Cultura

MEMÓRIA POLITICA 4: Pedro Irujo lança Bahia Hoje e muda jornalismo -TF

Há 24 anos produzimos pela primeira vez no Brasil um jornal impresso informatizado de ponta a ponta, da redação a circulação
Tasso Franco , da redação em Salvador | 30/10/2017 às 10:45
22 de julho de 1993, ao centro eu (TF) e Pedro Irujo em frente ao prédio do Bahia Hoje
Foto: Arquivo pessoal TF
   Esta é a quarta e última matéria sobre o legado de Pedro Irujo nas áreas de politica e de comunicação. Narro sobre o Bahia Hoje, o projeto mais ousado e revolucionário (em termos técnicos) que a Bahia (e até o Brasil) já conheceu, em 1993, porque muitas das práticas que utilizamos foram pioneiras no país num projeto de um jornal integrado, completamente informatizado, da redação à circulação. 

   Corria o ano de 1992 quando durante a campanha de Pedro a prefeito de Salvador (terceiro lugar em votos e apoio decisivo para eleição de Lidice da Mata, no segundo turno) já dávamos os passos inciais para montar um jornal na capital.

    A campanha só fez reforçar essa tese, pois, Pedro foi bastante atacado pela A Tarde e pelo Correio da Bahia. Uma dia de domingo, antes do almoço em sua residência no Horto Florestal  (a casa de Irujo ea um horto dentro do horto, pois, tinha 20.000 m2 de área), no quiosque e também escritório, ele me confidenciou: "Bamos hacer el jornal, urgente". 

   Então comentei que tinha um projeto gestado em Londres, 1988, quando por lá morei, e levado para A Tarde, em 1989, não executado por Jorge Calmon, o qual temeu perder o controle da redação, de informatizar o jornal da familia Simões. Pedro adorava falar sobre tecnologia e era um industrial que modernizava suas plantas de cordas e implementos de sisal para sintéticos e produzia produtos para a Jonhson & Jonhson.

   Expliquei que toparia fazer o jornal desde que fosse algo novo, informatizado, com uma turma jovem e que mudasse o panorama do jornalismo impresso na Bahia. Ele topou na hora. Quando voltei para casa, morava no Chame-Chame, vim com a cabeça martelando como fazer, como dar os primeiros passos, se ninguém trabalhava com essa tecnologia no estado e pouco gente também adotava-a no Brasil, salvo a Folha de SP e O Globo, que estava implantando sistemas on-line em algumas editorias. 

   Comeci a pesquisar onde existiam jornais com plantas informatizadas no país e eram pouquissimos. Não havia ainda o Google e a pesquisa era feita na base do telefone ou do ouvir falar. Pedro era um dos únicos empresários da Bahia que tinha um jatinho e um 'king-air' (rei dos ares), este último, muito utilizado por nós para fazermos viagens ao interior em campanhas politicas. Miguelão era o piloto de ambas as aeronaves e saimos pelo Brasil e até o Uruguai, no jatinho, pesquisando onde tinha jornal informatizado. 

   Eu fava pra Pedro: - Soube que tem um jornal em Goiânia, assim, assado. Imediatamente, ele dizia: - Bamos (não acertava falar vamos).Combine  com Miguelão e bamos lá. Foram várias as viagens, às vezes, eu, ele, Miguelão e um co-piloto. Uma loucura.

   Os modelos dos grandes jornais do Rio e SP não nos interessavam porque iriamos montar um jornal menor, mas, fomos ver. Depois de algum tempo, soubemos da existência um jornal de porte médio, o Hoje em Dia, em Belo Horizonte, que pertencia a Newton Cardoso, baiano de Brumado, ex-governador de MG, homem muito rico e irmão da colunista de A Tarde, Terezinha Cardoso. Voamos para BH. E aí, como se diz no popular, 'amarramos nosso jegue'. 

   O projeto do Hoje em Dia tinha sido feito pela Autográfica, uma agência de publicidade de Luis Aleixo, que iniciava no Brasil a trabalhar com plantas eletrônicas. Por coincidência, nessa época, ano de 1992, Newton havia vendido o Hoje em Dia e rádios que possuia para a Igreja Universal do Reino de Deus e uma turma que havia participado da fundação do jornal estava deixando a empresa. 

