Cultura

A OBRA DE RAUL SEIXAS e o Camisa de Vênus, por MAURÍCIO MATOS

O importante é que a obra de Raul está aí, viva, e vai ser executada por quem realmente tem afinidade com ela. Toca 'Camisa', toca Raul!
Mauricio Matos , Salvador | 17/03/2017 às 19:58
Camisa de Vênus toca e perpetua a obra de Raul Seixas
Foto: DIV
   ‘Camisa de Vênus Toca Raul’ é o nome da turnê que o grupo baiano estreia neste sábado (18), no Circo Voador (RJ), em homenagem ao cantor Raul Seixas, que, em agosto deste ano, completa 28 anos de morto. Liderada por Marcelo Nova, a banda apresentará sucessos como ‘Al Capone’, ‘Rock das Aranhas’, ‘Metamorfose Ambulante’ ‘Cowboy Fora da Lei’, ‘Sociedade Alternativa’ e ‘Pastor João e A Igreja Invisível’. O repertório do show ainda conta com hits do 'Camisa', a exemplo de ‘Eu Não Matei Joana D´arc’, ‘Hoje’ e ‘Só o Fim’.

   A parceria entre o 'Camisa de Vênus' e Raul Seixas vem desde 1984, quando o grupo, na época radicado no Rio de Janeiro, recebeu o 'Maluco Beleza' em um show nesse mesmo Circo Voador que eles irão se exibir sábado. Na ocasião, acredite, Raul foi recebido com vaias pelo público, formado por jovens oriundos do movimento punk. Precisou 'Marceleza' (apelido que o cantor Marcelo Nova recebera de Raul) intervir junto à plateia e pedir “respeito com o maior nome do rock brasileiro”.

   Naquele dia, nascia a amizade entre os dois roqueiros baianos que durou até o fatídico 21 de agosto de 1989, quando Raul morreu vítima de uma parada cardíaca em decorrência de uma pancreatite aguda, que o acometia desde o início dos anos de 1980. Meses antes, os dois artistas haviam gravado o disco ‘A Panela do Diabo’, que viria a ser o último registro fonográfico de 'Raulzito' e se tornaria um clássico do rock tupiniquim.

   No auge do 'Camisa de Vênus', em 1986, a banda regravou uma versão matadora da música 'Ouro de Tolo', de Raul Seixas, 'que em nada se parecia com canção original gravada no disco ‘Krig-ha, Bandolo!’ (1973), com violões e orquestra. Ainda assim, no extinto programa 'Perdidos da Noite', apresentado por Fausto Silva, na Rede Bandeirantes, Marcelo Nova afirmara que Raul tinha gostado e aprovado a nova versão. Àquela altura, o grupo baiano já fazia parte do mainstream do mercado fonográfico brasileiro e os pseudos-punks já não eram maioria entre o público da banda baiana. Assim como eu, acredito que muitos roqueiros da minha geração tomaram ciência da obra de Raul através do 'Camisa'.

   A música ‘Muita Estrela, Pouca Constelação’, gravada em 1987, no último álbum da formação clássica do 'Camisa de Vênus' (Marcelo Nova, Gustavo Mullem, Karl Hummel, Robério Santana e Aldo Machado), eternizaria esta parceria entre Marcelo Nova e Raulzito, autores da referida composição. O 'Camisa', que naquele ano anunciara o fim das atividades, ainda regravou, no mesmo disco ‘Aluga-se’, outro grande sucesso de Raul Seixas. Com o fim precoce do grupo, o cantor Marcelo Nova partiu para carreira solo e lançou em 1988 o disco ‘Marcelo Nova e a Envergadura Moral’, que viria a ser a banda que o acompanharia em sua nova empreitada.

   Como curiosidade, o nome do novo grupo é uma homenagem ao pai de Marcelo Nova, o médico baiano Fernando Nova, fundador do Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR), situado em Salvador, no bairro de Ondina. Na época do 'Camisa de Vênus', era recorrente Marcelo Nova ouvir do pai que o nome da banda ('Camisa de Vênus') não tinha nenhuma envergadura moral.

O primeiro show de Marcelo Nova na Bahia como artista solo foi em 1988, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Na ocasião, ele trouxe como convidado especial Raulzinto, que tinha quatro anos sem pisar num palco e cuja carreira já dava visíveis sinais de rápida curva descendente. Por incrível que possa parecer, a 'Concha' não estava cheia, pois boa parte do público do 'Camisa' não aceitava o recente fim da banda e muito menos a direção musical que Marcelo Nova tomou em sua carreira solo. O disco de estreia de 'Marceleza' é recheado de baladas e em nada se parece com a trajetória do cantor no seu antigo grupo. Roqueiro é um 'bicho' exigente, não aceita fácil  as mudanças bruscas na sonoridade dos ídolos. Paciência...

   Eu estava lá na 'Concha' e presenciei, in loco, o início da dupla Raul Seixas e Marcelo Nova. A primeira parte do show, Marcelo Nova e a 'Envergadura Moral' tocaram músicas do novo disco e alguns clássicos do 'Camisa'. Na segunda, ele convocou ao palco Raul Seixas, que cantou quatro músicas, ‘Maluco Beleza’, ‘Cowboy Fora Lei’, ‘Sociedade Alternativa’ e ‘Rock das Aranhas’. Essa última, vale um registro: Raulzito dedicou a canção – que fala sobre um relacionamento lésbico – às cantoras Simone, Ângela Ro Ro, Maria Bethânia e Gal Costa.

    Hoje, seria massacrado, chamado de lesbofóbico, homofóbico e de todos os 'fóbicos' que a mídia 'politicamente correta' tenta nos impor a cada dia. Entretanto, Raul era Raul e, mesmo com todo o patrulhamento, acho que falaria tudo isso do mesmo jeito, ainda mais depois de tomar várias....

   O show funcionou, a plateia gostou, o empresário deve ter adorado e Raul Seixas e Marcelo Nova seguiram em dupla pelo Brasil a fora. Retornaram a Salvador em janeiro de 1989, quando participaram do 'Rock in Bahia', festival realizado no Estádio de Pituaçu, que reuniu bandas como 'Capital Inicial' e 'Garotos Podres'. Nessa apresentação, Raul já apareceu um pouco debilitado. 

   Diabético e com pancreatite, deixara se vencer pelo alcoolismo, o que comprometia a performance, esquecendo letras, entrando no tempo errado das músicas, sendo muitas vezes socorrido pelo roadie que, volta e meia, tinha que aprumá-lo no palco. Ainda assim, Raul e Marcelo fizeram uma turnê de 50 shows que rodou as principais cidades do país.

   Portanto, esse projeto do 'Camisa de Vênus' em homenagem a Raul Seixas é uma boa oportunidade para os fãs do 'Maluco Beleza' e do grupo baiano ouvirem as canções que marcaram uma era no rock brasileiro. Se tudo der certo, não vão faltar aqueles que irão dizer que a turnê não passa de um caça-níquel, oportunismo e que Marcelo Nova se aproveitou de Raulzito no fim da carreira, blá, blá, blá....

O importante é que a obra de Raul está aí, viva, e vai ser executada por quem realmente tem afinidade com ela. Toca 'Camisa', toca Raul!