Cultura

GUARDA-ROUPA DE GORDO: O que já foi sem nunca ter sido. P/OTTO FREITAS

As gordinhas têm mais sorte, pois começa a nascer a moda plus size.
Otto Freitas , Salvador | 21/04/2014 às 11:36
As mulheres sempre levam a melhor do que os homens
Foto: DIV
Como a gente sabe, gordo sofre também para se vestir com um mínimo de dignidade, a menos que seja rico. É que a indústria não produz uma oferta decente e o comércio, por falta dessa oferta, mantém uma rede reduzida de lojas especializadas. As gordinhas têm mais sorte, inclusive com o surgimento da chamada moda plus size. 

Diante dessa realidade, o guarda-roupa de gordo acaba sendo montado no espaço quase etéreo que pode ser definido entre o que já foi sem nunca ter sido e o que jamais será. Como diz aquela senhora benzedeira, o que não existe, não existe. 

Do alto de sua rica experiência, Jeffinho explica: para começo de conversa, quando encontra alguma peça que goste e lhe caia bem, compra logo uma meia dúzia, por medida de segurança. Aí começa a história do guarda-roupa que existe, mas não existe. 

Na maioria das vezes, na hora de experimentar uma calça, por exemplo, o gordo percebe que ela ficou um pouco apertada, que é preciso murchar a barriga para conseguir fechar o botão da cintura. “Vou emagrecer e ela vai ficar no ponto”, pensa o gordinho otimista. 

Obviamente, o gordo não emagrece e nunca veste aquela calça, que acaba formando, novinha em folha, o estoque do guarda-roupa que é sem nunca ter sido. Todo dia, ele olha para ela com aquele olho comprido; ela olha para ele, toda oferecida; e os dois ficam assim, para sempre vivendo esse intenso amor platônico, sem que jamais um entre no outro, completamente, como seria natural. 

Jeffinho lembra também o caso daquela camisa massa, confortável, de griffe, última moda, caríssima, perfeita, que ele encontrou em uma loja granfina, depois de fazer uma busca pente-fino no valioso estoque de números grandes. Jeffinho usa a camisa uma ou duas vezes, em ocasiões especialíssimas, para não estragar muito, pois se trata de uma raridade. 

Acontece que o gordo nunca é o mesmo, de um dia para o outro e, apesar dos esforços. Emagrece e engorda, mas no fim das contas sempre acaba um pouquinho mais gordo. Aí vem a revolta, misturada com angústia e tristeza: aquela camisa especial de que tanto gosta também já não lhe cabe, os botões na altura do barrigão não fecham mais. 

“Mas eu vou emagrecer”, pensa o gordinho crente - e pendura a camisa naquele guarda-roupa lotado, eterno, mas de uso futuro inatingível. Ela fica lá para sempre, mas ele jamais a vestirá novamente, pois sempre engorda mais um pouquinho, dia após dia; também não dá a camisa para alguém. 

Seu Anphilóphio, avô materno de Jeffinho, era um sábio, cultivava total despreendimento das coisas materiais; era praticamente um São Francisco de Assis. Uma bermuda velha, com um cordão no lugar no cinto, calça e camisa de sair e um pijama lhe bastavam. “Está bom demais; nasci nu e estou vestido”.