Cultura

FORRÓ EM TEMPO DE GUERRA com invasão dos sertanejos, MAURÍCIO MATOS

“Há um desequilíbrio, a grade não pode ser 18 sertanejos e dois forrozeiros, porque não é festa do peão, é São João”, afirmou.
Maurício Matos , da redação em Salvador | 21/06/2017 às 19:51
Saudade do velho Luis
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   A grita é geral entre os forrozeiros. Tudo por conta da invasão de artistas sertanejos e dos mais variados gêneros musicais na mais tradicional festa nordestina, o São João. Os cantores de forró, inclusive, se mobilizaram para promover nas redes sociais uma campanha, cuja hashtag é #DevolvaMeuSãoJoão. O que está acontecendo com as festas juninas é a mesma situação que passa o Carnaval de Salvador, invadido por diversos artistas que nada têm a ver com a folia de Momo.

Só para vocês terem uma ideia, esse ano, em Caruaru (PE), a atração principal em 24 de junho – Dia de São João – será DJ Alok. Isso mesmo, DJ Alok. Aí, como diz o apresentador da rede Record Bahia, Raimundo Varela, “durma com um barulho desse e diga que sonhou com Xuxa”. Entretanto, essa “discrepância musical” não é exclusividade desta cidade localizada no Agreste Pernambucano. Em Conceição de Almeida, município do Recôncavo Baiano, a pouco mais de 150 quilômetros da capital, o grande show da festa junina será o da cantora de funk Anitta.

Como se não bastasse, o sertanejo, ritmo atualmente dominante em quase toda programação radiofônica, invadiu também o São João, provocando reações contundentes de artistas famosas como a cantora paraibana Elba Ramalho. Em reportagem à 'Folha de São Paulo', ela defendeu que o forró deve ser prioridade nas festas de junho.

 “Há um desequilíbrio, a grade não pode ser 18 sertanejos e dois forrozeiros, porque não é festa do peão, é São João”, afirmou.

A réplica veio através da cantora Marília Mendonça, um dos ícones desse “new” sertanejo, no último dia 10, durante apresentação no ‘Forró da Capitá’, em Recife (PE). “Vai ter sertanejo no São João, sim”, disse a cantora no palco, para delírio do público que parece não se importar com essa celeuma. Na minha avaliação, o que está realmente em questão é a descaracterização das festas juninas com adição desses novos gêneros musicais.   

A indústria, seja ela qual for, 'está andando' para a tradição e objetiva apenas o lucro, nada mais. Por isso, enquanto estiver dando dinheiro, o São João será sertanejo, como foi por algum tempo de artistas baianos quando estes se encontravam 'por cima da carne seca'. Afinal, não foram poucas as festas de junho regadas a 'Asa de Águia', 'Chiclete com Banana', Ivete, Léo Santana e tantos outros que dizem ter 'fortes ligações' com o São João.   

Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Humberto Teixeira, Jackson do Pandeiro e Clemilda, dentre outros forrozeiros que ajudaram a difundir o ritmo nordestino no Brasil, devem estar se remoendo nos túmulos. Acredito até que, se vivos estivessem, já teriam morrido de desgosto. Só para nos situarmos, desde o início da década de 1990, o forró passa por uma transformação musical, com teclados e percussões em detrimento da sanfona, da zabumba e do triângulo, instrumentos característicos do ritmo. 

Bandas, como 'Mastruz com Leite', 'Limão com Mel', 'Calcinha Preta' e tantas outras, foram responsáveis pelo início dessa descaracterização. Esses grupos se estruturam tal como nossas bandas de axé e deram início ao que a indústria musical passou a chamar de forró eletrônico.

Outras gerações dessa 'praga musical' vieram e se sedimentaram, a exemplo do 'Aviões do Forró' (que após a saída da cantora Solange passou a se chamar apenas 'Aviões') e o tal do Wesley Safadão, cuja mídia o alçou à ‘estrela’ dessa nova fase de artistas de forró. Como diz um grande amigo meu, “cada público tem o ídolo que merece”.

A indústria musical, gravadoras, produtoras, prefeitos (os maiores contratantes do São João) estão simplesmente matando essa tradição e a cultura nordestina. O São João e o Carnaval de Salvador estão tão desfigurados que, em pouco tempo, estarão mortos. É o poder econômico passando por cima da cultura. Como diz o mestre Gilberto Gil, “a usura dessa gente já virou um aleijão”.