Cultura

A diversidade cultural do Fogo do Maceté no Sertão, p JOSEVALDO CAMPOS

A luta do Maceté ainda não terminou. Cessou o fogo, mas os gritos da comunidade ainda ecoam por melhoras.
Josevaldo Campos , Quijingue | 24/05/2015 às 23:53
Peça teatral sobre a Guerra de Canudos
Foto: Portal Tucano
Este ano, o Fogo de Maceté foi com chuva. Muita chuva. Um motivo a mais para celebrar os 122 anos da passagem de Antônio Conselheiro pelas terras da comunidade que dá nome ao evento.

Estávamos no povoado Maceté, município de Quijingue, mais precisamente na Escola Municipal Tertuliano da Silva. Dia 23 de maio (sábado) era o segundo dia da programação e a agenda cultural diversificada estava lotada.
Durante os três dias do evento, o local recebe visitantes de diversas comunidades e cidades vizinhas. A presença de jovens é marcante e não é difícil logo descobrir o porquê: tudo por aqui é organizado pelo Coletivo de Jovens.

Este ano, o Fogo de Maceté contou com uma visita, digamos, diferenciada. Bernardo Carvalho é fotógrafo, membro da BrazilFoundation, organização internacional que apoia iniciativas do Coletivo Regional Juventude e Participação Social, e veio dos Estados Unidos para registrar imagens e colher depoimentos de jovens sobre o impacto e transformação que o Coletivo tem na vida de cada um.

O dia começou com a apresentação do documentário Ser-Tão Quijinguense, uma crítica a respeito da reforma da Praça Tiradentes, localizada no centro da cidade de Quijingue, e que, segundo relatos de moradores, está desconfigurando a história do local, sobretudo pela derrubada de árvores históricas e mudanças na arquitetura original do coreto, construção que é marco da história da pacata cidade.

Frente aos cliques do fotógrafo brasileiro com sotaque nova-iorquino, resultado dos longos anos de vivência no país norte-americano, alguns jovens relataram as mudanças que o Coletivo os proporcionou. Eduardo Damasceno, jovem, agricultor familiar da cidade de Euclides da Cunha foi certeiro com as palavras, as quais denotam vasta experiência de luta com movimentos sociais. “Estou desde 2008 no CRJPS e digo que sessenta por cento da minha formação política foi o Coletivo que me ensinou”.

Um pouco depois é possível pescar na fala de Paulo Abreu, jovem da comunidade de Algodões (Quijingue), o resumo do seu sentimento de integrar o Coletivo Regional. “A partir do momento que eu conheci, eu me apaixonei”.

Mas talvez uma frase do índio Adelson Reis, que viajou muitos quilômetros de estrada de chão e tantos outros sobre o asfalto, aponte uma das diretrizes principais do CRJPS. “O Coletivo me abriu várias outras oportunidades. Eu dedico todas as minhas vitórias, todas as minhas conquistas ao Coletivo”.

No dia 26 de maio de 1893, a comunidade do Maceté foi palco de um violento combate entre os seguidores de Antônio Conselheiro e a força policial do Estado da Bahia. Dos dois lados, muitos morreram. O Fogo de Maceté, também chamado de “Fogo do Viana”, tem o objetivo de lembrar essa data pela importância do episódio histórico, e é um momento oportuno, também, para disseminar entre os jovens a verdadeira história sobre a Guerra de Canudos. Essas informações foram confirmadas pelo jovem Bruno Maceté, filho da terra e pesquisador do tema.

Bernardo, o brasileiro com sotaque nova-iorquino, gostou do que viu. Acostumado a fotografar e registrar depoimentos de integrantes de diversos projetos apoiados pela BrazilFoundation, ele disse que o trabalho desenvolvido pelo CRJPS faz uma grande diferença na sociedade. Recebeu das mãos de uma jovem uma camisa do evento e foi obrigado a inverter de lado. De fotógrafo, passou a ser fotografado.

LUTA SEGUE

A luta do Maceté ainda não terminou. Cessou o fogo, mas os gritos da comunidade ainda ecoam por melhoras. E como arma de fogo é proibida, a juventude, que assume a linha de frente nessas novas batalhas, lança mão de outro artifício para provocar o poder público: a arte. “Não há Vagas” é um documentário, uma produção bem humorada que retrata o problema da superlotação do cemitério da comunidade. O curta é resultado de uma oficina de audiovisual desenvolvida este ano com jovens de algumas comunidades do município.  A coordenação e execução das oficinas foram de Bruno Maceté e Marcos Leone, dois jovens frutos do Coletivo Regional Juventude e Participação Social.

A paisagem da Serra de Algodões, também chamada de Serra de São Sebastião, ilustra outro documentário produzido durante a oficina e intitulado como “Aos Pés da Serra”. O vídeo mostra Adriano Mota, artesão e morador, relatando as impressões e a relação dele com o local, de onde ele diz extrair a matéria prima para realizar seu trabalho.
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Ao final da tarde, o frio que agraciava o espaço do evento foi amenizado com um debate caloroso e enriquecedor sobre a redução da maioridade penal. A discussão foi conduzida por Dailson Andrade, membro da coordenação do CRJPS. A psicóloga Gilma Reis, egressa do Coletivo de Jovens da cidade de Araci, coordenou uma discussão sobre depressão, o mal do século XXI, tema que despertou a atenção e participação de todos os jovens durante a rodada de diálogo.

À noite, crianças, jovens, adultos e idosos lotaram o espaço da escola para assistirem a encenação da peça Melelego, da Companhia Teatral de Canudos, e que retrata a história da Guerra de Canudos de uma forma que não fora contada nos livros de História. A título de curiosidade, melelego é um prato típico da cidade histórica de Canudos, similar a uma feijoada.

Com o fim da apresentação teatral, a praça principal do Maceté se transformou num grande palco a céu aberto para receber o grupo local de reisado. A partir daquele momento, o frio era imperceptível e a garoa não incomodava, mas agraciava todo aquele povo alegre, que cantava e dançava divertidamente.