   Uma dessas pessoas era Antonio Martins, o diretor técnico. Martins é baiano e tinha trabalhado na Tecnosolo quando resolveu deixar tudo e estudar informática. Foi Newton que o descobriu já graduado nesse segmento para montar o Hoje em Dia. E foi Luis Aleixo que falou pra Martins, em 1992, ele de saida do jornal agora comprado pela IURD, "que um grupo da Bahia gostaria de montar um jornal informatizado em Salvador". 

   Nasceu assim a parceria Autográfica, Luis Aleixo, Antonio Martins, eu e Irujo. Mudei-se para BH, para um hotel na Savassi, e começamos a discutir sobre o jornal e seu feitio. A pergunta incial de ambos era a seguinte: - Quem era Pedro Irujo? Dava pra confiar e entrar de cabeça num projeto dessa natureza? 
   
   Então expliquei quem era Irujo, a essa altura dono do Sistema Nordeste de Comunicação, e igualmente rico e destemido como Newtão (Newton Cardoso). Entre goles de pinga em Dona Lucinha, restaurante típico das Gerais, fechamos o acordo incial, na boca, na palavra. Faltava, evidente, ver a dimensão do projeto, a viabilidade, os custos e tudo mais.

   Tinha pela frente um grande desafio. Não gosto dessa palavra, mas, não achei outra para adjetivar a trabalheira que teria pela frente, em voo cego. Três metas a conquistar: 1. Como instalar na Bahia um jornal informatizado na terra onde ninguém trabalhava com computadores nas redações; nem nas oficinas e o Brasil tinha uma lei chamada reserva de mercado que inviabilizava comprar computadores no exterior; 2. Como montar uma redação do zero convencendo alguns profissionais de imprensa a participarem de um projeto com a assinatura Irujo, um empesário de transporte que usava a comunicação para fazer politicia; 3. Como montar um comercial e circulação fora dos padrões existentes se as agências de publiciade só trabalhavam com plantas manuais e mecânicas. 

   Expus todos esses problemas a Pedro Irujo e ele me dizia: - Vá em frente. Um basco nunca recua, tem raça, sangue de guerra. Recebi carta branca.

    Eu tinha 47 anos de idade e Pedro 61 anos. Falei comigo mesmo: agora é enfrentar e trabalhar. Fui a BH e fechei com Martins trazendo-o para morar em Salvador. Primeiro tínhamos que definir o esboço do jornal, sua dimensão, a planta gráfica e industrial. Fechamos em seguida com a Augoráfica e Antonio Seara da D+A da agência de João Del Phin. 

   As primeiras ideias e esboços foram surgindo. De 15 em 15 dias viajava para BH a fim de ir conhecer e discutir a planta gráfica - os tipos de letras, a diagramação, as cabeças, as marcas, etc, et. Trabalho dedicado, meticuloso. A idéia era fazer um jornal que tivesse a cara da Bahia, da baianidade sem folclore, muita cultura, cidade, Salvador em destaque. Surgiu na minha cabeça o nome: Bahia Hoje. Pedro ainda não sabia nada disso, mas, depois foi informado.

   Ao mesmo tempo, comecei a sondar possíveis jornalistas a integrar a redação. Era dificil trazer os 'medalhões' para integrar o novo jornal que sequer ainda existia um esboço, uma sede, um papel. 
   
   Imaginei tirar July, de A Tarde. Impossível. Era a colunista mais badalada da Bahia. Pensei em trazer Hagamenon Magalhães, do Correio. Levei um não. Samuel Celestino! Levei outro não. Jacques de Beavoir foi o nosso colunista social.

    Trabalhava 12/14 horas por dia no projeto. A minha cabeça parecia um vulcão. A sorte é que era solteiro e gostava de uisque, o "cachorro engarrafado" - como diria Vinicius de Moraes. Soltava labaredas pra todo lado. 

   Despachamos Martins para Miami e NY a fim de comprar os computadores, fios, cabos, tomadas, máquinas e equipamentos fotográficos, tudo, uma vez que não existia nada na Bahia. Salvou-nos Beto Simões, deputado estadual, figura que já conhecia desde o Diáriio de Noticias quando trabalhamos juntos em 1975, e que tinha uma empresa - Skyline - tocada por seu filho naquela cidade. 

   Martins ficou 21 dias em Miami e comprou tudo o que foi possível. Todos os contatos conosco - eu e Pedo e mais Diego Lastra, o braço financeiro de Irujo - era via telefone. 

