A Reforma Politica e a Igreja Católica

Luis Eugênio Sanábio e Souza
23/03/2015 às 12:14
Excelentíssimo Senhor
Deputado Federal  Dr.  Marcus Pestana,
(extensivo aos Excelentíssimos
Bispos brasileiros)


                        Acolhendo um cordial convite do Excelentíssimo Arcebispo de Juiz de Fora  Dom Gil Antônio Moreira, estive presente em vossa palestra sobre a “Reforma Política” realizada hoje na Cúria Metropolitana.   Desejo, antes de mais nada, cumprimentar Vossa Exma. pela honestidade intelectual e pelo incansável trabalho político em prol do bem comum.   Também desejo expor aqui uma reflexão a
respeito da relação entre a Igreja Católica e a política.  A título de breve apresentação pessoal,
informo que como leigo católico e estudioso autodidata da doutrina da Igreja, tenho me esforçado ao longo dos últimos 20 anos por expor a doutrina católica, sobretudo através do jornal.  Dentro dos meus 250 artigos católicos já publicados na Tribuna de Minas  (principal jornal de nossa cidade),  alguns trataram sobre a relação da Igreja com a política.  Os três mais recentes artigos que assinei sobre isso podem ser abertos aqui através dos links no final desta carta.  São eles :  “Valorizemos a política”  (Tribuna de Minas em 24/11/2011); “A política e o bem comum”  (Tribuna de Minas em 24/10/2012); “Laicidade do Estado e religião”  (Tribuna de Minas em 10/10/2014).    Leia depois sobre esta minha contribuição.

                                                      *****

                       Durante a vossa palestra,  percebi que a complexidade da “Reforma Política” é tão grande que de uma maneira geral o povo não terá condições de opinar e decidir sobre esta matéria e isso então caberá aos especialistas, isto é, aos políticos mais engajados.  O estímulo à reflexão e o trabalho em prol de uma maior conscientização sobre estas questões, ajuda o povo, mas não seria suficiente para despertar um angajamento decisivo do povo, porque trata-se de questões minunciosas que exigem especialização e consequentemente seria ilusório esperar tamanha dedicação e aptidão de todos.  

                  Também por isso, a CNBB não deveria pensar em colher assinaturas de fiéis, pois os fiéis não teriam condições de responder com consciência plena e livre sobre matéria tão complexa.  Neste caso, em grande medida seriam apenas manipulados e isso é moralmente inaceitável, fato que infelizmente
ocorre em algumas comunidades evangélicas.   

                 Confesso à Vossa Exma., assim como confessei aos Bispos, que tendo como base algumas diretrizes dos Sumos Pontífices presentes no Catecismo da Igreja Católica e no Compêndio da doutrina social da Igreja, considero que a postura da CNBB diante deste tema da “Reforma Política” tornou-se imprudente porque para além da missão da Igreja de inspirar a política através dos valores cristãos  (tão bem expostos em sua doutrina social),  a CNBB está entrando no jogo da militância política ao propor aos Bispos o recolhimento de assinaturas dos fiéis em suas dioceses e isso em prol de posições políticas.  

                  Eu penso que isso está errado porque tal atitude militante tende a fazer da Igreja uma força política, quando na verdade sua missão é ser uma força religiosa que inspira as realidades temporais, entre elas a importante realidade política.  Num dos meus artigos, eu escrevi que “considerando
que as coisas terrenas e as que transcendem este mundo se encontram intimamente ligadas, compreende-se que faz parte da missão da Igreja emitir o seu juízo moral também sobre as realidades que dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas” (Catecismo da Igreja Católica nº 2.246). 

                   Isso, porém, é diferente de entrar na militância, participando da construção política.  Sobre isso, o Catecismo da Igreja Católica (expressamente aprovado pelo Papa como texto de referência doutrinal) é claríssimo ao explicar que “não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por própria iniciativa com seus concidadãos” (Catecismo da Igreja Católica n° 2442). 

              Aqui devemos retomar e compreender melhor as seguintes palavras do Papa emérito Bento XVI : “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível” (Encíclica Deus Caritas Est n° 28). 

             Ainda segundo Bento XVI, “a sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política” (n° 28). Ao dizer isso, o Papa não quis afastar a Igreja da realidade política, mas sim explicar que a missão da Igreja não é de ordem política ou social, mas religiosa. Esta missão religiosa do Magistério da Igreja deve influenciar todas as realidades humanas, inclusive a realidade política, mas não diretamente através de um engajamento político que pertence
aos leigos e não ao Magistério. 

           Tendo como base e inspiração os valores evangélicos presentes na doutrina social da Igreja, os leigos devem se engajar na política com uma autonomia própria. A CNBB, neste caso, está querendo
participar da construção política através de campanha estritamente política, porque pretende pedir assinaturas para um objetivo estritamente político.  

           Isso é abusivo independentemente do mérito da Reforma Política.  Eu procurei dizer aos Bispos que os fiéis não esperam da Igreja diretrizes estritamente políticas,mas sim religiosas e morais que possam inspirar as atitudes políticas.   

            Foi bonito quando o Concílio Vaticano II ao explicar que a missão da Igreja não é de ordem política, econômica ou social, mas sim de ordem religiosa, citou o Papa PIO XII que disse assim : “É preciso não perder nunca de vista que o objetivo da Igreja é evangelizar e não civilizar.  Se ela civiliza, é pela evangelização”  (Concílio Vaticano II:  Constituição Gaudium et spes n° 42 e 58).

                Certa vez a Santa Sé disse que “não cabe à Igreja formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um” (Nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a participação e comportamento dos católicos na vida política, n° 3).

             Feitas estas considerações, eu não quis e nem quero negar a evidente contribuição da Igreja e da própria CNBB no sentido de estimular a valorização da política a partir dos valores universais do Evangelho.  É claro que, como escreveu o Papa Francisco, “a Igreja não pode nem deve ficar à
margem na luta pela justiça” (Exortação Apostólica Evangelli gaudium n° 183).  

              Esta frase difundida pelo Papa Francisco foi extraída daquela passagem que citei da Encíclica do Papa emérito Bento XVI:  Neste parágrafo, BentoXVI escreveu que a Igreja “não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais,sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar. 

            A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às
exigências do bem” (Papa Bento XVI: Encíclica “Deus caritas est” n° 28).  

            O memorável Papa São João Paulo II, que tanto lutou pela justiça social, disse que "a Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática, mas não é sua atribuição manifestar preferência por uma ou outra solução institucional ou constitucional" (Encíclica Centesimus Annus n° 47).  

              No número 43 desta Encíclica e falando dos modelos políticos, São João Paulo II afirmou assim : “A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das
diversas situações históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos os seus aspectos sociais, económicos, políticos e culturais que se entrelaçam mutuamente. 

      A esse empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal indispensável, a própria doutrina social que — como se disse — reconhece o valor positivo do mercado e da empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que estes sejam orientados para o bem comum”.
Assim, eu penso que a CNBB deve continuar dialogando com os políticos a partir da doutrina social da
Igreja e ao mesmo tempo deve respeitar a autonomia política sem a intenção de pressionar ou constranger os fiéis com campanhas de recolhimento de assinaturas para fins estritamente políticos.   
 
          Assim, a CNBB não deve apresentar uma proposta propriamente política, como estão
dizendo ou querendo, mas uma proposta de valores morais e religiosos que inspirem a construção política que posteriomente deve ser realizada pelos seus específicos responsáveis, assim como ensina os documentos eclesiais que citei.


               
                Luís Eugênio Sanábio e Souza