As lições de Paulo Francis e a politica no Brasil

Fernando Conceição
18/12/2016 às 12:11
QUE DANEM-SE ESSES VAGABUNDOS que elegemos, não importa o partido, a ideologia, ou o chamado “interesse nacional”.

Iconogafia do jornalista que antecipou o assalto à maior empresa brasileira, Petrobras, e pagou caro por isso
Iconogafia do jornalista que em 1996 antecipou o assalto à maior empresa brasileira, Petrobras: pagou caro por isso

Todos vagabundos, de cabo a rabo, como mostram agora as notícias da Operação Lava Jato. Esta com agentes públicos também sujeitos ao egolatrismo, juízes e promotores que também precisam de freios na megalomania de que são Deus.

O juiz Sergio Moro, por sinal, que comanda o processo, pisou na bola feio ao se permitir a descontração ao lado do suspeito senador Aécio Neves, presidente do PSDB.

Os promotores chantageiam a sociedade querendo impor medidas anticorrupção que ferem o Estado Democrático de Direito. Uma delas, no meio das bem-vindas medidas anticorrupção que querem aprovar no Congesso Nacional, a dificultação do habeas corpus.

No Brasil sempre foi e assim será, como está nas delações premiadas do todo-poderoso encarcerado Marcelo Odebrecht [clique e saiba]. Basta ler as memórias de Samuel Wainer (Minha Razão de Viver).

Quando o comandante-em-chefe do esquema criminoso, Luiz Inácio Lula da Silva, será condenado e preso? Sua equipe de defesa é multinacional e competente, mas já passa da hora de ele parar de brincar de nada vi, nada sei.

E esse mordomo de filme de Drácula que o PT empurrou goela abaixo dos eleitores duas vezes como vice da impichimada Dilma Rousseff, Michel Temer (PMDB)? Não seria o caso de a população exigir a sua renúncia imediata a partir das provas agora reveladas pelos delatores?

Assim como merecemos explicação da Justiça por termos de aturar Lula flanando durante este Natal e Réveillon, os brasileiros não merecem uma Páscoa com Temer.

Esses vagabundos, aos quais pagamos salários estupendos, estão se lixando com as desgraças do país. (…) “Elegemos esses vagabundos para nos servirem, logo, se fazem fora do penico, nada mais justo que os ‘danem-se'”. (Francis, 2016: 74).

Historicamente no Brasil a elite política é perdulária, o povo acovardado, a intelectualidade boçal, o revolucionário crê em Allan Kardec ou suas variantes.

Cito Paulo Francis:

“O fato é que a esquerda perdeu a capacidade de análise histórica e sua consciência moral (…). Trocou tudo isso pelo prato de lentilhas do poder” (p. 91).

NÃO FOI O CURSO de graduação no qual me diplomei em 1986 que me ensinou a escrever um texto jornalístico.

Paulo Francis, do qual a Editora Três Estrelas publica uma nova coletânea de artigos, é que ensinou este aprendiz de repórter a tentar ser claro e objetivo, escrever bem.

A responsabilidade pelos erros não é dele. De Manhattan, Nova York, onde forçado pelas circunstâncias da ditadura militar de 1964, jamais suspeitaria que fez a cabeça de um leitor que o lia numa província do Nordeste do Brasil desde meados dos anos 1980.

Paulo Francis: A Segunda Mais Antiga Profissão do Mundo – jornalismo, política e cultura nos textos do maior polemista da imprensa brasileira (São Paulo, 2016), traz uma seleção dos artigos que publicou entre 1975, quando foi contratado, e 1990, quando foi demitido pelo jornal Folha de S. Paulo.

Demissão essa que o levou para o concorrente O Estado de S. Paulo e TV Globo. E que ocorreu depois de polêmica  com um secretário de Redação à época da Folha, Caio Túlio Costa. Protegido de Otavio Frias Filho, herdeiro e diretor da Redação, esse depois foi premiado como manager do pioneiro portal Universo On Line (UOL).

Os textos da polêmica, um mal-entendido sobre sionismo e antisemitismo iniciado com um artigo de Paulo Francis, não estão incluídos na coletânea, o que me parece uma falha editorial premeditada.

Caio, judeu, tomou as dores do establishment de Israel, no qual Francis sempre desceu o sarrafo, em crítica à desproporção de forças – em armas e em propaganda – no conflito com os palestinos.

Compreende-se. A Três Estrelas, como o UOL, pertence ao Grupo Folha. Alcino Leite Neto, seu editor e que me pôs há tempos na lista dos seus chegados, tem algo a dizer sobre a omissão? [CORRREÇÃO: Leia abaixo o Pos scriptum].

A obra foi organizada e apresentada por Nelson de Sá, um dos discípulos de Francis, que informa as circunstâncias de sua morte súbita e prematura em fevereiro de 1997. Francis estava deprimido, pressionado por um milionário processo de pedido de indenização por danos morais movido contra ele pelo então presidente da Petrobras, Joel Rennó.