   Enquanto isso, as discussões nossas giravam em torno da compra das rotativas. Inicialmente Pedro pensou em trazer as unidades do Feira Hoje, mas, consegui demovê-lo, pois, estavam aquém do nosso projeto que seria de um jornal porte médico 32 páginas com base inicial de 20 páginas, dois cadernos de 10 páginas, e felizmente tive sucesso. 

   Pedro importou da Alemanha, do representante da Goss na Bahia, 6 unidades de rotavia e uma cores para fazer policromia que ninguém fazia no estado. Ousadia e tanta. Cores em todas as páginas.

    Uma dia ele me levou numa das suas fábricas no CIA e fomos até uma área onde chamou um operário e disse: - Tire as lonas de cima dalí. Eu fiquei olhando o homem retirar as lonas e quando olhei com mais atenção lá estavam as rotativas, zero km. Nos aproximamos das máquinas e ele disse: - Pronto. Vou colocar num prédio que temos na Av Juracy Magalhães, onde vai ser a sede do jornal. Exultamos. 

   Depois fomos ao Baby Beef tomar uns uisques. Pedro não bebia. Mas, neste dia, tomou um choppinho. Creio que tomei uns 3 a 4 uisques.

   O passo seguinte foi trazer a turma de Minas para a Bahia e aí vieram Seara, o casal Tarcisio Duarte e Oriadine, e mais Oriane, que cuidariam da diagramação e da Editoria de Arte, Luizinho, para a retaguarda no industrial, Sérgio Nigri, para a circulação, Nicolau Carnaval para o sistema de arquivamento eletrônio, Caúh Gomez para ilustrações, Antonio Martins na direção industrial. 

   Depois, quando já estávamos no novo prédio 1200 incorprei Tácio Feitosa, para diretor comercial; e uma portuguesa de Angola para contatos.

   Na redação, tive que me valer da turma jovem, Otto Freitas como editor chefe; Paulo Leandro comandando o Esporte; José Barreto de Jesus, na Cidade; Oldemar Victor e Fred Passos, na fotografia; Nelson Rios, Alexandre Augusto, Hilceia Falcão, Gutemberg Cruz, Artur Carmel, Nice Melo, Zezé Quadros (Ecnomia), Adilson Borges, Janio Rego, Arkem Gomes, Gabrielli Rossi; na editoria de Arte, Caúh Gomez, Flávio Luiz e os garotos Ney Mustafá e Marcelo Damasceno pela primeira vez usando Machintosh Quadro 800; e outros que não me recordo de cabeça. Uma equipe de 80 profissionais de imprensa.

   Todos esse pessoal da Bahia nunca tinha trabalhado com computadores. Nem conhecia. Foi um treinamento do zero com máquinas sofisticadas para a época, uma verdadeira transformação. 

   A redação parecia uma antiga Lavanderia Chinesa com fios e tomadas aéreas improvisadas, arte de Martins, uma loucura, uma correria, que no dia 21 de julho de 1993 teve seu ápice rodando pra valer, depois de vários experimentos de números 0019 a 0000, o número 0. Jornal completo com 20 páginas e a manchete "Nova Politica Salarial sai em Agosto". 

   No dia seguinte, 22 de julho de 1993, rodamos o número 1 e fizemos a festa de inauguração. O Bahia Hoje foi as ruas com cx baixa no titulo nas cores azul (Bahia) e Hoje (Vermelho) e mudou a cara do jornalismo baiano impresso. 

   Foi a maior mudança até hoje ocorrida nesse segmento. Foram mais de 40 inovações, entre elas, a informatização de um jornal completo, uso dos Machintosh, fim do papel, fim do laboratório da fogorafia, fim do papel nas fotos, circulação aos domingos, diagramação eletrônica, telemarketing e outras (vide matéria complementar em nossa Editoria de Tecnologia). A campanha de lançamento ficou a cargo da DS2000 com Claudio Barreto, nosso amigo e parceiro da campanha de Pedro Irujo a prefeito.

   No dia da inauguração o governador ACM compareceu e foi até a oficina do jornal dá o start na rotativa. Era a primeira vez que nós o cumprimentavámos (eu e Pedro Irujo) depois da fatídica campanha de Luiz Pedro, em 1990.