min) à visitação pública.

   Os moradores da Freguesia da Misericórdia impuseram essas medidas para que a paz voltasse a reinar no local. Estive por lá em janeiro último e achei tudo muito organizado, limpo, pacífico e agradável. E, óbvio, saboreei um vinho olhando as águas do Tejo correrem mansamente para o mar.