Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO: A lição que os avós deixam aos seus netos (TF)

Lembranças de pedacinhos da vida enquanto a memória consegue guardar
Tasso Franco , da redação em Salvador | 21/06/2017 às 09:02
Meus país, em 1939, dia do casamento na sala do chalé
Foto: Arquivo pessoal
      Eu tive a falicidade de conhecer e conviver com meus avôs e avós paternos e maternos, com dois deles até minha idade adulta. Digo isso de alegria e prazer, porque meus avôs e avós nasceram e conviveram boa parte de suas vidas no período do Brasil Império (1822/1889) e parte da República (1889/1967, épocas em que a medicina era pouco evoluida, no séculos XIX e parte do XX não havia antibióticos, as pessoas morriam muito por infecções, a água consumida pelas famílias era de tanques e das chuvas captadas em telhas e a idade média dos brasis girava em torno de 60 anos.

  Uma pessoa com 50/60 anos de idade já era considerada velha. E quando conheci meus avôs e avós no meu tempo de menino, décadas de 1940/1950, eles eram considerados velhos, na faixa de 50/60 anos de idade. Meu avô paterno, Joviniano Alves Franco era o mais velho. Nascera em 1878 na Fazenda Lagoa Grande, Irará (Serrinha, nessa época emancipou-se do Irará tornando-se município em 1876) e migrou (Francos & Freitas) para terras do povoado do Lamarão e adjacências. Meu avô fixou-se na Fazenda Guariba e depois na Boa Vista, próximo do Matão, donde avistava o arraial da Serrinha.

  Era jovem. Deve ter chegado ai por volta de 1895, já na República e fez roça na Guariba, agricultura de subsistência e depois um gadinho de leite e corte. Casou-se em primeiras núpcias com uma senhora da familia Gonçalves por volta de 1900/1905 e ficou viúvo pouco tempo depois. Teria essa sua primeira esposa morrido de infecção. Passou a ser devoto de São Pedro (minha irmã Laiz herdou a imagem do santo) e andando na feira da Serrinha, nos dias de sábado, conheceu Roza (uma jovem da familia Coutinho, católica) por quem se apaixonou e casou-se, em segundas núpcias, em 1908/1909.

   Em março de 1910 nasceu meu pai, Bráulio Franco, já na casa da Fazenda Boa Vista, filho único. Parto realizado por parteira. Serrinha só teria seu primeiro médico, em 1925.

  Meu avô era mais da roça do que da vila; e Roza era mais da vila do que da roça. Meu avô então ficou com uma casa na vila e outra na roça donde tirava o ganha pão. Depois, em 1923, vendeu a Guariba e a casa da Praça Luis Nogueira e comprou de João Eustáquio da Silvao o chalé da Praça do Amparo (ou Largo do Castelo, depois Miguel Carneiro, hoje, também chamada de Praça da Catedral). 

   No fundo do chalé, o quintal, era um sítio. As terras iam até o tanque das Abóboras, contornava onde hoje é o Colégio Ana Oliveira e voltava via Estrada Transnordestina (hoje Rio-Bahia BR116) até o ponto do Araci.

   Nessas imediações fez uma casa e foi morar com sua Roza deixando o chalé para meu pai que se casou em 1939, com Zilda Paes Cardoso, com quem teve 4 filhos a partir de 1940. Eu nasci em 1945 e dada a proximidade do chalé com a casa do meu avô foi com ele que mais convivi.

   Meu avô organizou um fabrico de jurubeba e tocava sua rocinha praticamente sem ter relações com a sociedade citadinha de Serrinha. Não ia a festas, não participava da Sociedade Filarmônica 30 de Junho, da politica, da igreja, de nada. Era um roceiro, rude, bravo e ai de quem invadisse suas terras para colocar uma 'criação'. Levava tiro de espiingarda de advertência.

   Foi meu avô Jovino, assim o chamávamos, que me contou os primeiros causos do lobisomem da Serra, o qual morava num bueiro próximo do seu sitio de Seo Oséas. Certa ocasião ele entrou em luta corporal com o 'lanzudo' para defender um criatório de galinhas que tinha no sitio.

   Jovino era descendente de portugueses, mas, tinha traços um turco-europeu, nariz fino, tez amorenada, estatura mediana. Era o averso de minha avó Rosa, uma docura, delicada, meiga, uma autência descendente de portugueses de Traz-Os-Montes ou do Alentejo. Branquinha, cabelos bem lisos, fofa. 

