Cultura

CINEMA: Até o fim e Meu Amigo Hindu, comentários de DIOGO BERNI

Dois bons filmes para seu final de semana
DIOGO BERNI , Salvador | 23/07/2016 às 08:33
Meu Amigo Hindu, uma ode à vida
Foto: DIV
Até o Fim, de J.C. Chandor,com única e estupenda atuação do veterano ator Robert Redford, EUA,2014. Se achas que estas sozinho no mundo, veja então esse filme e perceba que de sozinho(a) você não tem nada. 

A estória se inicia estranha com uma voz declamando uma carta que parecia ser de despedida. De imagem tinha-se um casco branco de um barco metade afundado e câmera corria para o lado ainda que dava pra ver dele. Pensei:que caralho é esse? A declamação da carta se finaliza e sobe o título do filme em um fundo escuro, era seu inicio, mas já antes disso já estava confuso. 

No primeiro take ou cena mostra-se um senhor na casa dos seus sessenta dormindo de bruços no sofá da embarcação. Acorda com um barulho atípico do barco;parecia que ele estava tentando subtrair ou desmentir a lei de Newton que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Não era sonho dele, isto de fato acontecia: a embarcação se espatifou contra um grande container cheio de tênis chineses que flutuava em alto mar. 

O único personagem de toda a trama abaixa a cabeça e "espia" a broca que sua embarcação tinha. Era uma broca considerável haja vista que todo o piso da parte chique do barco já estava sob águas salgadas. Não sabemos o nome, profissão, e nada mesmo daquele homem. No decorrer do filme até o seu final temos uma única certeza: esse homem, seja quem fosse, era um ser dotado de uma evoluída psique e também um experiente senhor do mar. 

Mas voltemos a broca e percebemos que muito trabalho teria que ser feito para deixar aquele barco flutuando a mais de sete mil milhas náuticas do lugar mais próximo. Não sabemos se o tripulante era um bom vivant que estaria dando uma volta no mundo ou um pescador que estava rumo a negócios ou até tinha deixado a sua mulher no posto mais próximo e pegou seu barco e foi querer ficar sozinho por uma noite. O que se sabe e que com aquela broca enchendo de água seu quarto e cozinha, ele teria que agir e isso o fez trabalhando como um condenado e por fim conseguindo tirar toda a água do piso de luxo do barco e vedar a broca do canto do barco. 

Nosso isolado protagonista mostra que triunfara diante das intempéries do acidente e volta ao seu volante marítimo com uma cara de vencedor, e já estava indo rumo ao local que definiria ter ido antes ( seja qual este fosse) do imprevisto, quer dizer do primeiro imprevisto e isso ele não estava tão preparado assim, ou seja, para mais imprevistos. Mas estes se sucedem como cascata, e não cascata de cascatear ou de contar estória de pescador , mas cascata mesmo:uma intempérie natural atrás da outra sem parar até o fim, como o titulo do filme. 

É importante salientar que a obra não usa o tubarão como vilão na estória. Sim , ele teve uma única aparição roubando o peixe pescado pelo naufrago, mas nada de comer pernas e coisas do tipo. Fato é que pelo atrito contra o container chinês a agua rachada pela fresta da broca do barco entra justamente no lugar onde estavam os GPS e localizadores, de modo que agora o homem se encontrava sem comunicação para o resgate, mas e aí o que fazer? 

Sobreviver oras, e isso que nosso protagonista faz com a maestria de ser um homem do mar. Primeiramente vem as tempestades , e depois pra detonar a embarcação de uma vez surgem os grandes ondas noturnas que viram o barco de uma só vez.

 O senhor , com o barco virado, ainda consegue pegar o barquinho salva vidas e amarrar no pouco que ainda restava do seu antigo, e lá do bote vê sua embarcação afundar, e ele pensa: "porra se minha psique afundar também aí é que me fodo de vez". E com uma paciência surreal que só os homens dos mares conhecem ( ainda tenho a minha de surfista que a uso muito no dia-a-dia do asfalto), o homem passa por nove dias indo em direção ao oceano Índico , apertadinho naquele botinho salva vidas com enormes cargueiros passando por ele e ninguém o vendo de tão ínfimo e pequeno que era aquela botinho com um senhor já sem forças até para gritar HELP. 

Sobre a paciência que ele teve pra se manter vivo sem agua e comida durante os nove dias e principalmente noites, só os lobos do mar saberão. Ótimo filme que concorreu ao último Oscar , não levando, mas valendo a conferida com certeza.
                                                                                     ****
Meu Amigo Hindu, dirigido e roteirizado por Hector Babenco, Brasil, 2015. A crise na vida do ser humano pode ser contínua ou passageira. Ou seja: você pode ficar mal, seja de saúde ou de cabeça por algum tempo, ou até por toda a sua vida. 

Basta olharmos aos enfermos mentais e pessoas que sofrem com epilepsia pra termos como exemplo. O filme é o último do cineasta que caiu no Brasil por não poder voltar a sua terra natal, Argentina, por pendências com o serviço militar obrigatório quando regressava da Espanha com dezessete anos indo em busca do seu sonho: o cinema. Posso até estar enganado, mas de alguma forma Babenco já sabia que iria morrer quando fez sua última obra, mesmo que não querendo crer nisso. 

A obra é uma ode a vida, e isso talvez se explique por ele ter visto a morte tão de perto quando teve que tirar um câncer antigo e insistente. O filme é total auto bibliográfico e dizem alguns, que soa estranho tantos atores brasileiros falando inglês que põe em cheque a naturalidade da obra. Até um cego percebe que nem de longe é o seu melhor filme, talvez seja o pior mesmo dele, mas o diretor tem total crédito para fazer um filme mais interior, que cuidasse somente do seu próprio umbigo e nada mais, e quem quisesse embarcar na jornada de uma pessoa que estaria lutando contra um câncer poderosérrimo, que seria bem vindo a barca do melhor diretor brasileiro de todos os tempos ( excluindo-se Glauber Rocha ), e que este mesmo era argentino e não propriamente tupiniquim. 

O jeito Babenco de ser e perceber, e consequentemente filmar está impresso na sua pior obra, inclusive com insights de outros filmes seus como o Beijo da Mulher Aranha, Carandirú e o seu melhor: Pixote- A Lei do Mais Fraco. Fato é que Babenco fará muita falta ao cinema nacional por ser um cineasta completamente compromissado com a sua arte de fazer cinema: a arte "Baberiana", arte esta que muitas vezes não agradava a maioria, mas ele continuava ali, em pé, dando suporte e não traindo seus ideais. Dizem que todo cineasta é um louco, mas Babenco transcendeu isso, ele foi louco e gênio, descanse em paz meu irmão.