Cultura

VIDA DE GORDO: Baleiros dos antigos cinemas eram deuses, OTTO FREITAS

Os baleiros desapareceram do cenário de Salvador
Otto Freitas , Salvador | 24/09/2017 às 19:07
Baleira durante o Carnaval de Salvador
Foto: DIV
  
 
Por influência do pai, que ouvia Little Richards e penteava o cabelo como o ator americano Tyrone Power, Jeffinho se tornou um apaixonado por música e cinema. Domingo de manhã sempre assistiam as aventuras de Tom e Jerry ou a delicadeza de A Dama e o Vagabundo no antigo cine Guarani (depois virou Glauber Rocha e hoje é o Complexo Itau de Cinemas), na praça Castro Alves, Cidade Alta.

A família morava no Caminho de Areia, Cidade Baixa, que abrigava três cinemas, naqueles pródigos anos de 1960 - Roma, Itapagipe e Uruguai. O maior e mais famoso era o cine Roma (o prédio hoje pertence às Obras de Irmã Dulce), onde Raulzito tocava com os seus Panteras antes de virar Raul Seixas. 

Como o Roma ficava perto de casa, na adolescência Jeffinho se tornou frequentador assíduo das matinèes de sábado (14h às 18h) e, depois dos 18 anos, das sessões noturnas de segunda-feira (19h as 23h), quando os filmes estreavam sem cortes. De domingo a domingo, eram sempre dois filmes com um ingresso na sessão da tarde, repetidos à noite.
 
Jeffinho conquistou o direito de frequentar o cine Roma sozinho da adolescência. Depois da sua estreia, com Marcelino Pão e Vinho, ia toda semana. Foi lá que viu a maioria dos filmes coloridos de Elvis Presley, além dos clássicos de capa e espada, como os Três Mosqueteiros, e dos fortões lendários como Maciste, Hércules, Sansão e Dalila, David e Golias.

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Assim como os cinemas de rua da Cidade Alta, os cines Roma, Itapagipe e Uruguai sucumbiram à era do shopping center. Eles ofereciam cultura da sétima arte, uma pipoqueira simples garantindo a tradição e, quando muito, pequena vitrine como bombonière. Os cinemas de shopping são puro negócio - o filme é só um pretexto para vender produtos diversos, da pipoca em embalagens coloridas sofisticadas a guloseimas importadas, refrigerantes e água mineral, tudo com preços abusivos, naturalmente.

Atualmente há inclusive um debate sem fim: os cinemas impedem o acesso do cinéfilo com produtos comprados fora. A justiça já considerou a prática como venda casada, que é proibida por lei. Mas a situação ainda não se resolveu inteiramente. Como não há jurisprudência nacional, cada cinema faz o que quer, sempre em prejuízo do consumidor.

Bom mesmo era no tempo dos baleiros com suas cestas de madeira e vime abarrotadas de doces, chocolates e balas coloridas. Mercavam pela rua, gritando “baleiro, baleirôôô...” e batendo com um pedaço de pau no fundo da cesta. Durante as sessões do cine Roma, uns dois ou três penduravam as cestas, pelo lado de fora, nos grandes portões de ferro do cinema. Lá dentro rolava só um saquinho xôxo de pipoca sem graça.

Jeffinho comprava no baleiro até que descobriu, no caminho do cinema, a loja de fábrica da Sabor que vendia mais barato os produtos próprios. Como no baleiro tudo era mais caro e sua mesada curtíssima, o gorduchinho guloso sempre parava na Sabor. Daí partia para o cine Roma, todo feliz, para curtir sua tarde gloriosa. Tinha os bolsos cheios de doçura e o coração pronto para se encantar com a mágica do cinema que tanto o fascinava.