A “cosa nostra” da Petrobras, como provado a partir da instalação da Lava Jato em 2014 (sic!, diria Francis), se disse ofendida por Paulo Francis ousar alertar o público brasileiro de que a maior empresa estatal do Brasil servia de balcão de negócios para alguns dos seus capos.
Isso já em 1996, em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso. Que, justiça seja feita, informado por José Serra dos detalhes da contenda judicial, tentou dissuadir Rennó. Em vão.

Rennó jogou a máquina da poderosa empresa contra a pessoa física do jornalista Paulo Francis. Abriu um processo não no Brasil, mas nos Estados Unidos da América, onde a prestação jurisdicional custa caro, muito caro.

Nem um vintém saiu do bolso dele, claro. Foi bancado por dinheiro público, dos brasileiros roubados pelo esquema corrupto que depois, com a chegado do PT ao poder em 2002, sofisticou-se. Em cumplicidade com empreiteiras como a Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, que quase destrói a Petrobras – como denunciava Francis lá atrás.

A apresentação do livro por Nelson de Sá é complementada por orelha de Renata Lo Prete. Ambos trabalharam com Francis no escritório de Nova York da Folha.

Sá continua na mesma Folha comentarista da cobertura política de TV. Lo Prete, premiada pelo furo sobre o “mensalão” petista revelado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson (a quem Lula passaria um cheque em branco, como declarou semanas antes da revelação) é hoje editora de política da Globo News, onde apresenta com outros o “Jornal das 10” (22h de Brasília).

Os textos de Francis organizados no livro são primorosos em três sentidos.

É lapidar como um testamento em primeira pessoa de um intransigente defensor da autonomia intelectual do jornalista perante as forças do mercado jornalístico.
Vale mais do que toda a retórica empolada de acadêmicos (geralmente semianalfabetos, como sublinha o autor) que assaltam as universidades brasileiras, em particular as faculdades de…, meu Deus!, Comunicação (sic!) – onde se exercita o rancor contra a liberdade de expressão, o debate sem peias das ideias e contra o jornalismo bem-sucedido empresarialmente.

E é um registro comovente da honestidade de um ser humano que amava o Brasil. E, até sua morte, esteve perplexo com o destino atávico do país.

Se fez jornalista, a segunda mais antiga profissão do mundo, sem se deixar prostituir, deixando essa primeira para as ou os profissionais de carreira ou para os vagabundos que infestam a política nacional com o fedor nato que exalam.

Seus artigos eram reproduzidos em vários jornais. Quando comprados para ser reproduzidos no jornal A Tarde, de Salvador, e Francis acidamente vituperou, como sempre fez, contra a tradição coronelística dos senhores de mando do Nordeste brasileiro, matou-se o mensageiro.

Tradição de clientelismo (dentaduras ou bolsas famílias), repressora, assassina. Dizia não entender como o povo, miserável, mantinha-se complacente. O diretor de redação de A Tarde, Jorge Calmon, sentiu-se atingido em seus brios (Freud explica). Abruptamente cortou o contrato de reprodução. Às favas o leitor!

Como não cansou de repetir Paulo Francis, e se não repetiu eu repito, aqui a ignorância é o preço que o vício paga à virtude.

P. S. (Post scriptum). Depois de publicado, recebi de Alcino Leite Neto, editor da Três Estrelas: “Caro Fernando, Gostei muito de sua análise da conjuntura e também de suas palavras sobre o Paulo Francis. Obrigado pela atenção que dedicou ao livro A segunda mais antiga profissão do mundo. Você me pergunta, e eu te respondo: a polêmica com Caio Túlio não está incluída neste livro porque foi um dos destaques da coletânea anterior do Francis, Diário da Corte que lançamos, em 2012. E não apenas essa polêmica, mas outras, como a que ele travou com Caetano Veloso. A segunda mais antiga profissão do mundo é uma nova coletânea, com artigos que não foram incluídos na primeira, e cujo recorte dominante são os textos em que Francis tratou da profissão jornalística (daí o título) e da mídia em geral (como a TV). Você não tem Diário da corte? Se não tiver, enviarei com prazer um exemplar a você (a edição está por se esgotar).”

Sim, tenho a coletânea Diário da Corte, da qual utilizo alguns trechos em aulas que ministro numa das disciplinas de graduação na Faculdade de… Comunicação da UFBA. Os artigos da referida polêmica, de fato, estão entre as páginas 346 e 357 e, outra correção, gira aparentemente não em torno de sionismo e antisemitismo. À época ombudsman da Folha, Caio Túlio aproveitou a radical oposição do articulista a Lula na disputa contra Collor de Mello na eleição de 1989, para atacar as qualidades morais e profissionais de Paulo Francis. Este respondeu “soltando os cachorros” (uma expressão sua) em Caio com a fúria dos justos.