CIRCUNAVEGAÇÃO TYRONE PERRUCHO, EPOPÉIA EM CANAVIEIRAS

Walmir Rosário
12/06/2020 às 10:54
   Nem ao menos precisamos de vestimentas do século XV para empreender a maior expedição já realizada nas águas de Canavieiras neste século XXI, a Circunavegação Tyrone Perrucho. Finalmente, no fatídico domingo (7 de junho), data que ficará na história, a expedição zarpa às 7h30min do cais da rua da Prata em duas canoas, levando a bordo 15 pessoas (comandantes, contramestres, cinegrafista, cartógrafo e aventureiros).

   O título foi uma honraria justamente concedida pelo grupo Apaixonados Por Canavieiras em homenagem ao jornalista desocupado que sonhava com essa epopeia há 27 anos, finalmente concretizada para o gáudio dos membros da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas. Finalmente, chegou a hora de singrar os rios Patipe, Cipó, Pardo e Salsa, num percusso de 47 quilômetros.

   E não era pra menos, nesses últimos 27 anos, em todas as reuniões semanais a circunavegação era objeto de planejamento que jamais chegou ao papel, embora tenha passado por debates acalorados. Comandantes e tripulação de canoas apalavrados, rotas estabelecidas, pontos de apoio nomeados e até o fazendeiro e pescador Bakura já tinha se comprometido a preparar um rega-bofe à base de guaiamuns, lambretas e frutos do mar.

   Nessas reuniões de planejamento – que mais pareciam uma tempestade de ideias – sempre notei o olhar de soslaio de Bené, o comandante do Bar Laranjeiras, como quem queria dizer que carvão de muita fumaça não produz bom fogo. Como preparação, Tyrone foi até Barra Grande, em Maraú, para tomar um curso intensivo de navegação: por 15 dias dedicou as manhãs em aulas práticas e as tardes noites em aulas teóricas bares afora.

   Agora, enfim, a expedição reunia os atributos necessários para singrar os rios canavieirenses: o know how das navegações anteriores do grupo Apaixonados por Canavieiras e a experiência – que alguns maldosamente chamam de velhice – dos membros da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas. Tudo sairia conforme o planejado.

   Pra começo de conversa, às 5h30min um lauto desejum foi servido nas instalações da Padaria O Berimbau: no cardápio, sobe e desce bovino acompanhado de pirão e quiabos, preparados pelo chef Zé do Gás, reforçado com viúva de carneiro prato da especialidade de Juninho da Ótica, todos regados a mais legítima Asa Branca e cerveja bem gelada, como determina o manual de boas prática de viagem.

   Barrigas cheias, chegou a hora de trabalho: o abastecimento das canoas com as caixas de isopor, as vasilhas plásticas com as farofas de torresmo e tripas, além das de carne de sol com cebola. Todos a bordo, zarpamos singrando as águas do rio Patipe, olhando os manguezais, as casas ribeirinhas construídas sobre palafitas para evitar as enchentes, as constantes canoas que cruzávamos.

   Entre uma cerveja e outra, que ninguém é de ferro, chegamos à primeira parada, ávidos pelas farofas, comidas embaixo dos pés de abiu no chão enfeitado como uma almofada carmesim. Nos esperava à frente o rio Pardo, um pit stop providencial para os experimentados setentões colocarem as costelas no lugar certo e posar para a foto histórica na bifurcação com o rio Cipó.

   Como disse, o planejamento é 99% de acerto numa viagem, o problema foi esse 1%, que não chegou a enodoar a expedição, mas causou maus momentos no confrade Tedesco, cabra prevenido, que não esqueceu de levar seu astrolábio e sua cadeira de recosto para viajar confortavelmente. No porto, Tedesco fez questão de mostrar a nota fiscal de 52 anos atrás, de um produto resistente e que não mais se fabrica. 

   Para o desgosto do nosso alemão, apesar de italiano, a cadeira sofreu a primeira pane, salvando o casco da canoa. Mas nada que lhe moesse os ossos, examinados no dia seguinte por um competente ortopedista. De ruim mesmo só a estrepitosa gargalhada. Uma foto daqui, um filme dali, a vida dos ribeirinhos e o meio ambiente iam sendo documentados pelas potentes lentes dos confrades.

  Lá pras tantas, com as barrigas roncando de fome, passamos pela histórica fazenda Cubículo, na qual foi plantado o primeiro cacaueiro da Bahia, em 1746, responsável pela formação de riquezas no Sul da Bahia. Mais a frente nos aguardavam duas galinhas balão – uma ensopada e outra a molho pardo – preparadas no restaurante de Juraci, que foram consumidas logo após os guaiamuns e umas lapadas da boa cachaça mineira.

   Barriga cheia, todos acomodados nas canoas só restava sair do rio Salsa e empreender a volta pelo rio Pardo à cidade. Às 16h35min aportamos, posamos para a foto e marcamos um novo passeio, desta vez para a Lagoa do Rocha. Mais do que um dia de recreação científica (será que existe?), a felicidade estampada nos rostos dos gatões de meia idade agradecia a Deus por não ter sido preciso recorrer aos conhecimentos náuticos de Tyrone.

   É vida que segue e como se diz que enquanto o frade descansa carrega pedra, teremos na quinta-feira (11) uma reunião conjunta da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas para dar início ao planejamento da próxima aventura e receber a cartografia da Circunavegação. No encontro também está previsto o resgate das sobras do sobe e desce e da viúva de carneiro que encontram-se hibernando no freezer da Confraria d’O Berimbau.