   Quando meu avô ia à freira livre aos sábados e descia com dois bocapios para comprar açucar, sal, charutos, charque, etc, na venda de Sâo Manoel Carneiro tomava uns gorós, milone e outros, e subia a praça Miguel Carneiro rumo ao sitio bufando e soltando impropérios. Passava pelo casarão onde nós morávamos sem entrar e quando chegava em casa, Roza colocava ele pra descansar numa rede.

   Eu quando chegava da escola ia pelo fundo do chalé, pulava a cerca, seguia beirando-a com medo das vacas e batia na sua porta pra papear. Conversa de menino com avô é a melhor do mundo porque só brota carinho. Menino tem mais apego com avô. Minha irmã Celeste era mais apegada a minha avó Roza. Até se parecem em comportamento. Calma, tranquila, zen.

   Meu outro avô se chamava João Paes Cardoso filho do Manoel Paes Cardoso e Porcina descendente da quarta geração de Bernardo da Silva e Josefa Maria do Sacramento. Era irmão de Cornélio Paes, Miroró e Jesuina. Tradiconal familia dos Paes que tem vários ramos em Portugal, em especial Lisboa. Meu avô João tinha uma rocinha e uma moagem de café na área do Largo da Federação (Café Cruzeiro) onde hoje estão a Loja 521, Mercadinho de Eliseu e Móveis Buril.

    Era o inverso de Jovino. Típico descendente de portugueses da cara redonda, bochecha caída pelo tempo, gordinho, pisa macio, educadissimo. Participava dos movimentos culturais, do comércio e de lazer da cidade, era diretor da Filarmônica 30 de Junho, mas, abominava a politica. Vivia a trabalhar diuturnamente no seu Café Cruzeiro, depois passado de pai para filho para tio Aderaldo. Teve cinco filhos: Álvaro, Dalva, Zilda, Aderaldo e Celina. 

    Era, portanto, um cidadão mais da cidade do que do campo e tinha parceiros que, quase todos os dias, jogavam gamão numa área do Armazém de café, chamado de Armazém, ou no Bar de Romão, no Beco da Lama. Frequentava os saraus e bailes e casas de amigos e na sede da Prefeitura e foi num desses bailes, animado pela Orquestra Colombo, que meu pai conheceu Zilda (minha mãe) e depois de casaram, em 1939.

   Minha avó materna chama-se Leonor Paes Cardoso (Filhinha), filha de Antonio da Silva (Antonio Doca) e Leonor da Silva, de Água Fria. Parecia mais uma italiana de Abruzzo do que uma descendente de portugueses. Era magra, esbelta, faladeira, elegante, brigona. Ou seja, meus avós paternos eram o oposto em coportamento dos maternos e só se davam socialmente. Uns não frequentavam a casa dos ourtos. 

   Eu gostava muito de ir no Armazém (assim a gente chamava o Café Cruzeiro) pra brincar em volta das sacas e sentir o aroma do café. E, meu avô - creio que todo avô é assim - sempre me dava uma 'nica' pra comprar um picolé. E também gostava de ir na casa dele (quadra após o atual Banco do Brasil) que ficava numa extensão da Praça Luis Nogueira porque tinha um quintal enorme repleto de mangueiras, mangas espadas deliciosas. E era também o caminho para minha escola primária.

  Que ensinamentos as crianças tiram dos avôs e avós? Essa é a questão essencial. Creio que, no básico, o carinho, o respeito, a admiração. Avôs são diferentes dos pais porque nunca brigam com os netos. Sempre têm um agrado para dar, quer seja um cafuné ou um docinho, e é disso que criança mais gosta. 

   Hoje tenho lembranças enormes deles. No final dos anos 1950 e na década de 1960 todos partiram para uma nova vida espiritual. A primeira a dar adeus foi Roza. Depois, nos inicio dos anos 60, João; em 1964, Jovino fechou os olhos; e em 1967, foi a vez de Filhinha. Sepultamentos típicos de uma pequena cidade do interior com velório, orações e ataúdes nas salas das residências.

   É a vida. Uns partem, outros chegam. E vão ficando apenas as lembranças para a gente contar enquanto a memória está ativa. Menino sabe é de coisa e me lembro como hoje o dia que montei num carneiro no sitio de Jovino/Roza e ele deu foi risada vendo eu cair no terreiro; e noutra passagem, na casa de João/Filhinha quando subi na mangueira numa rapidez impressionante e minha avó gritou: - Desce daí menino pra você não quebrar a cabeça.