Cultura

LAGOSTAS e camarões nos verões da Baía de Camamu, por OTTO FREITAS

Aquele paraíso, ainda virgem, começava a ser explorado pelo turismo
Otto Freitas , Salvador | 25/01/2015 às 22:54
Camamu é um paraíso que fica situado no Baixo Sul da Bahia
Foto: DIV
   Eram divertidos e ricos de beleza natural aqueles verões dos anos 1980/1990, na baía de Camamu, a terceira maior do Brasil, depois das baias de Todos os Santos e de Guanabara. A pequena escuna de Alfredo, o anfitrião, deixava o porto de Camamu e navegava suavemente pelo rio Acaraí, beirando os manguezais, até alcançar o seu destino, a Ilha Grande. 

   Dona Vanuza já esperava os convidados na sua casa avarandada, com jardim e quintal abarrotado de pés de cajarana, a alguns passos do mar. Apenas um pequeno arruado de casas simples e a sombra das árvores os separavam. Na maré alta, o barco atracava no cais. Era um pulo, como se diz, até o portão.
 
   Tios de Jeffinho, seu Hamilton, filho da terra e primo de Alfredo, organizava as caravanas, reunindo convidados escolhidos a dedo. Dona Alba, a patroa e chef suprema de todas as culinárias, criadora de um pastel-aperitivo sem igual, garantia mesa farta e saborosa. Não faltavam o incomparável feijão tropeiro, a feijoada completa e as moquecas de peixe, camarão e lagosta, pescados na hora, sob a responsabilidade de Manezinho, mestre navegador de fama por aquelas bandas. 

   Bastava dona Alba pedir, com sua voz mansa e educada, e ele zarpava no seu barco que era só um casco de saveiro com motor de centro, para mergulhar em apneia no fundo daquelas águas de sua intimidade. Passava do meio-dia quando Manezinho voltava da missão e despejava no pátio da casa o conteúdo do saco que trazia nos ombros: camarões e lagostas graúdos, ainda se mexendo. 

   Naquele dia inesquecível, Jeffinho se fartou mais do que o de costume. Nunca mais na vida comeu de novo camarões tão tenros e lagostas tão macias como aquelas. A moqueca mista, que dona Alba preparou na hora, foi enriquecida com a qualidade superior do puríssimo azeite de Camamu, um dos principais produtores de dendê da Bahia. 

   Caixas de cerveja e algumas garrafas de destilados completavam os fardos das caravanas. Além do mais, os convidados também costumavam frequentar a vizinha farmácia de Piroca, que garantia pinga boa nas prateleiras e cerveja ao ponto naquela geladeira das antigas, de madeira, cheia de espelhos. 

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  Naquele tempo, as localidades da baía de Camamu, como a Ilha Grande, e da península de Maraú, como Barra Grande, eram comunidades de pesca. O paraíso ainda estava inexplorado. Hoje, a região tornou-se um dos mais famosos points do turismo de alto padrão da Bahia. 

A Ilha Grande era movida a energia de gerador. Não havia telefone, nem televisão. Carro era o barco. Não faltava marinheiro. Na ausência de Manezinho havia Xingó, mulato grande e forte, tímido e de pouca conversa. Na maré baixa Xingó trabalhava na sua camboa, armadilha de pesca artesanal semelhante a um curral. 

Alfredo sempre organizava um programa para cada dia, entre visitas aos estaleiros de Cajaiba, grande centro de carpintaria naval, e passeios pelas ilhas. Era de lei a parada no Campinho, bem em frente à Ilha Grande, já na península de Maraú, onde dona Nonó oferecia cerveja gelada e belíssimos camarões graúdos fritos, sob à sombra das árvores à beira-mar. Daí o barco seguia para Barra Grande, com escala na ilha da Pedra Furada, para um mergulho. 

Depois do almoço e da sesta na rede, sob a brisa de fim de tarde, a noite chegava sempre calma na Ilha Grande. Ouviam-se apenas o vento e uma ou outra voz ao longe. Cadeiras no cais, era hora de esperar, entre uns drinks e beliscativos, a lua refletir seu rastro de luz sobre aquele imenso espelho d’água. 

Antes da meia-noite quase todos dormiam. Mas havia sempre um maluco insone que voltava à beira do cais, para acender uma churrasqueira improvisada. Aos poucos, as pessoas iam acordando e se aconchegando, com roupas de dormir, em volta do fogo. Começava, então, um insólito churrasco da madrugada. 

Eram assim os verões na Ilha Grande de Camamu. Como se Deus em pessoa fosse o mestre de cerimônia acolhendo quem chegasse. O silêncio, a paz e o sossego moravam lá.